Por Nilson Montoril
A criação e a implantação do Território Federal do Amapá aconteceram em plena vigência do “Estado Novo”, que Getúlio Vargas havia instituído no dia 10 de outubro de 1937. Em decorrência do golpe deixaram de funcionar o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais. A partir de então, o presidente da República dos Estados Unidos do Brasil passou a legislar por decretos-lei e os Territórios estavam subordinados ao Ministério da Justiça e Negócios do Interior. Getúlio Vargas dirigia a Nação com mão de ferro desde 1930, mas vivia prometendo que a democracia não tardaria a despontar. Tinha o mérito de confiar nos seus subordinados, assessores e aliados. Era implacável com os correligionários infiéis e adversários ofensivos. Porém, por várias vezes foi capaz de perdoar seus opositores em virtude de atenuantes plenamente justificáveis. O exemplo mais patente deste modo de agir de Getúlio Vargas é o Coronel Janary Gentil Nunes, que ostentava a patente de Capitão quando o “velinho” o nomeou para governar o Território Federal do Amapá. Janary Nunes sempre foi um militar disciplinado, que seguiu rigorosamente as instruções recebidas do chefe da Nação. Acompanhou com vivo interesse todos os passos que conduziriam o Brasil à Democracia em 1945. No dia 18 de março do referido ano, Getúlio baixou um decreto anistiando os presos políticos. A 28 de maio editou o decreto-lei nº. 7.586, aprovando o Código Eleitoral com 146 artigos. O novo código instituiu o sistema eleitoral de sufrágio universal, o voto obrigatório e criou a Justiça Eleitoral com Tribunais Regionais nos Estados e o Tribunal Superior Eleitoral na cidade do Rio de Janeiro, então sede do governo central. Nos Estados, os eleitores escolheriam o Presidente, os Senadores e os Deputados. Nos Territórios Federais só haveria eleições para Presidente da República. O alistamento começaria dia 1º de julho de 1945 e as mulheres que trabalhavam fora do lar teriam de se alistar. Janary Nunes lançou as bases de pré-alfabetização de adultos no dia 23 de junho para atender duas exigências legais; só poderia ser eleitor o cidadão alfabetizado e analfabeto não ingressaria no serviço público. Os dois primeiros eleitores qualificados no Território do Amapá foram: Henedino Duarte da Silva e José Maria Osório Santos, ambos da Coletoria Federal de Macapá.
O Código Eleitoral dizia que era da exclusiva competência das Comissões Executivas dos Partidos escolherem candidatos. Como os partidos políticos ficaram muito tempo na clandestinidade, era imprescindível reorganizá-los. No dia 14 de julho de 1945, foi instalado o Partido Social Democrático-PSD, com solenidade realizada às 20 horas no Cine Teatro Territorial. Os Diretórios Municipais de Macapá, Amapá, Mazagão e Territorial deram posse a seus membros e imediatamente iniciaram suas campanhas para filiação de eleitores. Referindo-se a importância do acontecimento, o advogado e jornalista Paulo Eleutério Filho disse: “Não são os regimes políticos que modificam a estrutura das nações, mas sim o caráter dos homens que as dirigem. Nos partidos políticos dá-se a mesma coisa”. O brilhante orador também fez apreciações a respeito da fidelidade partidária, porque não se admite que alguém queira impor suas pretensões em detrimento de uma filosofia que é o apanágio dos membros de um partido. O governador Janary Nunes ratificou as palavras de Paulo Eleutério e lembrou que um homem honrado deve primar pela retidão. Dia 29 de outubro de 1945, pressionado pelos militares, Getúlio Vargas renunciou o cargo de presidente. Como não havia vice-presidente, José Linhares, Presidente do Superior Tribunal Federal passou a dirigir o país. Não fez mudanças radicais nos Estados e recusou o pedido de exoneração do governador do Amapá e referendou a permanência dos gestores dos territórios do Acre, Guaporé, Rio Branco, Ponta Porá, Iguaçu e Fernando de Noronha. As eleições estavam às portas e o Partido Social Democrático-PSD, através de sua Comissão Executiva Nacional, em sessão extraordinária, homologou a candidatura do General Eurico Gaspar Dutra para o cargo de presidente da República. Janary Nunes desdobrou-se para assegurar a vitória do candidato de seu partido no Amapá e conseguiu ser bem sucedido As eleições estavam marcadas para o dia 2 de dezembro e assim aconteceu. Dutra venceu obtendo 2.252 votos. O Brigadeiro Eduardo Gomes (União Democrática Nacional-UDN) conseguiu 83 votos e Yedo Fiúza (Partido Comunista Brasileiro-PCB) ficou com 64 votos.
Os três candidatos ao cargo de presidente da República do Brasil em 1950:: Getúlio Dorneles Vargas(PTB/PSD), Brigadeiro Eduardo Gomes(UDN) e Cristiano Machado(PSD) |
Foi nas eleições de 1950, que se evidenciou a fidelidade partidária de Janary Nunes. O Partido Social Democrático lançou a candidatura de Cristiano Machado à presidência do Brasil, considerada pelos analistas políticos do país como inoportuna e insensata. O mineiro Cristiano Machado não era um político sobejamente conhecido e iria enfrentar Getúlio Vargas (Partido Trabalhista Brasileiro) e Eduardo Gomes (União Democrática Nacional), reconhecidamente mais fortes. Só poderia superar João Mangabeira (Partido Socialista Brasileiro). Ao sentirem que Cristiano Machado não teria a mínima chance de sair vitorioso, os principais líderes do PSD aderiram à candidatura de Vargas. Esta atitude recebeu a denominação de “cristianização”, alusão ao que ocorreu com Jesus Cristo e seu calvário. Janary Nunes tinha consciência de que seria exonerado assim que se configurasse a vitória de Getúlio Vargas, mas decidiu ser fiel a seu partido e ao então presidente da República, General Eurico Dutra. A atitude de Janary Nunes não seria uma traição de Getúlio?Afinal de contas, foi o velinho que o nomeou para governar o Amapá, em 1943. Ocorre que Janary Nunes levou ao conhecimento de Getúlio sua tomada de decisão e o “Velinho” disse que ele ficasse tranqüilo para agir conforme ditasse sua consciência.Janary continuou obediente e desprendido no cumprimento de sua missão.Trabalhou incansavelmente pela vitória de Cristiano Machado, pelo menos no Amapá. A chapa constituída por Getúlio Vargas e João Café Filho venceu a nível nacional com 3.849.040 votos, contra 2.343.384 votos de Eduardo Gomes/Odilon Braga e 1.697.193 votos de Cristiano Machado/ Altino Arantes. Mas, no Amapá, Cristiano Machado obteve 4.154 votos, enquanto Getúlio não passou de 787 votos, isto é, quase seis vezes menos o quantitativo de votos dados a Cristiano.
Todos julgavam que Janary Nunes perderia o cargo de governador, o que não aconteceu. Mesmo antes de Getúlio Vargas tomar posse, o governador Janary Nunes encaminhou-lhe seu pedido de exoneração, o qual Getúlio Vargas rejeitou, pois conhecia a potencialidade de trabalho e de liderança do antigo assessor. Sabia também que o Partido Trabalhista Brasileiro do Amapá ainda não dispunha de alguém acostumado aos problemas de gestão de um território federal. Para não desagradar os membros do PTB, Getúlio decidiu formar um governo de coalizão. Reuniu com Janary Nunes e líderes do partido vitorioso, deliberando pela nomeação do presidente do PTB, Claudomiro Morais para o cargo de Prefeito de Macapá, cuja posse aconteceu a 19 de março de 1951, dia de São José. Getúlio Vargas justificou a permanência de Janary Nunes dizendo: “Um homem que é fiel a seu partido, mesmo diante da evidência de derrota numa eleição, será sempre fiel a quem o valorize”.
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