quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

UM NATAL MARCADO PELA TRISTEZA


                                    
            Por Nilson Montoril
A morte do Padre Júlio foi precedida de momentos de muita angústia por parte dos que tentavam socorrê-lo. Por volta das 15 horas, do dia 24 de dezembro, o automóvel descia a serra quando o motorista o manobrou excessivamente para a direita a fim de desviar a viatura de uns tocos. Ela saiu da estrada e só não rolou até o fundo de um abismo porque uma possante árvore impediu. As rodas ficaram para cima e os ocupantes do veiculo de cabeça para baixo. As freiras que o acompanhavam  e o motorista foram socorridos, mas o sacerdote ficou comprimido entre o encosto da bancada da frente e uma raiz de árvore, que sustinha o carro sobre o abismo. O peito de encontro à raiz e o encosto impedindo que seus pulmões inflassem.Padre Júlio ficou assim por 40 minutos, com dificuldade para respirar.Morreu asfixiado, sereno e rezando. Tinha 66 anos de idade.
A noite do dia 24 de dezembro de 1944, começava a dominar a pequena Macapá, quando o Posto Telegráfico recebeu uma mensagem passada de Vargem Grande, Minas Gerais, dando conta de que o Padre Júlio Maria Lambaerd havia falecido em circunstâncias trágicas. Imediatamente, com a comunicação impressa em telegrama, o estafeta foi à Casa Paroquial entregá-lo aos Padres Felipe Blanke e Antônio Schulte, religiosos que, a exemplo do Padre Júlio, integravam a Congregação da Sagrada Família, estabelecida em Macapá desde o ano de 1911. Os sinos do campanário da Igreja São José passaram a executar o toque fúnebre de maneira intermitente, atraindo a população para frente do templo. Procurando conter a emoção, o Padre Felipe Blanke, vigário da Paróquia de Macapá, repassou a todos a notícia que havia recebido.
Fotografia do Padre Júlio ao tempo em que viveu em Macapá(1913 A 1923). Nesta época ele estava com 35 anos de idade. Sofreu com a malária, com uma ferida que quase provoca a amputação de sua perna direita e com a febre provocada por uma mosca peçonhenta na Serra do Tumuc-Humac.
Há 22 anos o Padre Júlio tinha deixado Macapá fugindo da malária que o fustigava. Depois de atuar algum tempo na Vila Pinheiro (Icoaraci), no Pará, foi fixar-se em Manhumirim, no Estado de Minas Gerais. A população ainda tinha viva na memória a figura do Padre Júlio, um homem decidido que tantos benefícios trouxe para a então abandonada cidade paraense de Macapá e tinha por ele uma grande amizade. Júlio Emilio Lombaerd nasceu na Bélgica, no dia 7 de janeiro de 1878. Aos 17 anos, a 1º de novembro de 1895, em Maison Carré, África, recebeu o hábito sacerdotal. Sua consagração ocorreu a 18 de abril de 1897, aos 19 anos de idade. A recepção diaconal verificou-se a 6 de outubro e a ordenação sacerdotal a 13 de junho de 1908. Por devoção a Virgem Maria alterou seu nome para Júlio Maria Lombaerd. Em setembro deste ano despediu-se dos familiares e embarcou para o Brasil, com destino a pobre e diminuta cidade paraense de Macapá. 
Casa Paroquial que permaneceu em uso até o momento em que foi erguido o primeiro prédio da Prelazia de Macapá.No ambiente que se tinha acesso através da 4ª porta, à direita, estudei catecismo com o Irmão Francisco Mazzolene. A casa era de taipa de mão e assoalho de madeira.

No dia 15 de outubro de 1908, o navio que transportava o Padre Júlio chegou a Pernambuco. Ele passaria quase 5 anos trabalhando em Recife, Natal e Belém.Chegou a Macapá no dia 27 de fevereiro de 1913, sendo recebido na Doca da Fortaleza pelos sacramentinos José Lauth (vigário de Macapá desde 1911) e Hermano Elsing, vigário de Mazagão, dois velhos amigos dos tempos de seminário. Em pouco período de tempo percorreu toda a região do atual Estado do Amapá e quase morreu ao ser picado por uma mosca peçonhenta na serra do Tumuc-Humac. A 2 de maio de 1913, foi nomeado pelo governador do Estado do Pará, Enéas Martins, para o cargo de  Diretor das Escolas Reunidas de Macapá, fato que fez melhor consideravelmente o desempenho das mesmas, Padre Julio era empreendedor nato e fundou várias instituições benfazejas em Macapá: Congregação das Filhas do Coração Imaculado de Maria, Colégio e Orfanato Santa Maria, Cine Olímpia, Filarmônica São José e a Farmácia Comunitária. 
Cópia de foto tirada em 1916, que se encontra no livro "Padre Júlio, Sua Vida e Sua Missão". Mostra a casa que abrigou as freiras da Congregação das Filhas do Sagrado Coração Imaculado de Maria, em Macapá. A sede da congregação era o prédio na esquina da Rua São José com a atual Avenida Presidente Vargas. Depois que as freiras deixaram a cidade o imóvel abrigou a "Casa Popular" de Manoel Eudoxio Pereira, o Pitaica, o Escritório de Contabilidade de João Wilson Carvalho e parte da Divisão de Segurança e Guarda, na fase Território do Amapá As duas mangueiras frondososa no primeiro plano foram retiradas em 1970, na gestão do Governador do Território do Amapá,  Ivanhoé Gonçalves Martins.

Na Ilha de Santana instalou a casa destinada ao retiro dos religiosos da Congregação da Sagrada Família. A partir de 1948, sob a gestão dos padres italianos do Pontifício Instituto das Missões Estrangeira, esta propriedade funcionou como pensionato e seminário. No atual bairro Buritizal, o saudoso sacerdote belga criou a Fazenda Santa Maria, em cujas terras se fez a instalação do atual Cemitério São José. Na fazenda ficavam os animais que os criadores de Macapá doavam ao santo padroeiro da cidade, que ali permaneciam até o dia do leilão a 19 de março. 
O sacerdote que monta o cavalo escuro é o Padre Júlio. O outro religioso é o Padre Hermano Elsing, vigário da Paróquia de Nossa Senhora da Assunção, na atual Mazagão Velho. A fotografia foi batida na Fazenda "Santa Maria" que ocupava terras do hoje bairro Buritizal. Há mais dois homens montados a cavalo. Eram os vaqueiros da fazenda.

Antes da chegada dos padres sacramentinos, era o Padre François Rellier, francês com atividades na Guiana Francesa que prestava assistência espiritual aos macapaenses. O povo quase não ia à igreja e uma considerável parcela dele se devotava ao espiritismo africano e usava santos para angariar dinheiro em proveito próprio. O Padre Júlio reduziu drasticamente esta prática e por isto ganhou a antipatia dos espertalhões. A comunidade negra deve a ele a organização da festa das coroas que ainda hoje simbolizam o Divino Espírito Santo e a Santíssima Trindade nas duas quadras do Marabaixo. Porém, em 1923, o Padre Júlio precisou deixar Macapá para livrar-se da malária. Levou consigo as religiosas da Congregação das Filhas do Coração Imaculado de Maria e todo o acervo das instituições que criara.
Padre Júlio e quatro irmãs da Congregação das Filhas do Imaculado Coração de Maria que foram transferidas de Macapá para a Vila Pinheiro, hoje Icoaraci, no Pará. Na Vila Pinheiro o Padre Júlio construiu o Colégio Nossa Senhora de Lourdes.Ele ficou em Pinheiro até 1926.
Fixou suas atividades na então Vila Pinheiro (Icoaraci), no Estado do Pará, onde as freiras residiram até transferirem suas ações para Caucaia, no Ceará, onde ainda existe a Congregação. Padre Júlio não tardou a arribar com passagem por Alecrim, no Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro. Em busca de um clima mais ameno o ilustre vigário escolheu Manhumirim para reiniciar sua brilhante trajetória religiosa. Construiu o Hospital São Vicente de Paulo, o Seminário Apostólico, o Jornal “O Lutador” e outros empreendimentos. Em Dores de Indaiá, cidade mineira erigiu o Seminário São Rafael.
1934 - Padre Júlio Maria de Lombarde, seus religiosos e seminaristas na cidade mineiro de Mnhumirim.

Em 1931, vigorando no Brasil o governo ditatorial de Getúlio Vargas, Padre Júlio foi acusado de ser integralista, nazista e rebelde às autoridades brasileiras. Respondeu com muito altruísmo ao processo que lhe foi movido, sendo declarado inocente a 31 de outubro de 1931. Somente depois da decisão judicial ele recebeu o titulo de cidadão brasileiro e passou a usar o nome  Júlio Maria de Lombarde. Nos dias atuais, a Fundação Padre Júlio atua em diversas partes do Brasil.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

FRANCISCA LUZIA DA SILVA, A MÃE LUZIA

                     
             Por Nilson Montoril
                       
           
A gravura acima não é cópia de uma fotografia, mas de pintura feita pelo artista plástico R. Peixe. Consta que ele pintou o quadro baseado numa fotografia de "Tia Milica", nas descrições feitas pelos parentes e na poesia "Mãe Luzia" composta pelo poeta Álvaro da Cunha.

             Francisca Luzia da Silva tinha suas raízes em Mazagão Velho, onde nasceu a 9 de fevereiro de 1869. Nunca foi escrava e deve descender dos cidadãos que viviam no castelo de Mazagão, no Marrocos e que Portugal fez migrar para a Amazônia. Tinha 15 anos de idade quando seus pais mudaram-se para Macapá, em 1884. Foi casada com Francisco Lino da Silva, próspero lavrador e político macapaense que chegou a exercer o cargo de Prefeito de Segurança (Delegado de Polícia) e obter a patente de capitão da Guarda Nacional. O casal teve duas filhas e quatro filhos: Miquilina Epifânia da Silva (Milica), Cláudio Lino dos Passos da Silva (pai do Francisco Lino da Silva, o Lino da Universidade de Samba Boêmios do Laguinho), Àguida Chavier da Silva, Francisco Lino da Silva, Raimundo Lino da Silva (Bucú) e José Lino da Silva. A família tinha duas propriedades produtivas. O sitio “Capitão”, localizado na margem direita do Rio Anauerapucu (Vila Nova), cujo titulo homenageava a patente do marido e o “Retiro Matapi”, na Campina Grande, onde a família criava gado, porcos e aves. Era no sitio Capitão onde Francisca Luzia da Silva e Francisco Lino da Silva residiam no período de janeiro a julho aproveitando á época chuvas intensas. No sitio a família colhia frutas e plantava diversos produtos. No verão ocorria a coletava do leite de seringueira e de sementes oleaginosas como andiroba, murumuru, ucuuba e pracaxi. O Retiro Matapi, localizado na margem esquerda do Rio Matapi, foi vendido ao senhor Francisco Torquato de Araújo, seu conterrâneo de Mazagão e hoje pertence à família Rocha. Devidamente autorizada pelos intendentes de Macapá, mãe Luzia possuiu roças de tabaco e mandioca na área adjacente ao Poço do Mato, então importante manancial de água potável da qual se servia a população de Macapá.

O Largo dos Inocentes aparece bem descarecterizado nesta fotografia. Na época em que Mãe Luzia viveu, não havia a passarela de cimento delimitando o estacionamento para veiculos. O prédio do Pensonato São José também não existia quando ela morreu, em 1957. Das duas mangueiras plantadas no local, só observamos uma, que já não era original, mas transplantada do lado do Teatro das Bacabeiras. A outra mangueira tinha sido cortada. Na casa branca, à direita e ao lado do prédio de dois pavimentos,morou Miquilina Epifânia da Silva, a Tia Milica, filha de Mãe Luzia e bem parecida com ela.

                  Mãe Luzia, como ela era chamada Francisca Luzia da Silva, também se devotou aos desvalidos, ministrando-lhes remédios caseiros, benzendo crianças, curando espinhela caída, cobreiro, carne rasgada, erisipela e problemas da cabeça. Nasceu com o divino dom de “aparar” crianças e nenhuma delas pereceu em suas mãos. Foi contemporânea da Vó Guardiana, a quem auxiliava na condução dos partos. Quando Vó Guardiana morreu, Mãe Luzia ficou atendendo sua clientela. A primeira casa de Mãe Luzia era localizada na esquina da Rua dos Inocentes (depois Coronel José Serafim Gomes Coelho) com a Travessa Floriano Peixoto (depois Presidente Getúlio Vargas). Ela deixou o imóvel sob a responsabilidade do filho Cláudio Lino e foi se estabelecer no Largo dos Inocentes. A segunda casa tinha estrutura em taipa de mão, com vários quartos que ela alugava para caixeiros viajantes e romeiros. Era um casarão de telhado alto situado na esquina da Avenida Mendonça Furtado com a Travessa Francisco Caldeira Castelo Branco (depois Coronel José Serafim Gomes Coelho e atualmente Tiradentes), com frente para o Largo dos Inocentes, também denominado Formigueiro.
Observe a casa localizada ao fundo da passagem entre a velha sede do Senado da Câmara e a Igreja de São José. Ela demorava  a margem da Travessa Castelo Branco, de frente para o Largo dos Inocentes e pertinho da casa da Mãe Luzia. A foto é bem antiga, mostrando como era a Igreja. O espaço da Praça Veiga Cabral justificava muito bem a denominação de Largo da Matriz.

                   Mesmo quando o médico obstetra e cirurgião Cláudio Pastor Darcier Lobato veio para Macapá,em 1944, e passou a chefiar a Unidade Mista de Saúde (que ocupava a área onde foi construída a Biblioteca Pública), Mãe Luzia não foi relegada. Em várias oportunidades o ilustre médico recorreu aos conhecimentos práticos da Mãe Preta da Cidade de Macapá. O Mesmo fez o médico Moisés Salomão Levy, que era pediatra. Sem a posse de suas antigas propriedades rurais, Mãe Luzia precisou lavar e engomar roupas brancas de linho, coisa que ela fazia com perfeição. Sua clientela incluía o Governador Janary Nunes, o Promotor Público Hildemar Maia, o Juiz de Direito José de Ribamar Hall de Moura e muitos outros cidadãos ilustres de Macapá que, nas solenidades mais expressivas, usavam ternos brancos. Por ocasião da festa alusiva a São José, até os macapaenses mais humildes recorriam aos serviços de Mãe Luzia. Quase todo mundo usava roupa branca. Algumas pessoas fantasiosas insistem em dizer que Mãe Luzia foi escrava e por causa disto tinha marcas de chicotadas nas costas. Pura fantasia. Ela costumava lavar roupas sem usar a parte superior de sua vestimenta e quem a via assim jamais lhe faltou com respeito. O quintal de sua residência era paralelo a Rua Tiradentes e não tinha cerca. Quando se debruçada sobre a gamela, esfregando as roupas, seus seios flácidos se misturavam a elas. Eu conhecia muito bem a casa da Mãe Luzia. Volta e meia estava por lá na companhia do amigo Raimundo Nonato da Silva, o “Bigode”, seu neto. Aliás, Mãe Luzia teve um filho com o mesmo nome, cujo apelido era “Bucú”. O filho José Lino da Silva foi vitima fatal de um disparo acidental de revólver pertencente a um caixeiro viajante que, inadvertidamente, o pobre rapaz tirara do quarto do hóspede de sua genitora e à noite mostrava a alguns amigos no canto da Igreja de São José.Um jovem ligado a família pediu para ver a arma e julgando que ela estivesse sem munição apontou-a para o José e puxou o gatilho. Mãe Luzia sofreu muito com a morte do filho. A porta de entrada dava num longo corredor que se estendia até a porta do quintal. Os quartos e a cozinha ficavam do lado direito de quem entrava no imóvel. Pelo menos dois quartos da frente eram alugados a terceiros.  Quando íamos apanhar grumixama (também chamada ameixa, jamelão e azeitona de cabrito) ela gritava: “ Pêra aí, seus cornos, vocês já vão manchar de nódoa as minhas roupas do quaradouro?”. Faleceu dia 23 de setembro de 1957, com 88 anos de idade. Estava alquebrada e tinha os cabelos brancos como um nicho de algodão. Sua morte deixou os moradores de Macapá imersos em profunda tristeza. O enterro ocorreu no Cemitério Nossa Senhora da Conceição, a direita de quem ingressa naquele campo santo, rente ao passeio que leva ao Cruzeiro e a capela. O corpo de Mãe Luzia foi inumado na mesma sepultura onde se encontrava o José Lino. A morte de Mãe Luzia encerrou o ciclo das renomadas parteiras e mulheres de múltiplos conhecimentos com plantas medicinais. Ela e Guardiana Mendes da Silva, a Vó Guardiana despontam como verdadeiros anjos benfazejos da comunidade macapaense. Vó Guardiana ou Guardina teve vida longa, alcançando 102 anos de idade. No local da primeira casa de Mãe Luzia ainda mora uma das suas neta. O imóvel que ela ocupou até morrer foi desapropriado em 1970, para o alargamento da Rua Tiradentes. Na parte do terreno que não virou leito de rua foi erguido um prédio em alvenaria onde funcionou o Cartório Jucá.         
Prédio onde funcionou o Cartório Jucá. Da esquerda para a direita vemos os senhores Ben Hur Correa Alves, (escriturário), Francisco Torquato de Araújo (Escrevente Juramentado), Cícero Silva (comerciante e vizinho do Cartório) e Jacy Barata Jucá (Tabelião Substituto). Todos conheceram Mãe Luzia e eram seus amigos. O imóvel foi construido absorvendo uma parte do que restou da sua casa. Francisco Torquato,de camisa branca, era mazaganense e conterrâneo da Mãe Preta de Macapá.


terça-feira, 29 de novembro de 2011

REMANSO E ELESBÃO


                                                    
        Por Nilson  Montoril
A presente fotografia foi tirada em 1954, no transcurso de décimo ano da instalação do Território Federal do Amapá. O Remanso e o Elesbão já despontavam como pontos de preferência dos interioranos paraense que se mudaram para Macapá. Muitos moradores de outros bairros faziam algumas das suas compras na área evidenciada, onde visualizamos o Mercado Central inauguado no dia 13 de setembro de 1953.
                        Ao lado direito do platô de terra firme onde está edificada a imponente Fortaleza de São José de Macapá, havia uma reentrância denominada remanso. Tinha este nome porque naquela pequena enseada as águas do Rio Amazonas não corriam com tanta força. Existem dois conceitos bem definidos sobre remanso: a) contracorrente junto à margem de um rio; b) trecho de rio que não apresenta corrente apreciável. Na faixa litorânea que hoje integra os bairros, central e Santa Inês, instalaram-se alguns dos primeiros escravos trazidos pelos imigrantes açorianos que aqui chegaram a partir de 1751. Antes da vinda dos açorianos, por volta de 1738, um contingente de soldados chefiados por um capitão já ocupava espaço no platô, erguendo um forte de faxina. No final de ano de 1751, 86 casais de açorianos iniciaram a construção da igreja e dos tijupares que iriam abrigá-los. As instalações destes prédios eram bem simples e dominaram a área de abrangência da grande fortaleza. Enquanto os açorianos se devotavam a São José e faziam suas festas em louvor ao Espírito Santo, os negros mantinham suas tradições religiosas acobertadas pela veneração a Santo Elesbão. Este santo da Igreja católica teria sido descendente de Salomão e da Rainha de Sabá. Foi o 47º imperador da região da Etiópia, pais que dominava vasta região a oeste do Mar Vermelho. Santo Elesbão viveu no século VI dC e foi contemporâneo do Imperador romano Justiniano. Combateu e venceu os hameritas, anulando a rebelião que eles tinham desencadeado. Abdicou o trono da Etiópia a favor do filho e rumou para Jerusalém. Posteriormente se retirou para o deserto e aí viveu como monge anacoreta até falecer no dia 27 de outubro de 555. Por ser um santo negro, ganhou a devoção dos escravos africanos difundida principalmente pelas Irmandades de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Santo Elesbão e Santa Efigênia, rainha da Núbia, filha do rei Egyppo que foi batizada pelo apóstolo Mateus. Curioso é que os próprios imigrantes portugueses e açorianos eram chamados de Elesbão, certamente devido ao fato de não serem considerados de sangue puro. Consta que os imigrantes de pele clara ou parda, que não eram escravos, deveriam ser identificados com o nome da localidade de onde provinham. Os embarcados em Lisboa teriam seus nomes incluídos na relação titulada como Lisboa. Entretanto, o escrivão da alfândega equivocou-se e escreveu Elesbão em vez de Lisboa. Com o passar do tempo muitas pessoas incorporaram a palavra Elesbão ao nome de batismo.
Em 1957, o aspecto da cidade de Macapá era o que vemos na fotografia. Ao lado esquerdo da Fortaleza passava o Igarapé do Igapó. À direita , ao abrigo da correnteza estava o Remanso e em seguida o Elesbão.O Mercado Central demorava no centro da Praça Coronel Manuel Theodoro Mendes.
                        Sobre a praia do remanso, no terreno do entorno oeste da fortaleza e na área do Elesbão,os moradores de Macapá, que apreciavam residir na margem do rio, foram construindo suas habitações. No trecho identificado como Elesbão, atualmente cortado pala Avenida Hélio de Souza Pennafort, que começa na Avenida Henrique Antônio Galucio e termina da avenida 1º de Maio, vários pioneiros da edificação do povoado de Macapá formaram um aglomerado urbano. Este amontoado de casinhas e gente perdurou até meados da década de 1980, ocasião em que o Governador do Território Federal do Amapá, Annibal Barcellos, o extinguiu e transferiu os moradores para o bairro Nova Esperança. O aterro da área do remanso, do Elesbão e do igarapé do Igapó começou a ser feito em 1978, durante a gestão do Governador Arthur Azevedo Henning. A contar de 1979, os trabalhos foram intensificados pelo Comandante Annibal Barcellos, se estendendo pela orla de Macapá até as proximidades do igarapé Jandiá, dando origem à Praça Abdalla Houat, Praça Jacy Barata Jucá e expansão do Perpétuo Socorro. Para iniciar o aterro dos trechos citados o DNOS procedeu à drenagem da praia onde seriam construídas as rampas acostáveis do bairro Santa Inês, do Igarapé das Mulheres e próximo ao canal do rio Amazonas. Somente na conclusão do aterro utilizou-se laterrita. O Elesbão era uma referência para quem queria comprar peixe, carne de caça, frutas e açaí que os caboclos das ilhas fronteiriças a Macapá traziam para comerciar. Ali morou uma senhora sobejamente conhecida em Macapá como Maria Mucura. Com todo respeito à sua memória, o rosto da ditosa senhora era tal e qual a cara do marsupial devorador de aves. O pequeno declive existente perto de sua casa ficou famoso como baixa da Maria Mucura. É claro que ela não gostava do apelido e xingava os desrespeitosos até a milésima geração.Moradores do bairro do Trem de Lapidação e adjacências que gostavam de degustar uma cachacinha da marca Alvorada não deixavam de passar no boteco do seu Neco Brito e deliciar, de uma talagada só, o famoso produto advindo de Abaetetuba. Na volta para casa voltavam a encostar-se à birosca que não tinha nome para engolir a saideira. No entorno da Fortaleza, junto ao remanso, foi instalado um matadouro municipal. Sobre a praia funcionou um abatedouro de porcos pertencente ao senhor Pedro Pinheiro Borges. Também existiu um dançará na área, cujo nome parece ter sido “Bela Vista”. Quando a “porrada comia no centro”, dava gosto ver os brigões caírem na lama ou na água. Sujos e molhados iam depurar a maldita cana e sossegar o facho na Delegacia de Polícia. Ambiente mais calmo era o “Bananeira”, aprazível recanto onde uma família do local promovia festas e vendia refeições. Só funcionava nos fins de semana. Quem caísse na besteira de beber, comer e não pagar era sumariamente denunciado na Polícia e esconjurado pelo resto da vida e mais três meses.

O Remanso desapareceu entre os anos de 1979 e 1980, quando foi aterrado.A fotografia acima postada é de 1978, ocasião em que o Igarapé do Igapó tinha desaparecido da paisagem. Observe o traçado do arremedo de via pública que hoje está asfaltado e tem o nome de Avenida Rio Maracá. O Boteco do seu Neco funcionava na esquina desta avenida com a Rua São José, em frente a Casa Theco. Próximo ao Mercado Central já existiam os anexos, 3 de cada lado




sexta-feira, 4 de novembro de 2011

CUIDADO COM O NAVIO DOS CABELUDOS

                         

          Por  Nilson Montoril
Morando na beiro do rio, o caboclo não é tão indolente como algumas pessoas pensam. Nem sempre o rio e a floresta lhe favorecem na obtenção dos meios necessários a sua subsistência. Distante dos grandes centros e sem a assistência à saúde necessária, enfrenta sérios problemas. Em tempos idos a situação do caboclo era mais complicada. Atualmente, a maioria tem cartões de programas públicos, telefone celular, luz elétrica, transporte motorizado e político como padrinho e protetor.

                        Durante toda a minha infância, passada em Macapá, ouvi os macapaenses de mais idade dizerem aos meninos que temiam ir ao barbeiro: “cuidado com o navio dos cabeludos”. Os que migraram para cá após a implantação do Território Federal do Amapá, que não eram interioranos do marajó e regiões adjacentes nos diziam: “o barbeiro tem família”. Eu e os outros garotos escutávamos estas coisas e indagávamos o porquê deveríamos ter cuidado com o tal navio. Um dia perguntei ao meu saudoso pai, Francisco Torquato de Araújo, qual a função da embarcação que a molecada temia e que nunca aparecia. Ele me contou que não houve propriamente um navio com o propósito de pegar os meninos que não gostavam de cortar o cabelo e sim a execução de campanhas de atendimento médico e social ás pessoas carentes que residiam na Ilha do Marajó, Macapá, Mazagão e baixo-amazonas. A campanha fazia parte do governo itinerante instituído pelo Interventor Federal no Pará, Magalhães Barata, que visitava frequentemente as vilas e cidades interioranos levando médicos, enfermeiras, odontólogos, barbeiros, funcionários públicos dos serviços de expedição de carteiras de identidade, carteira de trabalho, certidões de nascimento, casamento, óbito e muitos medicamentos. 
Magalhães Barata, quando Interventor Federal do Estado do Pará (1930-1935). Tanto quanto Getúlio Vargas soube executar o populismo. Soube tirar partido das campanhas de saúde pública, executadas prioritariamente no interior do Pará

Este tipo de campanha de saúde pública foi organizado nos moldes das campanhas militares, haja vista que o povo tinha o costume de não prestigiá-las. Assim, todos eram obrigados, pela força, a se submeterem as práticas sanitaristas. Os portadores de doenças contagiosas eram afastados dos sadios e ficavam praticamente encarcerados, caso contrário fugiam. Esta maneira de agir da população interiorana não acontecia por acaso. Até 1923, a política de saúde pública não fazia parte da agenda do governo. No ano em referência surgiu o sistema previdenciário e foram criadas as Caixas de Aposentadoria e Pensões-CAPs. Porém, apenas os beneficiários das CAPs recebiam atendimento médico. Não havia política Nacional de Saúde. Até 1930, a assistência médica individual das classes dominantes era feita pelos profissionais legais da medicina, os chamados médicos de família. O restante da população era atendida por entidades filantrópicas através de hospitais mantidos pela Igreja Católica e recorria à medicina caseira. Nas duas primeiras décadas do Século XX, as ações de saúde pública foram vinculadas ao Ministério da Justiça, cabendo aos estados controlar as endemias, epidemias, fiscalização de alimentos, portos e fronteiras. Em 1930, a Saúde Pública foi anexada ao Ministério da Educação tornando-se encargo do Departamento Nacional de Saúde Pública, com foco principal nas atividades sanitárias. Criados neste ano, os sanatórios para tratamento da tuberculose e hanseníase. Em decorrência de um acordo firmado com os Estados Unidos da América, em 1942, o governo do Brasil criou o Serviço Especial de Saúde Pública-SESP, dando apoio aos trabalhadores envolvidos na produção da borracha que não eram  assistidos pelos serviços tradicionais.A campanha realizada pelo governo de Magalhães Barata foi rotulada em anos recentes como Operação Cívico-Social, ou simplesmente ACISO. Deu excelentes resultados, mas despertou a ira dos figurões da política adversária. Eles diziam que o Interventor Federal havia abandonado Belém. O jornal Folha do Norte desenvolveu intensa campanha antibaratista e acabou contagiando grande parte da população belenense. Enquanto isso acontecia, os interioranos recebiam atendimentos diversos. Até pequenas cirurgias foram feitas em pessoas que poderiam ter morrido por falta de assistência médica. Curativos, aplicações de vacinas e antibióticos, extrações de dentes, cortes de cabelo, combate a piolhos, a bichos do pé e outros serviços foram prestados. A ordem era pegar na marra os resistentes e submetê-los a ação médico-social. Os moleques eram os campeões do medo. Tiveram que ser agarrados por policiais para que os barbeiros, dentistas e enfermeiros fizessem seus trabalhos. No meio dos fartos cabelos que eles apresentavam viviam centenas de piolhos. 
O phthiraptera, piolho em grego, se alimenta de sangue, de residuo de epiderme e de secreções sebaceas. Há mais de 3 mil espécies de piolhos no mundo. Eles possuem 3 pares de pernas, são desprovidos de asas adoram cabelos limpos.Não fazem distinção entre crianças e dultos. O piolho é citado até na Biblia e se hospeda na cabeça, nas roupas e na região pubianas e perineal dos seres humanos(chatos).Também atacam aves,gatos,cães e bois,mas estas espécies não infectam os humanos. Cada fêmea bota de 4 a 10 ovos por dia que eclodem em 4 semanas. O combate ao piolho deve ser coletivo, principalmente nas escolas.Não se deve usar pentes, bonés,chapeus,capuchos,lençóis, redes e roupas de outras pessoas.

Por isso, o corte tinha que ser feito com máquina zero, deixando apenas uma singela "pastinha". O estrago que os piolhos faziam nos homens e mulheres deixava os médicos abismados. Feridas em profusão havia na cabeça e na nuca da maioria das pessoas. Na tentativa de eliminar os piolhos, as mulheres passavam óleo de andiroba e de pracaxi nos cabelos. Outras utilizavam vinagre morno. Após os cortes de cabelo das mulheres, os barbeiros jogavam “neocid” na cabeça das mais atacadas pelos piolhos e a enrolavam com pano branco. Algumas horas depois, quando o pano era retirado, uma quantidade "disconforme" piolhos mortos era vista. Ao passar o pente fino nos cabelos outra impressionante quantidade caia na toalha, alguns ainda vivos.Com tanto piolho na cabeça, o cristão sentia muita coceira, afinal de contas, o piolho se alimenta de sangue duas ou tres vezes por dia. Esfregando as unhas sobre o couro cabeludo e pescoço, a pessoa acabava ferindo-os  e provocando o surgimento de feridas, caminho aberto para fungos e bactérias. O rebaixamento dos cabelos  permitia que os enfermeiros limpassem estas feridas e aplicassem remédios sobre elas, quase sempre sulfa ou pomada secativa São Lucas. Não foram poucos os registros de óbito de interioranos em decorrência da  chamada “febre de trincheira”. Esta denominação surgiu durante a I e a II Guerras Mundiais devido à morte de soldados atacados por piolhos dentro das trincheiras. 

Na fase do Amapá como Território Federal a Operação Aciso foi realizada inumeras vezes. A Banda de Música da Polícia Militar era um bom recurso para atrair as crianças. A fotografia postada acima foi tirada na Vila do Igarapé do Lago do Rio Anauerapucu (1980). A Banda da PM também executava o Hino Nacional, dobrados,marchas e músicas da Jovem Guarda.





sexta-feira, 28 de outubro de 2011

DOENÇAS DE MAU CARÁTER


                                                                                          Por Nilson Montoril


Esta foto da cidade de Macapá foi tirada em 1978, ano em que foi feito o aterro das áreas alagadiças cortadas pelo Igarapé do Igapó à esquerda da Fortaleza de São José. O núcleo populacional do povoado foi assentado, em 1751, no espaço onde, entre 1764 e 1782, os portugueses ergueram a bela fortificação. No citado local residiram os primeiros casais de açorianos mandados para a antiga Província dos Tucujus. Cerca de 80 povoadores morreram em decorrência das febres de mau caráter
                   Os colonizadores portugueses rotulavam como doenças de mau caráter a malária, o sarampo, a varíola e as febres motivadoras de diarréias sanguinolentas. A malária manifestou-se desde o inicio da colonização do Brasil. Já em 1549, o Padre Manuel da Nóbrega se referia à malária como terçã (ou febre terçã, que se repetia a cada três dias) quartã, sezão, maleita, paludismo e carneirada. O primeiro surto de varíola ocorreu no período de 1561 a 1565, irrompendo principalmente na Bahia, se alastrando por São Paulo de Piratininga. O Padre Leonardo do Vale, que exercia suas atividades sacerdotais na Bahia, registrou que a varíola matava tanta gente que não havia quem se dispusesse a cavar covas fundas com medo de ser contaminado pela terrível doença. Alguns corpos eram enterrados sob monturos e ao redor das casas. Tão mal enterrados que os porcos os descobriam e comiam. Os indivíduos que os sepultavam eram contaminados e morriam a mingua No decênio de 1580, conforme registrou Gabriel Soares de Souza a malária marcou sua presença entre os indígenas. Desprovidos de recursos médicos utilizados pelos portugueses, os índios buscavam a cura alimentando-se de mingau de farinha de carimã e untando-se com água de jenipapo. Acredita-se que a malária chegou ao Brasil trazida pelos navios que transportavam escravos. Julgavam que sim porque Angola estava sujeita às mesmas carneiradas, com que morrem muita gente.

Mulher com o rosto coberto por pequenas bexigas cheias de pus. Antes das pustulas aparecerem a pessoa atingida pela varíola tem febre altissima e o virus fica incubado de 7 a 17 dias. No período agudo da doença as bexigas despontam o paciente tem febre baixa. A variola é uma das enfermidades mais devastadoras da história da humanidade(Foto do Portal Passeiweb-Sala de Aula)

                   Em 1662, uma epidemia de varíola teve inicio no Maranhão e se espalhou pelo litoral brasileiro até São Paulo. Só no porto de Santos ela vitimou um terço da população. Na Bahia, entre os anos 1680 e 1684, o surto de varíola foi considerado castigo do céu. A doença atingiu em cheio principalmente as famílias numerosas, com até 50 pessoas, que viviam em casas pequenas e dormiam amontoadas. Também pereceram escravos e agregados. No Pará, a varíola surgiu de maneira fulminante nos anos de 1720, 1724, 1740, 1743 a 1749. Foi tão agressiva que ceifou a vida de 40 mil pessoas. Conhecida como a peste das “bexigas”, a varíola marcou sua passagem pelo Maranhão, em 1724,, 1730, 1785-1787 e 1799. Em Pernambuco em 1705 a 1715 e 1793. Na Bahia em 1732 a 1733. Em São Paulo em 1723 a 1730, 1741 a 1744, 1761 e 1798. Em Goiás em 1771.
As crianças são as maiores vítimas da variola. Antes do aparecimento das pústulas a pessoa atingida pela variola tem febre alta e inflamação na garganta e fossas nazais. O risco da inflamação atingir a vista é consideravel, por isso as pústulas não devem ser rompidas com os dedos, haja vista que a criança pode esfregar os olhos em seguida.(Foto do Portal São Francisco)
                   A sujeira era um terrível hábito dos moradores das vilas e cidades. Toda a imundície gerada nas casas era direcionada para as ruas, travessas e vielas. Até 1617, as ruas das cidades não eram calçadas e a água da chuva arrastava para o leito das vias públicas detritos diversos e dejetos humanos ladeira à baixo. Imagine que uma importante ladeira de Salvador era rotulada como “Ladeira da Preguiça”, visto que o transeunte cauteloso tinha que andar muito devagar para vencê-la, notadamente subindo-a. Em 1817, no Rio de Janeiro, a pavimentação das ruas era ruim e a iluminação fraca. Animais e escravos viviam vagando pelas ruas e nelas faziam as suas necessidades fisiológicas. Em 1768, o marques do Lavradio, governador e capitão-general da Bahia, em carta direcionada ao rei de Portugal, afirmou o adiantamento do Brasil ocorria muito devagar. Em 1798, Luis dos Santos Vilhena, professor de grego em Salvador, disse que o Brasil “era a morada da pobreza, o berço da preguiça e o teatro dos vícios”. Indagava em seguida: “Por que um país tão fecundo das produções da natureza, tão rico em essências, tão vasto em extensão, há de ser habitado por um tão diminuto número de colonos, a maior parte pobre, muitos deles esfaimados”.
Cemitério ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Minas Gerais.

A resposta pode estar no fato de as elites portuguesas, formada pelos intelectuais, ficarem tomadas de verdadeiro pavor quando se falava em mudar a situação do Brasil colônia. Isto porque a mudança poderia tirar o povo desvalido da dominação dos poderosos. O Estado português via o Brasil como uma fonte perene de renda. O povo que o habitava ficava a mercê do sentimento do rei. Todos dependiam da sua bondade. No Estado do Grão Pará, por volta de 1752, o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado rogava ao Marques de Pombal, seu irmão e primeiro ministro do rei, que o tirasse do Brasil assim que completasse três anos de gestão. Mendonça Furtado dizia que se achava cercado de “miseráveis ignorantes”. Ele permaneceu como governador do Pará até 1759, deixando o cargo para ser o titular dos Negócios Ultramarinos de Portugal. Enfrentou muitos problemas,mas soube lidar com os mais incisivos.
Cemitério construido ao lado da Igreja de São João, na cidade de Nuremberg. As pessoas nele sepultadas certamente pertenciam a alguma confraria religiosa e integravam famílias com boas posses. Observa-se que tudo é bem urbanizado.

                  O citado governador chegou a Belém em setembro de 1751 e encontrou a população enfrentando uma epidemia de varíola, cujo inicio se deu em 1750, e continuou implacável até 1758. Em março de 1752, ao visitar o povoado de Macapá, que mandara instalar em novembro de 1751, Mendonça Furtado soube que oitenta moradores tinham morrido vitimados por febres e diarréia sanguinolenta. Os açorianos eram maioria entre os mortos. Índios e negros cativos também pereceram. À época, só os mortos ilustres eram enterrados nas igrejas, deixando o interior dos templos dominado pela podridão dos cadáveres.




sábado, 8 de outubro de 2011

O PRIMEIRO CIRIO DE NAZARÉ EM MACAPÁ

           

        Por Nilson Montoril
Imagem de Nossa Senhora de Nazaré existente na Basílica que o povo do Pará ergueu no lugar da primitica ermida, em Belém. É cópia fiel da imagem encontrada pelo caboclo Plácido José de Souza no igarapé Murutucu, trecho da Estrada do Maranhão.  

                        Os católicos de Macapá e Mazagão tradicionalmente iam passar o círio de Nossa Senhora de Nazaré em Belém. Como a maioria dos devotos era constituída de pessoas carentes de recursos financeiros, os proprietários de embarcações que não perdiam a grande festa transportavam os que lhe eram mais próximos. Isto acontecia desde o ano de 1793, quando o governador do Pará, Francisco de Souza Coutinho realizou o primeiro círio. Os preparativos começaram a partir do dia 14 de setembro de 1790, depois que o Papa Pio VI concedeu a autorização requerida pelo gestor paraense. Sua Santidade fez a exigência de que a festa deveria ser realizada de acordo com a tradição portuguesa. A comissão constituída para organizar a festa foi orientada a incluir na programação uma feira geral onde os produtores do interior exporiam deus produtos no largo da ermida de Nossa Senhora de Nazaré. O primeiro Círio de Belém aconteceu no dia 8 de setembro de 1793, à tarde, seguindo o roteiro que ainda hoje é respeitado. Anualmente, os produtores de Macapá e Mazagão iam a Belém levando grandes balaios de castanha, cacau e frutas diversas. Os gestores municipais eram obrigados a promover a ida destes agricultores, mas acabavam arcando com as despesas da viagem dos que se viam motivados pela fé. 
Pintura que retrata o exato momento em que Dom Fuás Roupinho, irmão natural do Rei de Portugal, Dom Afonso Henrique viu seu cavalo estancar sobre as patas trazeiras depois que ele clamou por Nossa Senhora de Nazaré. Dom Fuás Roupinho perseguia um veado e, fatalmente, sem a ajuda divina, cairia no precipício que estava a sua frente.


Com a queda do preço da borracha, na primeira década de 1900, os Intendentes Municipais sentiram a pressão do povo católico que exigia deles o fornecimento de passagens fluviais. No inicio do ano de 1934, cansado de ser pressionado para mandar devotos a Belém, o Intendente de Macapá, major Eliezer Levy, que era membro da comunidade judaica do Pará, prepôs ao Padre Phelipe Blanck, vigário da Paróquia de São José, a realização do Círio de Nossa Senhora de Nazaré em nossa cidade. Sua proposta foi discutida pelas associações religiosas então existentes e aprovada. As providências iniciais começaram a ser tomadas em seguidas reuniões realizadas na sala de audiência da Intendência Municipal, redundando na eleição da diretoria da festa que ficou assim constituída: Juizes de Honra – Interventor Federal no Pará, Joaquim de Magalhães Cardoso Barata; Deputados Abel Chermont, Clementino de Almeida Lisboa e Acylino de Leão Rodrigues; Intendente Municipal de Macapá, Eliezer Moisés Levy. O Dr. Acylino, natural de Macapá, era médico, literato, professor e político. Fizeram parte da Diretoria: Phelipe Blanck (vigário de Macapá), Dr. João Gualberto Alves de Campos (Juiz de Direito da Comarca de Macapá), Tenente-Coronel Jovino Albuquerque Dinoá (coletor federal e fundador do jornal Correio de Macapá), Clodóvio Gomes Coelho (comerciante e político), José Maria de Sant’Ana ( segundo faroleiro de Macapá), Vicente Ventura (comerciante) e Secundino Braga Campos( comerciante, pecuarista e político). A única imagem de Nossa Senhora de Nazaré existente em Macapá pertencia à família Serra e Silva que a cedeu à Paróquia de São José. A berlinda foi montada sobre um velho automóvel, devidamente adaptado para os fins religiosos. A programação fixou os dias 3 e 4 de novembro de 1934, para a transladação e o círio respectivamente. Às 20h30, de 3 de novembro, um sábado, os fieis se concentraram em frente a casa  da família Serra e Silva, situada à Travessa Coronel José Serafim Gomes Coelho(resta apenas o trecho conhecido como Passagem Barão do Rio Branco), no Largo dos Inocentes, área atrás da Igreja de São José, de onde saiu a trasladação. O povo, conduzindo archotes e círios, seguiu pela Passagem Espírito Santo (entre a igreja e a Farmácia, hoje Biblioteca Pública), Avenida Siqueira Campos (Mário Cruz), dobrou à direita na Rua Visconde de Souza Franco (Rua Amazonas), virando à esquerda para alcançar a Rua 24 de Outubro (chamada pelo povo de Rua da Praia) até a casa do Oficial do Registro Civil Cesário dos Reis Cavalcante onde a imagem pernoitou.
Trecho da Travessa  Siqueira Campos, atual Avenida Mário Cruz, por onde passou a primeira romaria do cirio realizado em Macapá em 1934.

                        No domingo, dia 4 de novembro, o foguetório iniciado às 6 horas saldava o novo dia e convocava os devotos para a grande festa. Ás 8 h, teve inicio a romaria. Á frente do cortejo ia um piquete formado por 60 cavaleiros armados de lanças que, com clarins e fanfarras anunciavam ao povo a passagem da procissão. A seguir, vinha o anjo Custódio, imagem colocada sobre o dorso de um boi manso chamado Beleza, seguido de uma corte de anjinhos ricamente trajados. Depois, o carro dos milagres, onde se via uma reprodução da imagem da Virgem de Nazaré que salvou a vida de Dom Fuás Roupinho. Marujos carregavam barquinhas votivas, em ondas e maresias, dando um cunho pitoresco à procissão. Por fim, a Berlinda puxada à corda por devotos, acompanhada por autoridades e do povo até alcançar a Igreja de São José.
Igreja de São José reformada em 1949, pelos padres italianos. A Passagem do Espirito Santo é a que se situava ao lado direito do tempo, sendo mais larga doque a Passagem de Santo Antônio, à esquerda.

Durante o transcurso da romaria uma banda de música tocava hinos em louvor a Nossa Senhora. No fim do cortejo houve missa e depois o leilão dos doados à Mãe de Jesus, repetido na segunda-feira, dia 5 de novembro, pela manhã. A festa durou apenas oito dias, com reza diária do terço, ladainha e cânticos. No arraial havia brincadeiras diversas, venda de produtos da região e de comidas típicas. Na época Macapá não possuía luz elétrica e os candeeiros, lampiões, archotes e velas foram usados para clarear o Largo da Matriz. Ainda no dia 5 teve inicio a festa de São José, que deixou de acontecer em março devida as fortes chuvas. No domingo, 11 de novembro, o Padre Phelipe Blanck celebrou a Santa Missa e um Te Deum. À tarde, houve uma procissão feita em redor da Praça Capitão Augusto Assis de Vasconcelos (Veiga Cabral). Na segunda-feira, dia 12, deu-se o recirio em um curto percurso entre a Igreja de São José e a casa da família Serra e Silva dona da imagem da santa. Nos anos de 1935 e 1636, a imagem de Nossa Senhora ainda pertencia a particulares. Apenas em 1937, a comunidade católica de Macapá doou uma imagem à Paróquia de São José.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

VIGIA,VIGILENGA,GURIJUBA, TURU E PACAMÃO


            
        Por  Nilson Montoril

Gurijuba que justifica o nome: guri=bagre e juba=amarelo. O exemplar que o cidadão apresenta é costumeiramente pescado na costa do Estado do Amapá. A cidade de Calçoene desponta como um importante entreposto pesqueiro, mas a produção é destinada a mercados de outros estados brasileiro. Ainda é bem reduzida a quantidade de peixe do mar vendida em Macapá.

              O território da cidade de Vigia de Nazaré era ocupado pelos índios tupinambás quando Francisco Caldeira Castelo Branco chegou ao Pará, em 1616. Os franceses já haviam passado por lá e até mantinham cordiais relações com os gentios. Em face de sua posição estratégica, os colonizadores portugueses estabeleceram ali um posto fiscal para vigiar as terras conquistadas. Com o passar do tempo os jesuítas fixaram residência na povoação e desenvolveram um trabalho vital para fazê-la progredir. Os vigienses, valendo-se do acesso fácil ao oceano Atlântico tornaram-se experientes pescadores. Além da pesca, dedicaram-se a produção da farinha de mandioca, ao beneficiamento do arroz, a fabricação de tijolos, calçados e de foguetes, ao comércio e ao beneficiamento de madeira. Foi na Vigia que teve inicio o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, que no último dia 13 de setembro do corrente ano alcançou a marca de 312 romarias. A pesca continua a ser a atividade econômica mais importante do município. Em tempos mais recuados os pescadores utilizavam um tipo de embarcação quase redonda, que tem apenas um mastro, com espaçoso porão coberto por um toldo que serve para transportar mercadorias e principalmente peixes. A tripulação de uma vigilenga é no máximo de quatro embarcadiços denominados vigilengos. A atividade exige muita coragem, notadamente quando a pesca é realizada no oceano. À proporção que as gurijubas iam sendo pescadas, os vigilengos as evisceravam e salgavam. O tempo de permanência no mar era de três ou quatro meses. Passavam por maior perigo os pescadores que vinham realizar a árdua tarefa na costa do Amapá, entre as cidades de Amapá, Calçoene e Oiapoque. 
O pescador exibe orgulhoso a bela Gurijuba que ele conseguiu pescar com anzol e linha.

Atualmente as vigilengas quase não são vistas operando em alto mar, embora algumas delas o façam na Vigia. Predominam os barcos impulsionados por potentes motores e maiores que as vigilengas. Os porões são revestidos com material apropriado para o armazenamento do gelo que conservará em bom estado os peixes capturados. Consequentemente, o período de atividade no mar é menor do que ocorria com as vigilengas. Poucas são as vigilengas que ainda são impulsionadas pela vela e pela bujarrona. Atualmente um bom número delas adaptou motore de centro. A preferência da maioria dos pescadores da Vigia pela gurijuba está no fato de que sua bexiga natatória tem boa cotação no mercado internacional e serve para o preparo de remédios e outros produtos. A bexiga é identificada como grude, palavra oriunda do latim glute, que é uma espécie de cola. Não existe apenas uma espécie de gurijuba. A espécie pescada na costa do Amapá e no litoral paraense é comumente denominada bagre-do-mar, tem carne comestível e se presta para o preparo de ótimas iguarias. Aliás, guri é um vocábulo tupi utilizado para identificar o bagre novo. O sufixo yub ou juba que dizer amarelo. Logo, gurijuba é o nome do bagre amarelo que tanto fascina os vigienses. O bagre novo também pode ser chamado guribu. Se ele for grande aplicam-se os vocábulos guriaçu, guriguaçu ou guariguaçu. O bagre do mar ou bagre amarelo também pode ser denominado gruijuba ou guarijuba.

              Pode não ser correto, mas o povo costuma dizer que a verdadeira gurijuba é o peixe teleósteo, siluriforme, da família dos taquissurídeos de cor azul-pateado e abdome amarelo que mede de 25 a 30 cm de comprimento. Ora, se o vocábulo gurijuba significa bagre amarelo e existe a espécie toda amarela, há de se convir que este peixe seja a verdadeira gurijuba. Pelo menos é o bagre totalmente amarelo que se pesca na costa do Amapá. Há outras duas variedades de gurijuba que recebem o nome de bagre bandeira. Elas têm coloração azulada-metálica, com laivos esverdeados, flancos prateados, abdome branco-amarelado, medem até 50 cm de comprimento e pesam até quatro quilos. Possuem nadadeiras e barbilhões que ultrapassam o tamanho da cauda. Existem ainda outras variedades de peixes identificadas como gurijuba, pescada no rio Guajará-Mirim, que banha a cidade da Vigia, nos demais rios da região fisiográfica do salgado e na costa do Pará: o cangatá e o bagre-sapo. O cangatá tem coloração cinza-prateada uniforme, e também é conhecido popularmente como “cabeça-dura-focinho de rato”, “cabeça-dura-prego”, cangangoá, canganguá, cangoá e roncador. Por sinal que roncar muito é uma coisa que a gurijuba faz ao ser capturada. A cabeça da gurijuba, seja ela de qualquer espécie, tem fama de afrodisíaca. O bagre-sapo tem uma aparência que causa repulsa em algumas pessoas devido ao fato do mesmo ter cabeça chata, larga e abdome desenvolvido. Visto em seu habitat natural parece com um sapo cururu. É um peixe de pele do gênero Zungaro Bleek, distribuído em todo o Brasil. Sua coloração vai do pardo-escuro ao negro com manchas escuras dispersas pelo corpo. No Nordeste, principalmente no rio São Francisco o peixe-sapo recebe a designação de pacamô. Na Amazônia, o bagre-sapo recebe diversos nomes: pacamão, brecambucu, brecumbucu, manguriú, manguruiu, piacurura e piracururu. Esta última designação, decorrente do tupi que dizer peixe-sapo. O pacamão vive no fundo, come toda espécie de substância e pode chegar aos 32 cm de comprimento.
Este peixe que a fotografia mostra é o famoso pacamon ou pacamão, mais conhecido como peixe sapo devido a sua estranha aparência. Sua carne é muito apreciada, principalmente quando gera uma suculenta caldeirada.

              O cidadão comum da Vigia e das demais localidades da zona do salgado, no Estado do Pará, jura por todos os santos que o melhor remédio contra o desânimo é um suculento caldo feito com a cabeça da gurijuba. A iguaria é indicada principalmente como estimulante sexual. Entretanto, não é qualquer sujeito que pode tomá-la devido o efeito “reverterio”, isto é, o aquecimento pode ocorrer na tomada em vez de se manifestar no cabo de alta tensão. O risco torna-se ainda mais evidente se o caldo tiver sido feito com a cabeça da gurijuba, a carne do pacamão e o turú. Dizem que o turú é o grande vilão da iguaria por tratar-se de um molusco ou verme branco que gosta de viver enfiado em buracos de madeira apodrecida. Para desalojar o turedo, o caboclo usa um pedaço de arame vergado na ponta e enfia-o nos túneos que o molusco cava dos troncos de árvores tombados no mangue. 
A presente fotografia mostra o momento em que o caboclo retira o turu do amago de madeira podre que ele acabou de rachar com o machado. É comum o caboclo comer o turu do jeito que é capturado, sem lavar,sem sal e sem limão.

Em pouco tempo o apanhador de turú terá uma cuia, lata ou paneiro cheio de vermes compridos e brancos. O caboclo que gosta de se exibir engole o turú sem lavá-lo ou pelo menos passar limão e sal. O turú é rico em cálcio e ferro. Quem tem aversão à minhoca e lombriga, mas deseja sentir o sabor adocicado do turú, não pode vê-lo no seu estágio natural. O aspecto chega a ser repugnante, principalmente porque o turú expele uma substância leitosa e gosmenta que usa para lubrificar os buracos abre na madeira podre. Alguns restaurantes já estão servindo caldo e sopa de turú além de turú à milanesa. Dizem que a grande lombriga branca do mangue é o viagra dos pobres.   


Alguns turus expostos sobre uma tábua de cozinha. Está no ponto de ser cortado em pequenas rodelas, temperado e levado ao fogo em panela com bastante água e diversos ingredientes exóticos. Ao cozinhar o turu libera um leite adocidado que faz a iguaria ganhar uma tonalidade branca. é tido como o viagra da turma que não comparece assiduamente.


quarta-feira, 28 de setembro de 2011

UMA FILHA DE CABRALZINHO VISITA O AMAPÁ


            Por  Nilson Montoril

Sra. Altamira Cândida da Veiga Cabral Cacela, terceira filha do Héroi do Amapá Francisco Xavier da Veiga Cabral, tirada em 1984, na cidade de Belém, pelo Jornalista Aluisio Brasil que a doou para meu acervo histórico.

                        No inicio do mês de julho de 1950, o Governador Janary Gentil Nunes formulou convite a Sra. Altamira Cândida da Veiga Cabral Cacela para que ela viesse conhecer Macapá, capital do Território Federal do Amapá e a cidade de Amapá, onde seu pai, Francisco Cabral da Veiga Cabral, o Cabralzinho, liderou a reação dos brasileiros contra a pretensão dos franceses em  se apoderar da região situada entre a margem esquerda do rio Araguary e a margem direita do rio Oiapoque. Altamira Veiga Cabral era a terceira filha do casal Francisco Xavier da Veiga Cabral e Altamira Waldomira Vinagre da Veiga Cabral. Seu avô Pedro Augusto de Oliveira Vinagre descendia do tenente da Guarda Nacional Francisco Pedro Vinagre, o 2º Presidente Cabano do Pará. Altamira Cândida já estava viúva do jurista e homem público do Pará, depurado estadual na década de 1920 e ex-prefeito de Belém na década de 1930, Dr. Alcindo Comba do Amaral Cacela, quando veio ao Amapá. Dentre as três filhas de Cabralzinho foi a que conviveu por mais tempo com o herói do Amapá. Sabia detalhes históricos da refrega entre brasileiros e franceses que o próprio pai lhe contou.  Muitos destes detalhes foram repassados aos estudantes de Belém que a procuravam frequentemente à cata de subsidiuos para a realização de trabalhos escolares. Ela acatou o convite do governo amapaense porque desejava conhecer a antiga vila do Espírito Santo do Rio Amapá Pequeno, local onde seu pai, a 15.05.1895, se notabilizou impedindo que os franceses  fossem bem sucedidos na operação bélica concebida pelas autoridades da Guiana Francesa. A ilustre visitante chegou a Macapá no dia 19 de julho de 1950, viajando em avião do Correio Aéreo Nacional-CAN, sendo festivamente recepcionada pelas autoridades, estudantes e populares.

                        Às 17 horas do mesmo dia, a senhora Alcindo Cacela, participou de uma solenidade realizada no Cine-Teatro Territorial, oportunidade em que entregou ao governador Janary Nunes a farda de General Honorário do Exército Brasileiro que Cabralzinho usava nas solenidades cívicas, espada, cinto e insígnias. Também passou às mãos do governador Janary Nunes uma bandeira brasileira e uma francesa, ambas rasgadas, bandeira do Estado do Pará e do Triunvirato do Território Amapaense. Compareceu à solenidade o senhor Bernardo Batista da Silva, então com 63 anos de idade, mas que, segundo Otávio Meira, autor de “Fronteira Sangrentas”, tinha 8 anos em 1895. Ele residia na vila de Amapá na época do combate entre brasileiros e franceses e recebeu grave ferimento no punho esquerdo, provocado por um tiro desferido pelos invasores. Bernardo Batista da Silva morava em Macapá, mantendo-se na capital do Território Federal do Amapá até o dia 7 de dezembro de 1979, quando faleceu com 99 anos. Até o dia 21 de julho de 1950, a senhora Altamira da Veiga Cabral ficou em Macapá como hóspede do governo territorial, alojada no Macapá Hotel. Dia 21, pela manhã, a ilustre visitante embarcou no avião do Correio ereo Nacional, cedido pela Força Aérea Brasileira e seguiu para o Município de Amapá, desembarcando na pista da Base Aérea. Na cidade de Amapá ela foi saudada pelo Dr. José da Silva Castanheira, Juiz de Direito da Comarca local e pelo Prefeito Vitorino Luna. Algumas pessoas remanescentes do "Exército Defensor do Amapá", que participaram do ato de reação contra os franceses mantiveram demorada conversa com dona Altamira. No dia 22 de julho, a bordo do avião do CAN, Dona Altamira Cabral Cacela foi conhecer a pequena cidade de Oiapoque, na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa. No aeroporto da Força Aérea Brasileira ela recebeu homenagens das autoridades e do povo.



Na sede do antigo povoado de Espirito Santo do Rio Oiapoque Antamira Cabral conheceu outro cidadão que lutou ao lado de seu pai: Guilherme da Luz, cidadão colored que então contava 79 anos de vida. Ele estimava ter nascido na Região do Contestado por volta do ano de 1877. Residiu na cidade Oiapoque até falecer com 97 anos. de idade. Quando o avião retornou de Caiene e pousou em Oiapoque, Dona Altamira Cândida da Veiga Cabral Cacela nele embarcou e voltou para Belém.
Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho. Pintura a bico de lápis feita por Aluisio Carvão, um dos irmãos da Sra. Iracema Carvão Nunes, primeira esposa do Governaor Janary Gentil Nunes.Copiada do livro "Informações Sobre a História do Amapá, de autoria do Prof. Estácio Vidal Picanço.

                        Os objetos que a senhora Altamira entregou ao governo do Amapá foram repassados ao Museu Territorial instalado no interior da Fortaleza de São José. A bandeira do Triunvirato correspondia a um retângulo dividido em três faixas horizontais de igual dimensão, nas cores vermelho branco e vermelho. A bandeira francesa é butim de guerra e foi tomada do soldado Etyenne depois que Cabralzinho o feriu com um tiro no rosto.
                               O uniforme de General Honorário foi vestido em um manequim cujo rosto tinha as feições de Cabralzinho. Nele estavam colocadas as insígnias do herói. A espada de Cabralzinho também estava colocada no manequim. A farda que Cabralzinho usava nas solenidades cívicas lhe foi concedida pelo Exército Brasileiro no Rio de Janeiro, dia 11 de junho de 1896.