Por Nilson Montoril
Os católicos de Macapá e Mazagão tradicionalmente iam passar o círio de Nossa Senhora de Nazaré em Belém. Como a maioria dos devotos era constituída de pessoas carentes de recursos financeiros, os proprietários de embarcações que não perdiam a grande festa transportavam os que lhe eram mais próximos. Isto acontecia desde o ano de 1793, quando o governador do Pará, Francisco de Souza Coutinho realizou o primeiro círio. Os preparativos começaram a partir do dia 14 de setembro de 1790, depois que o Papa Pio VI concedeu a autorização requerida pelo gestor paraense. Sua Santidade fez a exigência de que a festa deveria ser realizada de acordo com a tradição portuguesa. A comissão constituída para organizar a festa foi orientada a incluir na programação uma feira geral onde os produtores do interior exporiam deus produtos no largo da ermida de Nossa Senhora de Nazaré. O primeiro Círio de Belém aconteceu no dia 8 de setembro de 1793, à tarde, seguindo o roteiro que ainda hoje é respeitado. Anualmente, os produtores de Macapá e Mazagão iam a Belém levando grandes balaios de castanha, cacau e frutas diversas. Os gestores municipais eram obrigados a promover a ida destes agricultores, mas acabavam arcando com as despesas da viagem dos que se viam motivados pela fé.
Com a queda do preço da borracha, na primeira década de 1900, os Intendentes Municipais sentiram a pressão do povo católico que exigia deles o fornecimento de passagens fluviais. No inicio do ano de 1934, cansado de ser pressionado para mandar devotos a Belém, o Intendente de Macapá, major Eliezer Levy, que era membro da comunidade judaica do Pará, prepôs ao Padre Phelipe Blanck, vigário da Paróquia de São José, a realização do Círio de Nossa Senhora de Nazaré em nossa cidade. Sua proposta foi discutida pelas associações religiosas então existentes e aprovada. As providências iniciais começaram a ser tomadas em seguidas reuniões realizadas na sala de audiência da Intendência Municipal, redundando na eleição da diretoria da festa que ficou assim constituída: Juizes de Honra – Interventor Federal no Pará, Joaquim de Magalhães Cardoso Barata; Deputados Abel Chermont, Clementino de Almeida Lisboa e Acylino de Leão Rodrigues; Intendente Municipal de Macapá, Eliezer Moisés Levy. O Dr. Acylino, natural de Macapá, era médico, literato, professor e político. Fizeram parte da Diretoria: Phelipe Blanck (vigário de Macapá), Dr. João Gualberto Alves de Campos (Juiz de Direito da Comarca de Macapá), Tenente-Coronel Jovino Albuquerque Dinoá (coletor federal e fundador do jornal Correio de Macapá), Clodóvio Gomes Coelho (comerciante e político), José Maria de Sant’Ana ( segundo faroleiro de Macapá), Vicente Ventura (comerciante) e Secundino Braga Campos( comerciante, pecuarista e político). A única imagem de Nossa Senhora de Nazaré existente em Macapá pertencia à família Serra e Silva que a cedeu à Paróquia de São José. A berlinda foi montada sobre um velho automóvel, devidamente adaptado para os fins religiosos. A programação fixou os dias 3 e 4 de novembro de 1934, para a transladação e o círio respectivamente. Às 20h30, de 3 de novembro, um sábado, os fieis se concentraram em frente a casa da família Serra e Silva, situada à Travessa Coronel José Serafim Gomes Coelho(resta apenas o trecho conhecido como Passagem Barão do Rio Branco), no Largo dos Inocentes, área atrás da Igreja de São José, de onde saiu a trasladação. O povo, conduzindo archotes e círios, seguiu pela Passagem Espírito Santo (entre a igreja e a Farmácia, hoje Biblioteca Pública), Avenida Siqueira Campos (Mário Cruz), dobrou à direita na Rua Visconde de Souza Franco (Rua Amazonas), virando à esquerda para alcançar a Rua 24 de Outubro (chamada pelo povo de Rua da Praia) até a casa do Oficial do Registro Civil Cesário dos Reis Cavalcante onde a imagem pernoitou.
Trecho da Travessa Siqueira Campos, atual Avenida Mário Cruz, por onde passou a primeira romaria do cirio realizado em Macapá em 1934. |
No domingo, dia 4 de novembro, o foguetório iniciado às 6 horas saldava o novo dia e convocava os devotos para a grande festa. Ás 8 h, teve inicio a romaria. Á frente do cortejo ia um piquete formado por 60 cavaleiros armados de lanças que, com clarins e fanfarras anunciavam ao povo a passagem da procissão. A seguir, vinha o anjo Custódio, imagem colocada sobre o dorso de um boi manso chamado Beleza, seguido de uma corte de anjinhos ricamente trajados. Depois, o carro dos milagres, onde se via uma reprodução da imagem da Virgem de Nazaré que salvou a vida de Dom Fuás Roupinho. Marujos carregavam barquinhas votivas, em ondas e maresias, dando um cunho pitoresco à procissão. Por fim, a Berlinda puxada à corda por devotos, acompanhada por autoridades e do povo até alcançar a Igreja de São José.
Igreja de São José reformada em 1949, pelos padres italianos. A Passagem do Espirito Santo é a que se situava ao lado direito do tempo, sendo mais larga doque a Passagem de Santo Antônio, à esquerda. |
Durante o transcurso da romaria uma banda de música tocava hinos em louvor a Nossa Senhora. No fim do cortejo houve missa e depois o leilão dos doados à Mãe de Jesus, repetido na segunda-feira, dia 5 de novembro, pela manhã. A festa durou apenas oito dias, com reza diária do terço, ladainha e cânticos. No arraial havia brincadeiras diversas, venda de produtos da região e de comidas típicas. Na época Macapá não possuía luz elétrica e os candeeiros, lampiões, archotes e velas foram usados para clarear o Largo da Matriz. Ainda no dia 5 teve inicio a festa de São José, que deixou de acontecer em março devida as fortes chuvas. No domingo, 11 de novembro, o Padre Phelipe Blanck celebrou a Santa Missa e um Te Deum. À tarde, houve uma procissão feita em redor da Praça Capitão Augusto Assis de Vasconcelos (Veiga Cabral). Na segunda-feira, dia 12, deu-se o recirio em um curto percurso entre a Igreja de São José e a casa da família Serra e Silva dona da imagem da santa. Nos anos de 1935 e 1636, a imagem de Nossa Senhora ainda pertencia a particulares. Apenas em 1937, a comunidade católica de Macapá doou uma imagem à Paróquia de São José.
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