sábado, 8 de outubro de 2011

O PRIMEIRO CIRIO DE NAZARÉ EM MACAPÁ

           

        Por Nilson Montoril
Imagem de Nossa Senhora de Nazaré existente na Basílica que o povo do Pará ergueu no lugar da primitica ermida, em Belém. É cópia fiel da imagem encontrada pelo caboclo Plácido José de Souza no igarapé Murutucu, trecho da Estrada do Maranhão.  

                        Os católicos de Macapá e Mazagão tradicionalmente iam passar o círio de Nossa Senhora de Nazaré em Belém. Como a maioria dos devotos era constituída de pessoas carentes de recursos financeiros, os proprietários de embarcações que não perdiam a grande festa transportavam os que lhe eram mais próximos. Isto acontecia desde o ano de 1793, quando o governador do Pará, Francisco de Souza Coutinho realizou o primeiro círio. Os preparativos começaram a partir do dia 14 de setembro de 1790, depois que o Papa Pio VI concedeu a autorização requerida pelo gestor paraense. Sua Santidade fez a exigência de que a festa deveria ser realizada de acordo com a tradição portuguesa. A comissão constituída para organizar a festa foi orientada a incluir na programação uma feira geral onde os produtores do interior exporiam deus produtos no largo da ermida de Nossa Senhora de Nazaré. O primeiro Círio de Belém aconteceu no dia 8 de setembro de 1793, à tarde, seguindo o roteiro que ainda hoje é respeitado. Anualmente, os produtores de Macapá e Mazagão iam a Belém levando grandes balaios de castanha, cacau e frutas diversas. Os gestores municipais eram obrigados a promover a ida destes agricultores, mas acabavam arcando com as despesas da viagem dos que se viam motivados pela fé. 
Pintura que retrata o exato momento em que Dom Fuás Roupinho, irmão natural do Rei de Portugal, Dom Afonso Henrique viu seu cavalo estancar sobre as patas trazeiras depois que ele clamou por Nossa Senhora de Nazaré. Dom Fuás Roupinho perseguia um veado e, fatalmente, sem a ajuda divina, cairia no precipício que estava a sua frente.


Com a queda do preço da borracha, na primeira década de 1900, os Intendentes Municipais sentiram a pressão do povo católico que exigia deles o fornecimento de passagens fluviais. No inicio do ano de 1934, cansado de ser pressionado para mandar devotos a Belém, o Intendente de Macapá, major Eliezer Levy, que era membro da comunidade judaica do Pará, prepôs ao Padre Phelipe Blanck, vigário da Paróquia de São José, a realização do Círio de Nossa Senhora de Nazaré em nossa cidade. Sua proposta foi discutida pelas associações religiosas então existentes e aprovada. As providências iniciais começaram a ser tomadas em seguidas reuniões realizadas na sala de audiência da Intendência Municipal, redundando na eleição da diretoria da festa que ficou assim constituída: Juizes de Honra – Interventor Federal no Pará, Joaquim de Magalhães Cardoso Barata; Deputados Abel Chermont, Clementino de Almeida Lisboa e Acylino de Leão Rodrigues; Intendente Municipal de Macapá, Eliezer Moisés Levy. O Dr. Acylino, natural de Macapá, era médico, literato, professor e político. Fizeram parte da Diretoria: Phelipe Blanck (vigário de Macapá), Dr. João Gualberto Alves de Campos (Juiz de Direito da Comarca de Macapá), Tenente-Coronel Jovino Albuquerque Dinoá (coletor federal e fundador do jornal Correio de Macapá), Clodóvio Gomes Coelho (comerciante e político), José Maria de Sant’Ana ( segundo faroleiro de Macapá), Vicente Ventura (comerciante) e Secundino Braga Campos( comerciante, pecuarista e político). A única imagem de Nossa Senhora de Nazaré existente em Macapá pertencia à família Serra e Silva que a cedeu à Paróquia de São José. A berlinda foi montada sobre um velho automóvel, devidamente adaptado para os fins religiosos. A programação fixou os dias 3 e 4 de novembro de 1934, para a transladação e o círio respectivamente. Às 20h30, de 3 de novembro, um sábado, os fieis se concentraram em frente a casa  da família Serra e Silva, situada à Travessa Coronel José Serafim Gomes Coelho(resta apenas o trecho conhecido como Passagem Barão do Rio Branco), no Largo dos Inocentes, área atrás da Igreja de São José, de onde saiu a trasladação. O povo, conduzindo archotes e círios, seguiu pela Passagem Espírito Santo (entre a igreja e a Farmácia, hoje Biblioteca Pública), Avenida Siqueira Campos (Mário Cruz), dobrou à direita na Rua Visconde de Souza Franco (Rua Amazonas), virando à esquerda para alcançar a Rua 24 de Outubro (chamada pelo povo de Rua da Praia) até a casa do Oficial do Registro Civil Cesário dos Reis Cavalcante onde a imagem pernoitou.
Trecho da Travessa  Siqueira Campos, atual Avenida Mário Cruz, por onde passou a primeira romaria do cirio realizado em Macapá em 1934.

                        No domingo, dia 4 de novembro, o foguetório iniciado às 6 horas saldava o novo dia e convocava os devotos para a grande festa. Ás 8 h, teve inicio a romaria. Á frente do cortejo ia um piquete formado por 60 cavaleiros armados de lanças que, com clarins e fanfarras anunciavam ao povo a passagem da procissão. A seguir, vinha o anjo Custódio, imagem colocada sobre o dorso de um boi manso chamado Beleza, seguido de uma corte de anjinhos ricamente trajados. Depois, o carro dos milagres, onde se via uma reprodução da imagem da Virgem de Nazaré que salvou a vida de Dom Fuás Roupinho. Marujos carregavam barquinhas votivas, em ondas e maresias, dando um cunho pitoresco à procissão. Por fim, a Berlinda puxada à corda por devotos, acompanhada por autoridades e do povo até alcançar a Igreja de São José.
Igreja de São José reformada em 1949, pelos padres italianos. A Passagem do Espirito Santo é a que se situava ao lado direito do tempo, sendo mais larga doque a Passagem de Santo Antônio, à esquerda.

Durante o transcurso da romaria uma banda de música tocava hinos em louvor a Nossa Senhora. No fim do cortejo houve missa e depois o leilão dos doados à Mãe de Jesus, repetido na segunda-feira, dia 5 de novembro, pela manhã. A festa durou apenas oito dias, com reza diária do terço, ladainha e cânticos. No arraial havia brincadeiras diversas, venda de produtos da região e de comidas típicas. Na época Macapá não possuía luz elétrica e os candeeiros, lampiões, archotes e velas foram usados para clarear o Largo da Matriz. Ainda no dia 5 teve inicio a festa de São José, que deixou de acontecer em março devida as fortes chuvas. No domingo, 11 de novembro, o Padre Phelipe Blanck celebrou a Santa Missa e um Te Deum. À tarde, houve uma procissão feita em redor da Praça Capitão Augusto Assis de Vasconcelos (Veiga Cabral). Na segunda-feira, dia 12, deu-se o recirio em um curto percurso entre a Igreja de São José e a casa da família Serra e Silva dona da imagem da santa. Nos anos de 1935 e 1636, a imagem de Nossa Senhora ainda pertencia a particulares. Apenas em 1937, a comunidade católica de Macapá doou uma imagem à Paróquia de São José.

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