Por Nilson Montoril
O território da cidade de Vigia de Nazaré era ocupado pelos índios tupinambás quando Francisco Caldeira Castelo Branco chegou ao Pará, em 1616. Os franceses já haviam passado por lá e até mantinham cordiais relações com os gentios. Em face de sua posição estratégica, os colonizadores portugueses estabeleceram ali um posto fiscal para vigiar as terras conquistadas. Com o passar do tempo os jesuítas fixaram residência na povoação e desenvolveram um trabalho vital para fazê-la progredir. Os vigienses, valendo-se do acesso fácil ao oceano Atlântico tornaram-se experientes pescadores. Além da pesca, dedicaram-se a produção da farinha de mandioca, ao beneficiamento do arroz, a fabricação de tijolos, calçados e de foguetes, ao comércio e ao beneficiamento de madeira. Foi na Vigia que teve inicio o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, que no último dia 13 de setembro do corrente ano alcançou a marca de 312 romarias. A pesca continua a ser a atividade econômica mais importante do município. Em tempos mais recuados os pescadores utilizavam um tipo de embarcação quase redonda, que tem apenas um mastro, com espaçoso porão coberto por um toldo que serve para transportar mercadorias e principalmente peixes. A tripulação de uma vigilenga é no máximo de quatro embarcadiços denominados vigilengos. A atividade exige muita coragem, notadamente quando a pesca é realizada no oceano. À proporção que as gurijubas iam sendo pescadas, os vigilengos as evisceravam e salgavam. O tempo de permanência no mar era de três ou quatro meses. Passavam por maior perigo os pescadores que vinham realizar a árdua tarefa na costa do Amapá, entre as cidades de Amapá, Calçoene e Oiapoque.
O pescador exibe orgulhoso a bela Gurijuba que ele conseguiu pescar com anzol e linha. |
Atualmente as vigilengas quase não são vistas operando em alto mar, embora algumas delas o façam na Vigia. Predominam os barcos impulsionados por potentes motores e maiores que as vigilengas. Os porões são revestidos com material apropriado para o armazenamento do gelo que conservará em bom estado os peixes capturados. Consequentemente, o período de atividade no mar é menor do que ocorria com as vigilengas. Poucas são as vigilengas que ainda são impulsionadas pela vela e pela bujarrona. Atualmente um bom número delas adaptou motore de centro. A preferência da maioria dos pescadores da Vigia pela gurijuba está no fato de que sua bexiga natatória tem boa cotação no mercado internacional e serve para o preparo de remédios e outros produtos. A bexiga é identificada como grude, palavra oriunda do latim glute, que é uma espécie de cola. Não existe apenas uma espécie de gurijuba. A espécie pescada na costa do Amapá e no litoral paraense é comumente denominada bagre-do-mar, tem carne comestível e se presta para o preparo de ótimas iguarias. Aliás, guri é um vocábulo tupi utilizado para identificar o bagre novo. O sufixo yub ou juba que dizer amarelo. Logo, gurijuba é o nome do bagre amarelo que tanto fascina os vigienses. O bagre novo também pode ser chamado guribu. Se ele for grande aplicam-se os vocábulos guriaçu, guriguaçu ou guariguaçu. O bagre do mar ou bagre amarelo também pode ser denominado gruijuba ou guarijuba.
Pode não ser correto, mas o povo costuma dizer que a verdadeira gurijuba é o peixe teleósteo, siluriforme, da família dos taquissurídeos de cor azul-pateado e abdome amarelo que mede de 25 a 30 cm de comprimento. Ora, se o vocábulo gurijuba significa bagre amarelo e existe a espécie toda amarela, há de se convir que este peixe seja a verdadeira gurijuba. Pelo menos é o bagre totalmente amarelo que se pesca na costa do Amapá. Há outras duas variedades de gurijuba que recebem o nome de bagre bandeira. Elas têm coloração azulada-metálica, com laivos esverdeados, flancos prateados, abdome branco-amarelado, medem até 50 cm de comprimento e pesam até quatro quilos. Possuem nadadeiras e barbilhões que ultrapassam o tamanho da cauda. Existem ainda outras variedades de peixes identificadas como gurijuba, pescada no rio Guajará-Mirim, que banha a cidade da Vigia, nos demais rios da região fisiográfica do salgado e na costa do Pará: o cangatá e o bagre-sapo. O cangatá tem coloração cinza-prateada uniforme, e também é conhecido popularmente como “cabeça-dura-focinho de rato”, “cabeça-dura-prego”, cangangoá, canganguá, cangoá e roncador. Por sinal que roncar muito é uma coisa que a gurijuba faz ao ser capturada. A cabeça da gurijuba, seja ela de qualquer espécie, tem fama de afrodisíaca. O bagre-sapo tem uma aparência que causa repulsa em algumas pessoas devido ao fato do mesmo ter cabeça chata, larga e abdome desenvolvido. Visto em seu habitat natural parece com um sapo cururu. É um peixe de pele do gênero Zungaro Bleek, distribuído em todo o Brasil. Sua coloração vai do pardo-escuro ao negro com manchas escuras dispersas pelo corpo. No Nordeste, principalmente no rio São Francisco o peixe-sapo recebe a designação de pacamô. Na Amazônia, o bagre-sapo recebe diversos nomes: pacamão, brecambucu, brecumbucu, manguriú, manguruiu, piacurura e piracururu. Esta última designação, decorrente do tupi que dizer peixe-sapo. O pacamão vive no fundo, come toda espécie de substância e pode chegar aos 32 cm de comprimento.
O cidadão comum da Vigia e das demais localidades da zona do salgado, no Estado do Pará, jura por todos os santos que o melhor remédio contra o desânimo é um suculento caldo feito com a cabeça da gurijuba. A iguaria é indicada principalmente como estimulante sexual. Entretanto, não é qualquer sujeito que pode tomá-la devido o efeito “reverterio”, isto é, o aquecimento pode ocorrer na tomada em vez de se manifestar no cabo de alta tensão. O risco torna-se ainda mais evidente se o caldo tiver sido feito com a cabeça da gurijuba, a carne do pacamão e o turú. Dizem que o turú é o grande vilão da iguaria por tratar-se de um molusco ou verme branco que gosta de viver enfiado em buracos de madeira apodrecida. Para desalojar o turedo, o caboclo usa um pedaço de arame vergado na ponta e enfia-o nos túneos que o molusco cava dos troncos de árvores tombados no mangue.
Em pouco tempo o apanhador de turú terá uma cuia, lata ou paneiro cheio de vermes compridos e brancos. O caboclo que gosta de se exibir engole o turú sem lavá-lo ou pelo menos passar limão e sal. O turú é rico em cálcio e ferro. Quem tem aversão à minhoca e lombriga, mas deseja sentir o sabor adocicado do turú, não pode vê-lo no seu estágio natural. O aspecto chega a ser repugnante, principalmente porque o turú expele uma substância leitosa e gosmenta que usa para lubrificar os buracos abre na madeira podre. Alguns restaurantes já estão servindo caldo e sopa de turú além de turú à milanesa. Dizem que a grande lombriga branca do mangue é o viagra dos pobres.
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