ESPINGARDEIRO ESPANHOL
Por Nilson Montoril
No
dia 6 de agosto de 1783, o Governador da Praça de Macapá, sargento-mor Manuel
Lobo Gama D’Almada escrevia ao Governador do Estado do Pará, José de Nápoles
Tello de Menezes, cientificando-o a respeito da prisão de um cidadão de
nacionalidade espanhola apresentando-lhe
o Sargento Auxiliar Salvador de Amaral, que conduzia preso um mercenário
espanhol preso na entrada da Vila de Macapá no final do mês de julho. O
forasteiro disse ter vindo da região compreendida entre a margem esquerda do
Rio Araguary e a margem direita do Rio Oiapoque, reclamada pela França. Estava
bastante exausto e sem posse de arma. A prisão do espanhol foi realizada pelos
soldados que faziam o patrulhamento da Vila de Macapá sob o comando do sargento
- auxiliar Salvador de Amaral. Conduzido à presença do Comandante Lobo
D’Almada, no interior da Fortaleza de São José, o preso foi submetido a
imediato interrogatório. Em dado momento, o espanhol retirou de uma bolsa de
couro que trazia pendente do pescoço, um bilhete escrito em português e
remetido por Ângelo Custódio, um soldado lusitano evadido da Fortaleza de
Macapá, que seguira por campinas e matas até alcançar a localidade de Manai, na
região do contestado. Ali estava instalado um grupamento de 20 de soldados
franceses, que fora designado para erguer um forte na ilha Turury ou na boca do
Lago Amacari. O escrito de Ângelo Custódio dava conta de que o espanhol
desejava contar com o apoio dos portugueses para retornar a sua terra natal.
Isso foi dito ao evadido luso pelo espanhol antes que este desertasse do
contingente frances porque já estava cansado de atuar em paragens de clima
adverso. Ângelo Custódio o orientou a descer no sentido de Macapá, dizendo-lhe
que, através de Belém poderia iniciar a viagem de retorno a Espanha, via
Lisboa. Lobo D’Almada concedeu abrigo ao aventureiro, mas o manteve isolado,
sem ver detalhes da vila e da Fortaleza de São José. Temia-se que ele fosse um
espião a serviço dos franceses de Caiena. Indagado pelo comandante se possuía
algum oficio, o espanhol disse que era espingardeiro. Para conferir se o
sujeito era mesmo bom em seu oficio, Lobo D’Almada deu-lhe a tarefa de
consertar as armas da guarnição de Macapá que se encontravam com defeitos.
Em
pouco tempo o espanhol provou que era mestre na arte de reparar espingardas,
fato que lhe valeu uma viagem até Belém para avistar-se com as autoridades sediadas
na capital do Pará. O sargento Salvador de Amaral recebeu a incumbência de
conduzir o espingardeiro para Belém e apresentá-lo ao governador José de Nápoles.
Por ter colaborado com a guarnição da Fortaleza de Macapá, o espingardeiro
espanhol foi embarcado para Lisboa e daí seguiu para Madrid. Em 1783, logo após
sua inauguração, a Fortaleza de Macapá ainda não tinha sua força completa
constituída por soldados da infantaria e cavalaria. Havia apenas 165 homens da
tropa paga em Macapá.
Devido ao porte da fortificação, defendia-se a necessidade de
haver somente na tropa de artilharia 680 homens e 3.900 soldados no total, em
caso de guerra. Cada canhão exigia a ação de seis soldados. Porém, o próprio
projeto de Henrique Gallucio indicava que a Fortaleza tinha sido erguida para
ser manejada por apenas 200 homens, contingente correspondente a duas
companhias. Certamente o comandante Lobo D’Almada procurou impedir que o
espingardeiro ou qualquer outro aventureiro que chegasse a Macapá comprovasse
que o contingente de homens aquartelados na Fortaleza era insuficiente.
A
disciplina era dura, razão pela qual inúmeros soldados mandados servir na
fronteira acabaram desertando e passando para a área do contestado ou retornado
aos locais onde moravam antes da designação. Manuel da Gama Lobo D’Almada
nasceu em Portugal no ano de 1745 e ingressou na Armada Real Portuguesa aos 17
anos de idade, em 1762. Com cerca de 20 anos, em 1765, foi desterrado para o
Castelo de Mazagão, no Marrocos, sem perder a condição de militar.Exerceu a
função de ajudante-de-ordem do comandante e permaneceu naquela praça até o dia
10 de março de 1769, ocasião em que os portugueses abandonaram a estratégia
posição militar e retornaram a Lisboa. No dia 15 de setembro de 1769, Lobo
D’Almada figurou entre os retirantes da Fortaleza de Mazagão que foram mandados
para a Amazônia. Ao aceitar sua designação para vir trabalhar no Grão Pará,
Lobo D’Almada recebeu o perdão real de desterro, foi elevado ao posto de
sargento-mor e recebeu a incumbência de governar a Vila de São José de Macapá.
Neste empreendimento trabalhou em duas oportunidades: 1770 a 1771 e 1773 a 1784. No período de 1771 a 1773, organizou a
nascente Vila de Nova Mazagão, a atual Mazagão Velho. Em 1884 foi designado
para governar a Capitania de São José do Rio Negro, da qual se originou o
Estado do Amazonas, defendendo a zona encachoeirada do Rio Negro, sediado no
Forte de São Gabriel. Foi muito eficaz ao lidar com os índios que povoavam as
regiões dos rios Ixié, Uaupés e Branco. Apaziguou os temidos índios Mundurucus
que, desde 1770 mantinham conflitos com os portugueses. As hostilidades duraram
até 1794. Lobo D’Almada implantou as primeiras fazendas de gado na região do
Rio Branco (Roraima), deu eficaz apoio aos aldeamentos, implantou uma padaria
de pão de arroz moído, instalou fabrica de pano de algodão em rolos,com 18
teares,montou cordoaria, olaria, engenho
de moer cana, estaleiro naval, depósito de pólvora e fabrica de sera e velas.
Morreu em Barcellos, dia 27 de outubro de 1794, aos 54 anos de idade, no posto
de coronel. Em todo o Estado do Amapá só há uma homenagem a esse insigne
militar e geógrafo português que é considerado o maior gestor público colonial
a passar pela Amazônia. Na cidade de Calçoene existe um estabelecimento de
ensino com seu nome.
A ilustração mostra um armeiro preparando o cano de uma espingarda com fecho de pederneira. |
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