CHAMAVA-SE PEÇA O NEGRO FUJÃO
Por Nilson Montoril
Data
de 21 de julho de 1765, a
carta que o Comandante da Praça de Macapá Nuno da Cunha de Atayde Varona remeteu
ao governador do Estado do Grão Pará, Fernando da Costa de Atayde Teive,
comunicando às dificuldades que vinha encontrando para tocar as obras da
Fortaleza de São José, em Macapá, devido à fuga de negros que se embrenhavam
nas campinas e matas em demanda do quilombo existente à margem esquerda do Rio
Araguary. Nuno Varona informava ao governador que iria aproveitar os feriados
religiosos dos dias 25(em louvor a São Tiago) e 26(devotado a Sant’Ana e São
Joaquim, genitores de Maria Santíssima e avós de Jesus Cristo) para expedir
várias partidas de índios, pretos ladinos e soldados no sentido de capturar os
escravos fugidos. Os negros evadidos, quase todos denominados “boçais”, sempre
obrigavam que outros cativos os acompanhassem. Isso era feito para evitar que
os soldados ficassem sabendo o rumo que os fujões tomavam. Sempre que ocorriam
fugas, diversos negros retornavam voluntariamente à Fortaleza dizendo que suas
ausências aconteceram por imposição dos lideres dos revoltados. A jornada
empreendida pelos fujões era penosa e longa. Eles enveredavam pelas campinas
próxima a Macapá e depois tomavam o rumo Norte, sempre seguindo o curso do Rio
Matapy que nasce no Rio Araguary. Nem sempre podiam contar com a ajuda dos
negros que trabalhavam em fazendas de criação de gado e utilizados nas
plantações. Os fujões mais fracos acabavam morrendo exaustos e de fome,
perdidos em ambiente desfavorável. O negro ladino era mais obediente do que o
“boçal”, que por sua vez era orgulhoso, não se resignava com a condição de escravo
e vivia tentando escapar do cativeiro. O negro fugido era rotulado como “peça”
e, quando capturado, recebia marca de um F com ferro em brasa na omoplata e o
número correspondente a seu registro no Senado da Câmara, órgão que o
controlava.
O escravo era uma mercadoria cara, razão pela qual era castigado,
mas dificilmente morto por seu proprietário. Isso só ocorria quando o cativo se
tornava violento e ameaçava a vida dos senhores. Quem pensa que os negros
fujões viviam em quilombos instalados nas matas do Curiaú está redondamente
enganado. Às vezes eles passavam por lá, quase sempre à noite, e até se
aproximavam do local onde os escravos do Alferes Miranda dormiam. Antes de
adotarem tal atitude batiam em troncos de árvores ocas dando sinal. Nem sempre
eram atendidos, mas quando isso se dava, os evadidos empreendiam imediata retirada
depois de alimentados. Se o feitor descobrisse, o escravo que tivesse ajudado
os fujões era penosamente castigado. De um modo geral, o escravo fugido não
encontrava meios de sobrevivência, por isso vagavam pelas matas ou áreas rurais
de difícil acesso. Era identificado como “calhambola” e ficava entocado durante
o dia. Á noite, valendo-se da escuridão, invadiam propriedades para roubar
alimentos, roupas e outros objetos. A aparência do fujão, cabeludo e
maltrapilho, assustava as pessoas e colaborou para que surgissem as fantásticas
lendas do lobisomem e dos mortos-vivos. Os antigos moradores do Curiaú contavam
que, na margem do Rio Amazonas, em local relativamente distante e de difícil
acesso, demorava uma negra que tinha na omoplata direita o número 19 e era
“velhaca” e “sagica”. Ela mantinha em um mocambo que servia para descanso dos
fujões, algumas apaziguadas tidas como “folgazonas”, isto é, mulheres que se
prostituiam. Até soldados que serviam da Vigia do Igarapé Curiaú iam manter
relações sexuais com elas e certamente as acobertavam. O objetivo dos negros
fugidos da Fortaleza de Macapá era alcançar a área compreendida entre os rios
Araguary e Oiapoque, considerada neutra por Portugal e França. O quilombo do
Araguary ficava perto da cachoeira do Paredão.
Negro imobilizado e sendo espancado pelo feitor. Esse tipo de castigo ocorria em todo o Brasil . |
Ali, os fujões plantavam suas
roças, criavam pequenos animais, pescavam e caçavam por algum tempo. Posteriormente
buscavam manter contatos com os franceses, com o quais trabalhavam na
exploração de ouro sem serem tratados como escravos. Por diversas vezes, os
integrantes dos grupos de resgate de escravos arribados da Fortaleza de Macapá
encontraram vestígio da passagem dos fujões pelo quilombo do Araguary, mas eles
já estavam longe e em terras onde ainda não prevalecia a soberania portuguesa. No
caso de Macapá não se tem informações da existência do famoso capitão-do-mato,
negro liberto que ocupava a última categoria do funcionalismo público. Além de
cassar negros fujões e criminosos , o capitão do mato também resolvia as
questões de delitos no meio rural.
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