segunda-feira, 12 de agosto de 2013

CHAMAVA-SE PEÇA O NEGRO FUJÃO




               CHAMAVA-SE PEÇA O NEGRO FUJÃO

               Por Nilson Montoril
Esta fotografia da Fortaleza São José, na cidade de Macapá, data de 1978, ano em que o governador do Território Federal do Amapá, Capitão de Mar e Guerra Arthur Azevedo Henning mandou aterrar o Igarapé Igapó, também denominado Bacaba, melhorando sensivelmente o aspecto urbanístico da área comercial. No retângulo menor, entre a Passagem Cabralzinho e a Rua Independência foi edificada a Agência do Banco do Brasil. O visual em torno da Fortaleza mudou muito,mas ainda precisa ser melhorado. Na época em que se deu o fato sobre o qual comento, a Fortaleza era cercada por áreas alagadas e sujeitas às alagações provocadas pelas águas do Canal Norte do Rio Amazonas.


                        Data de 21 de julho de 1765, a carta que o Comandante da Praça de Macapá Nuno da Cunha de Atayde Varona remeteu ao governador do Estado do Grão Pará, Fernando da Costa de Atayde Teive, comunicando às dificuldades que vinha encontrando para tocar as obras da Fortaleza de São José, em Macapá, devido à fuga de negros que se embrenhavam nas campinas e matas em demanda do quilombo existente à margem esquerda do Rio Araguary. Nuno Varona informava ao governador que iria aproveitar os feriados religiosos dos dias 25(em louvor a São Tiago) e 26(devotado a Sant’Ana e São Joaquim, genitores de Maria Santíssima e avós de Jesus Cristo) para expedir várias partidas de índios, pretos ladinos e soldados no sentido de capturar os escravos fugidos. Os negros evadidos, quase todos denominados “boçais”, sempre obrigavam que outros cativos os acompanhassem. Isso era feito para evitar que os soldados ficassem sabendo o rumo que os fujões tomavam. Sempre que ocorriam fugas, diversos negros retornavam voluntariamente à Fortaleza dizendo que suas ausências aconteceram por imposição dos lideres dos revoltados. A jornada empreendida pelos fujões era penosa e longa. Eles enveredavam pelas campinas próxima a Macapá e depois tomavam o rumo Norte, sempre seguindo o curso do Rio Matapy que nasce no Rio Araguary. Nem sempre podiam contar com a ajuda dos negros que trabalhavam em fazendas de criação de gado e utilizados nas plantações. Os fujões mais fracos acabavam morrendo exaustos e de fome, perdidos em ambiente desfavorável. O negro ladino era mais obediente do que o “boçal”, que por sua vez era orgulhoso, não se resignava com a condição de escravo e vivia tentando escapar do cativeiro. O negro fugido era rotulado como “peça” e, quando capturado, recebia marca de um F com ferro em brasa na omoplata e o número correspondente a seu registro no Senado da Câmara, órgão que o controlava.

Esta prancha pintada por Johann Moritz  Rugendas retrata como o negro fugido era tratado pelo Capitão-do-Mato. Em Macapá, não se tem registro da existência dessa categoria de funcionário público que servia ao Senado da Câmara. Os negros escravos fugidos das obras da Fortaleza de Macapá eram cassados por soldados e negros ladinos da própria fortificação
 O escravo era uma mercadoria cara, razão pela qual era castigado, mas dificilmente morto por seu proprietário. Isso só ocorria quando o cativo se tornava violento e ameaçava a vida dos senhores. Quem pensa que os negros fujões viviam em quilombos instalados nas matas do Curiaú está redondamente enganado. Às vezes eles passavam por lá, quase sempre à noite, e até se aproximavam do local onde os escravos do Alferes Miranda dormiam. Antes de adotarem tal atitude batiam em troncos de árvores ocas dando sinal. Nem sempre eram atendidos, mas quando isso se dava, os evadidos empreendiam imediata retirada depois de alimentados. Se o feitor descobrisse, o escravo que tivesse ajudado os fujões era penosamente castigado. De um modo geral, o escravo fugido não encontrava meios de sobrevivência, por isso vagavam pelas matas ou áreas rurais de difícil acesso. Era identificado como “calhambola” e ficava entocado durante o dia. Á noite, valendo-se da escuridão, invadiam propriedades para roubar alimentos, roupas e outros objetos. A aparência do fujão, cabeludo e maltrapilho, assustava as pessoas e colaborou para que surgissem as fantásticas lendas do lobisomem e dos mortos-vivos. Os antigos moradores do Curiaú contavam que, na margem do Rio Amazonas, em local relativamente distante e de difícil acesso, demorava uma negra que tinha na omoplata direita o número 19 e era “velhaca” e “sagica”. Ela mantinha em um mocambo que servia para descanso dos fujões, algumas apaziguadas tidas como “folgazonas”, isto é, mulheres que se prostituiam. Até soldados que serviam da Vigia do Igarapé Curiaú iam manter relações sexuais com elas e certamente as acobertavam. O objetivo dos negros fugidos da Fortaleza de Macapá era alcançar a área compreendida entre os rios Araguary e Oiapoque, considerada neutra por Portugal e França. O quilombo do Araguary ficava perto da cachoeira do Paredão. 
Negro imobilizado e sendo espancado pelo feitor. Esse tipo de castigo ocorria em todo o Brasil .
Ali, os fujões plantavam suas roças, criavam pequenos animais, pescavam e caçavam por algum tempo. Posteriormente buscavam manter contatos com os franceses, com o quais trabalhavam na exploração de ouro sem serem tratados como escravos. Por diversas vezes, os integrantes dos grupos de resgate de escravos arribados da Fortaleza de Macapá encontraram vestígio da passagem dos fujões pelo quilombo do Araguary, mas eles já estavam longe e em terras onde ainda não prevalecia a soberania portuguesa. No caso de Macapá não se tem informações da existência do famoso capitão-do-mato, negro liberto que ocupava a última categoria do funcionalismo público. Além de cassar negros fujões e criminosos , o capitão do mato também resolvia as questões de delitos no meio rural.

Interessante anúncio publicado no Rio de Janeiro dando conta à população da fuga de um escravo. Isso só era possível nas grandes cidades onde havia gráficas. Os anúncios era fixados em lugares públicos, barbearias,bordéis e tabernas.

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