AMAPÁ ESTADO, O EFETIVO SINAL DA TRANSFORMAÇÃO
Por Nilson Montoril
Criado em 1903, o Território Federal do Acre foi transformado em Estado em 1956. Durante 53 anos enfrentou a dura realidade de ser uma unidade federada sem a autonomia própria dos estados. O governo brasileiro adotou este tipo de gestão para, definitivamente alojar no mapa do país uma área que não lhe pertencia e fora comprada da Bolívia. Em 1942, foi criado o Território Federal de Fernando de Noronha. O Brasil procurava salvaguardar sua soberania no arquipélago que a Coroa Lusitana arrendou ao cristão novo Fernando de Noronha no inicio da colonização da Ilha de Vera Cruz. No inicio da década de 1940 a segunda guerra mundial estava em curso e os norte-americanos tinham sido autorizados a instalar bases aéreas em solo brasileiro. Em 1943, por questão de segurança nacional, surgiram mais cinco territórios: Amapá, Guaporé (Rondônia), Rio Branco (Roraima), Iguaçú e Ponta Porã. Em 1945, terminada o grande conflito bélico foram extintos os dois últimos e reintegrados aos Estados do Paraná e Mato Grosso. O Ministério da Justiça e Negócios do Interior recebeu a incumbência coordenar as atividades dos governos territoriais, fazendo-o até o momento em que apareceu o Ministério do Interior. Os Territórios de Guaporé e Amapá sempre reivindicaram suas transformações em Estados. No caso do Amapá, o senador Cândido Mendes de Almeida se destaca como um grande defensor da causa. Em 1853, ele apresentou à Assembléia Nacional Constituinte um projeto propondo a criação da Província da Oiapoquia, cuja sede seria a cidade de Macapá. Seu projeto foi rejeitado, mas não apagou a chama da esperança das populações de Macapá e Mazagão, Na época, as terras entre a margem esquerda do rio Araguary e o lado direito do rio Oiapoque eram declaradas neutras. Mesmo assim, para eliminar de vez as pretensões francesas, o projeto de Cândido Mendes incluiu-as como próprias do Brasil.
O território federal era uma espécie de extensão do poder central da República. Os governadores e secretários gerais, nomeados pelo presidente, congregavam as ações do poder executivo e legislativo. O Acre, desde a Revolução de 1930, elegia dois deputados federais. Os demais territórios só passaram a ter representantes na Câmara Federal a partir de 1947. Mesmo assim, apenas um parlamentar por unidade federada. O território não tinha representatividade no Congresso Nacional, haja vista que o deputado é um proposto do povo. Os quatro primeiros governadores do Território Federal do Amapá nasceram no Estado do Pará: Janary Gentil Nunes (27/12/1943 a 2/2/1949 e 18/12/1949 a 2/2/1956), Raul Montero Valdez (2/2/19490 a 018/12/1949), Theodoro Arthou (16/9/1954 a 10/1954), Amílcar da Silva Pereira (2/2/1956 a 20/3/1958) e Pauxy Gentil Nunes (1958 a 1961). Dos ex-governadores, Amílcar Pereira foi o primeiro a se eleger deputado federal e hoje reside no Rio de Janeiro. Janary Nunes o segundo e Annibal Barcellos o terceiro. Dois governadores foram mais enfáticos na defesa de que o Território do Amapá passasse à condição de Estado: Pauxy Nunes e Annibal Barcellos. Os argumentos de Pauxy Nunes estão contidos no livro “Mosaicos da Realidade Amapaense”. A publicação da obra fez ruir a máscara de falsidade que muita gente ostentava sem se dar conta. Por ter sido tão incisivo, Pauxy Nunes passou a ser considerado problemático, polêmico e doido. Passou quase três anos como governador e enfrentou um período muito conturbado. Barcellos assumiu o governo do Amapá 18 anos depois da gestão de Pauxy Nunes. O Brasil era outro e tinha a governá-lo os militares golpistas de 1964. Enquanto Pauxy Nunes lutou contra forças antagônicas de dentro e de fora do Amapá, Annibal Barcellos navegou em mar de almirante, apoiado pelo Ministro do Interior Mário David Andreaza.
No dia 28 de setembro de 1983, o Capitão-de-Mar e Guerra Annibal Barcellos, governador do Amapá e o Brigadeiro Vicente de Magalhães Moraes, governador de Roraima, eram recebidos em audiência pelo Presidente da República João Batista Figueiredo, que lhes garantiu que os citados Territórios Federais seriam Estados em 1984. Este fato ganhou especial atenção da Rede Globo de Televisão através do Jornal Nacional. Enquanto Barcellos buscava sensibilizar o General Figueiredo, tramitava na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar nº 51/83, cujo autor era o deputado Federal Antônio Cordeiro Pontes, que criava o Estado do Amapá. Os fundamentos eram basicamente os mesmos utilizados pela Lei Complementar nº 41/81, que criou os Estados de Rondônia e do Mato Grosso do Sul. O deputado Leorne Belém, relator da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, já havia emitido parecer favorável ao projeto de Antônio Pontes nos seguintes termos: “ Não criará ele tal como se encontra redigido, despesas adicionais ou suplementares às atualmente exigidas. O novo Estado contará com fontes próprias de receita e terá de elaborar o seu orçamento atento às limitações que daí decorram. Reconheço que o ideal seria a União efetuar transferências de capital e implementar programas de assistência à nova unidade federada.Face ao esforço, voto pela constitucionalidade, jurídica e boa técnica legislativa deste Projeto-de-Lei Complementar nº 51, que cria o Estado do Amapá e dá outras providências”. Esta em vigor a Constituição aprovada em 1969, mas se falava em constituinte. O governador Annibal Barcellos deixou Brasília ao anoitecer do dia 28 de setembro com destino a Belém, onde, na manhã do dia 29, participaria da reunião do Conselho de Desenvolvimento da SUDAM.
Na noite do dia 29 de setembro, como passageiro da VASP, Barcellos retornou a Macapá, sendo recebido, no aeroporto, por centena de amigos e admiradores. Devido à repercussão da notícia da criação do Estado do Amapá, a imprensa local também marcou presença. A TV Equatorial utilizou pela primeira vez o seu moderno equipamento de externas e eu tive a primazia de realizar a primeira transmissão ao vivo da televisão amapaense. Postado no pátio de estacionamento da aeronave entrevistei o Comandante Barcellos de maneira objetiva e esclarecedora. O governador estava sensivelmente emocionado. Falamos principalmente sobre a audiência com o Presidente Figueiredo. Barcellos disse que o Presidente foi enfático ao afirmar que o Ministério do Interior estava autorizado a formar um grupo de trabalho que estudaria a transformação dos Territórios do Amapá e Roraima em Estados. Figueiredo também determinou a elaboração de uma mensagem do Executivo ao Congresso Nacional e encarregou o Ministro Mário Andreazza de cuidar pessoalmente do apoio aos governadores Barcellos e Vicente Morais. As três fotografias que ilustram este artigo foram publicadas pelo Jornal do Povo em 6 de outubro de 1983. Na primeira objetiva eu estou entrevistando o governador e o saudoso amigo Osmar Melo, com o microfone da Rádio Nacional de Macapá, capta a entrevista que a emissora federal transmitiu na íntegra. Ao fundo várias pessoas conhecidas: jornalista Haroldo Franco, Vivaldo Elói, presidente da CEA, Hermínio Gurgel, Henrique Duarte e Amiraldo Bezerra. Comentando o acontecimento em sua coluna Informe JP, Haroldo Franco assim escreveu: “Zelito deu um show, com a sua TV Equatorial, na transmissão direta da chegada de Barcellos à pista, no último dia 29. Nilson Montoril fez a cobertura. O cinegrafista caprichou e o banho foi completo. De leve”.Na segunda foto, lado a lado, Annibal Barcellos e Vivente Moraes ouvem as explanações do Presidente João Figueiredo. Na terceira fotografia, Barcellos desce a escada do avião da VASP.
O governador Annibal Barcellos desce a escada do avião da VASP, no Aeroporto Internacional de Macapá, na noite de 29 de setembro de 1983. Amigos e correlgionários politicos foram recepcioná-lo |
Ciente de que o sinal verde para a criação do Estado do Amapá havia sido acionado, Barcellos passou a desenvolver seu trabalho pensando na estrutura mínima indispensável ao funcionamento de um estado. Foi contestado e ofendido. Neste ponto ele se igualou a Pauxy Nunes. Muita gente dizia que era a favor do Estado do Amapá, mas na prática torcia o nariz diante do fato se tornar realidade. O destino tramou contra Barcellos. Figueiredo deixou o Governo em 15 de março de 1985 e sequer transferiu a faixa presidencial a José Sarney. Tancredo Neves tinha sido operado na véspera e não iria se recuperar. Sarney foi efetivado, sem ter vice. Veio a constituinte e Barcelos se elegeu deputado federal em 1986. A atual Constituição da República Federativa do Brasil foi sancionada a 5 de outubro de 1988, estabelecendo, no art. 14 do Ato das Disposições Transitórias que os Territórios Federais do Amapá e de Roraima eram transformados em Estados. Transformou, mas acrescentou a condição de que a efetiva instalação do novo estado só ocorreria a 1º de janeiro de 1991, com a posse do governador eleito. Nas eleições de 1990, certamente reconhecendo os méritos do Comandante, o destino se redimiu e levou Barcellos ao cargo de primeiro governador do Estado do Amapá, exatamente o que promoveu efetivamente a sua instalação.
Annibal Barcellos cumpriu seu mandato de 1/1/1991 a 31/12/1994, atuando em perfeita sincronia com os poderes Legislativo e Judiciário. Quando todos pensavam que o comandante deixaria o Amapá, ele afirmou que não faria porque ainda tinha outras pretensões políticas. Elegeu-se prefeito de Macapá (1997 a 2000) e vereador (2004 a 2007). Em 2008, apoiou a candidatura de Roberto Góes, o atual prefeito de Macapá e passou a exercer o cargo de Ouvidor da comuna macapaense. Barcellos manteve sua fidelidade ao Amapá por 32 anos, falecendo na madrugada do dia 14 de agosto de 2011. Seu corpo foi velado do Plenário da Assembléia Legislativa até a manhã do dia 16, sendo trasladado para o Cemitério Nossa Senhora da Conceição. Por onde o féretro passou, os populares ocupavam as laterais das vias públicas para aplaudir o velho comandante.
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