quarta-feira, 15 de junho de 2011

WASHINGTON ELIAS DOS SANTOS, HERÓI DE GUERRA


                     

            Por Nilson Montoril

Washington Elias dos Santos destacou-se como narrandor da Cavalhada de São Tiago

            No dia 19 de janeiro de 1920, na Vila de Mazagão Velho, despontou para a vida Washington Elias dos Santos, filho do comerciante Inácio Elias dos Santos e da Professora Antônia Silva dos Santos. Seu torrão natal havia perdido a prerrogativa de ser a sede do histórico Município de Mazagão devido ao estágio de decadência pelo qual passava. Desde o dia 15 de novembro de1915, a cidade de Mazaganópolis, a atual Mazagão Novo, tinha como Prefeito o Coronel da Guarda Nacional Alfredo Valente Pinto. O casal Inácio e Antônia jamais poderia imaginar que aquela criança sossegada um dia envergaria o uniforme do Exército do Brasil e fosse combater os nazistas e os fascistas em solo italiano. Para obter melhores lucros com o comércio, Inácio Elias dos Santos instalou um empreendimento comercial na foz do Rio Furo Seco, tributário do Amazonas pela margem direita, na Ilha do Pará. Era vizinho de um amigo de velhas datas, o mazaganense Francisco Torquato de Araújo, dono da Casa Reduto do Furo Seco. Por volta do ano de 1941, então com 21 anos de idade, o jovem mazaganense Washington Elias dos Santos embarcou para Belém a fim de prestar serviço militar. Tinha feito sua inscrição na Comissão de Alistamento Militar instalada na Prefeitura Municipal de Mazagão. Nesta época, a jurisdição administrativa e judiciária do Estado do Pará se estendia por toda a área do atual Estado do Amapá. O soldado Washington ainda estava na caserna quando teve inicio o recrutamento dos pracinhas que iriam fazer parte da Força Expedicionária Brasileira, criada e estruturada pela Portaria Ministerial nº. 4.774 de 9 de agosto de 1943. À conta de um acordo firmado com os Estados Unidos, o Brasil deveria recrutar cem mil combatentes para participarem da II Guerra Mundial e combaterem os alemães em solo italiano. Entretanto, em decorrência da rígida inspeção de saúde levada a efeito, apenas 25.334 indivíduos foram declarados aptos. Dia 15 de maio ocorreu a instalação do Estado Maior Especial da FEB.  No dia 30 de junho, o General Mascarenhas de Morais, alguns oficiais e o 2º Pelotão da FEB composto por 5.075 embarcaram no navio norte-americano General Mann, que zarpou do Rio de Janeiro com destino a Nápoles, na madrugada do dia 1º de julho. Os demais escalões seguiram nos navios General Mann e General Meighs, ambos da Marinha dos Estados Unidos da América. Convocado para a importante campanha bélica, o soldado Washington integrou o contingente amazônico da 8ª Região Militar. O transporte desse contingente foi realizado pelo navio General Meighs em dezembro de 1944. 

Navio General Meighs da Marinha dos Estados Unidos da América do Norte

O relato que o ex-pracinha Washington me contou a respeito da participação do Brasil no conflito é fiel ao que se tem registrado nos anais do Exército Nacional. Uma viagem de navio entre o Rio de Janeiro e Nápoles durava cerca de 15 dias. O desconforto era enorme porque o calor no interior das cabines destinadas aos combatentes chegava aos 40 graus. A comida era feita por cozinheiros americanos e o balanço do navio provocava vômito nos nossos pracinhas. Seu Washington me contou que o desembarque em Nápoles já deixou muita gente apavorada, Em redor do porto havia inúmeras embarcações destruídas pelos ataques da aviação aliada. Após o desembarque, o regimento Amazônico foi transportado de trem para Tarquinia e daí para os acampamentos em Staffoli e Lucca. Fazia muito frio na Itália e a roupa usada pelos soldados não era suficiente para aquecê-los. No Brasil, antes da viagem, os pracinhas receberam o uniforme normal, uma túnica e um culote. Em solo italiano, depois que passaram a integrar o V Exército Americano, nossos soldados ganharam novo enxoval, incluindo roupas de baixo, japona, jaqueta, camiseta e cueca. Passaram por novos exames médicos, odontológicos e desinfecção. Cada barraca de lona abrigava dois soldados. Enquanto durou o inverno, os soldados dormiam com os cantis embaixo dos travesseiros para evitar que a água congelasse. A comida era enlatada (ração), distribuída a cada 12 horas. Pela manhã era servido mingau. Como os americanos distribuíam generosas porções de chiclete, chocolate e cigarro, muitos pracinhas que não fumavam negociavam o cigarro com os civis italianos. Também faziam escambo com as latas de ração ou distribuíam-nas entre as crianças, mulheres e homens idosos. Muitos soldados que não foram para a linha de fogo chegaram a conviver maritalmente com mulheres italianas. Os soldados eram distribuídos em grupos de 25 elementos nas instruções de tiro. A pontuação aceitável para um bom atirador ia até seis. Apenas os mais aptos, que obtinham esse índice seguiam para frente de luta. Era difícil um pracinha ver um inimigo e ser visto por ele.
Soldados brasileiros entricheirados durante a campanha da tomada do Monte Castelo
As mortes decorreram mais dos bombardeios e das minas do que de tiro livre. Muitos padioleiros, enfermeiros, sapadores de trincheiras e condutores de veículos, que não usavam armas, morreram ao serem atingidos por estilhaços de granadas e bombas. O soldado Washington sempre respeitou o código de ética ao qual estão sujeitos os participantes de conflitos armados. Nunca contou bravatas. Todas as suas narrativas condizem com a verdade dos fatos. Instruído nas primeiras letras por sua mãe, a Professora Antônia Silva dos Santos, Vavá, como Washington era tratado por familiares e amigos, amealhou importantes conhecimentos ao longo de sua longa vida.
O sorridente soldado brasileiro recarrega a peça de artilharia que operava. Observe que na bonba esta escrito: "A Cobra Vai Fumar", expressão que era o lema da Força Expedicionária Brasileira. E de fato a cobra fumou.

                        Washington retornou ao Brasil em outubro de 1945. No inicio de novembro embarcou para Belém a bordo do navio Itaipé, um dos itas do Loyde Brasileiro. Aguardou sua dispensa do Exército para poder retornar ao lar, já desfalcado de seu pai Inácio Elias dos Santos. Veio para Macapá dia 2 de dezembro, a bordo de um avião dos Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul, desembarcando no aeroporto da Panair do Brasil. Foi recepcionado pelo Capitão Janary Gentil Nunes, Governador do Território Federal do Amapá, pelo Prefeito de Mazagão, Francisco Torquato de Araújo, autoridades e integrantes da Guarda Territorial. Nesse dia se realizava em todo o país as eleições para Presidente da República. O Capitão-Governador encarregou o Prefeito Francisco Torquato, a quem Washington tratava por “Tio Chico”, para conduzir o bravo pracinha até Mazagão Velho e entregá-lo a sua genitora. A entrega aconteceu dia 5 de dezembro, em clima de profunda emoção. Como, por determinação do Presidente da República, Getúlio Vargas, os ex-combatentes deveriam ter preferência para ocupar cargos ou empregos públicos, Washington Elias dos Santos foi trabalhar na Divisão de Segurança e Guarda, onde permaneceu até aposentar-se. Vavá casou com Maria Caçula Aires da Silva em 1949. Dessa união que durou 61 anos nasceram Maria José, Rachide Elias, Antônio Elias e Elias Inácio. Os filhos geraram os netos de Vavá e Caçula, alguns dos quais, dia 27 de abril, carregaram o esquive do avô a sua última morada, no Cemitério São José. Washington Elias dos Santos faleceu em Macapá dia 26 de abril de 2010, às 07h30minh, no Hospital São Camilo e São Luiz. Muito apegado às tradições de sua terra, Vavá narrava anualmente a cavalhada de São Tiago e participava dos eventos religiosos de Mazagão Velho. Diz o refrão da Canção do Expedicionário: “Por mais terra, que eu percorra/não permita Deus que eu morra/sem que volte para lá/sem que leve por divisa/esse v que simboliza a vitória que virá/nossa batalha final/ é a mira do meu fuzil/ a ração do meu bornal/ a água do meu cantil/ as asas do meu ideal/ a glória do meu Brasil”. Ele felizmente voltou.

Um comentário:

Patrick Silva disse...

Por muitos anos fui vizinho do "Seu Vavá" ali na avenida Coaracy Nunes. E por muitas noites de Natal, presenciei os olhos dele em lagrimas, quando lembrava dos sons das bombas, quando os fogos do natal começavam a soar na noite. Sou neto do sr José de Almeida Oliveira, mais conheçido como Zé Boto, comerciante que por muito tempo, trabalhou e morou na esquina da Av Coaracy Nunes com a Rua Jovino Dinoá.