Por Nilson Montoril
Dona Juventina desfilando no baile da 3ª idade, em 2009. Ela caprichava no visual e esbanjava vitalidade e simpatia.Faleceu no dia 23/6/2011, na véspera do baile de São João que ela tantro aguardava. |
Juventina Corrêa de Oliveira, natural de Abaetetuba, Estado do Pará é uma valente cunhã que se criou no “Rio do Céu”, município de Afuá. Despontou para a vida no dia 2 de agosto de 1908, por obra de Bruno Corrêa de Oliveira e Maria da Conceição Corrêa de Oliveira, seus pais. Seu genitor abandonou a família para viver com outra mulher, deixando Dona Maria Corrêa enfrentando muitas dificuldades. Juventina ainda era criança, mas participava do esforço que sua genitora e os irmãos mais velhos desenvolviam para assegurarem o mínimo necessário para o sustento da família. Em 1928, então com 20 anos de idade, Juventina casou com João Pereira da Silva, natural de Viçosa, seu esposo que um grave acidente de carro tirou de sua convivência na cidade de Macapá. Juventina e João decidiram vir morar em Macapá porque pretendiam dar aos filhos melhores condições de vida. A cidade tinha sido elevada à condição de capital do Território Federal do Amapá e passava por aceleradas transformações. Várias atividades desenvolvidas pelo governo territorial careciam de mão de obra não especializada e ofereciam remuneração relativamente condigna. Em fevereiro de 1953, João, Juventina e os filhos chegaram a Macapá e ficaram instalados na casa de Dona Raimunda Penafort, prima de Juventina, que residia no Remanso, pelo lado sul da Fortaleza, área que hoje integra o bairro Santa Inês. Quem precisava deixar a casa de Dona Raimunda para ir ao centro da cidade ou dele deslocar-se até o Elesbão tinha que enveredar por um tortuoso caminho que cortava uma área rotulada como “Baixa da Maria Mucura”. Seguindo a máxima interiorana de que a vida do caboclo é de dia na agricultura e à noite na criatura, João Pereira da Silva agiu como um autêntico artilheiro e quase monta um time de futebol. Coadjuvado por Juventina, ele produziu oito bruguelos: Pedro, Marcionila, Miguel, Aldenora, Antônio, Isaura, Vivaldo e Francisco. Morando na beira do Rio Amazonas, os moradores do Elesbão tinham a possibilidade de comprar peixe, camarão, banana, farinha, açaí e outros produtos por preço menor que o praticado pelo comércio macapaense. João arranjou um emprego como lenheiro na Olaria Territorial, cujo diretor era Belarmino Paraense de Barros, o líder do bairro do Trem. João foi admitido como diarista e seu pagamento saía à conta de rendas internas. Não tinha Carteira Profissional e mesmo que a possuísse a Superintendência da Olaria não podia assiná-la. Seu trabalho consistia em cortar e transportar lenha para os fornos da Olaria Territorial onde se fazia a queima das peças produzidas em barro destinadas às obras públicas governamentais. Numa das viagens da caçamba que transportava lenha, João foi selecionado para seguir na basculante do veículo até a localidade de Ilha Redonda. Pedro, o filho mais velho que contava 15 anos o acompanhou para pescar. A estrada “Transamapá”, atualmente chamada BR 156 era estreita, sem pavimentação e sempre apresentava perigo, principalmente porque os motoristas não tinham tanta experiência, mas mesmo assim abusavam da velocidade. Era o dia 23 de junho de 1953, uma data que Dona Juventina não gosta de lembrar. Ainda assim, conta detalhes do acidente. A caçamba capotou três vezes e ao parar ficou sobre parte do corpo de João Pereira. Ele ainda respirava quando foi resgatado. Transferido para o Hospital Geral de Macapá em estado grave não resistiu aos ferimentos e fraturas. João sofreu um corte na cabeça que lhe arrancou o couro cabeludo e danos fatais na caixa torácica.
O Governo do Território, na pessoa do Secretário Geral, Dr. Hildemar Pimentel Maia, prestou irrestrito apoio moral e material à família do falecido. Como o senhor João não era funcionário do quadro permanente, Dona Juventina Corrêa não teve direito a pensão. Entretanto, recebeu uma razoável indenização e com o valor dela comprou uma casa no bairro do Trem, edificada no mesmo local onde ela ainda reside ,à Avenida Diógenes Gonçalves da Silva, nº. 412. O Governador Janary Nunes estabeleceu que de 15 em 15 dias Dona Juventina deveria receber um paneiro de farinha e dois quilos de outros gêneros de alimentação preponderantes em uma cesta básica. Cabia à Comissão Territorial da Legião Brasileira de Assistência fornecer os alimentos. Também houve a oferta de emprego para os filhos Miguel e Vivaldo, na Olaria, o que foi aceito.
Tendo o apoio governamental quanto à alimentação, Juventina decidiu tocar a vida vendendo mingau de milho, de banana, tacacá, bolo de macaxeira e beijo-de-moça. Bem cedo, os filhos mais velhos carregavam a mesa, os bancos e demais apetrechos para a área posterior ao Mercado Central que ainda não havia sido inaugurado. Sua freguesia aumentou depois do dia 13 de setembro de 1953, data da entrega do Mercado Central à população. O açaí era amassado à mão ao anoitecer e tinha freguesia certa. O Miguel, o Vivaldo e a Aldenora ganhavam as ruas carregando 4 litros do pingoso, cada um, dentro de paneiros. Dessa forma a família sempre ganhava algum dinheiro. Posteriormente, o Miguel e o Vivaldo passaram a trabalhar na Olaria Territorial carregando tijolos. Ganhavam por unidade transportada e quando recebiam o pagamento, entregavam o dinheiro a Dona Juventina. Outra passagem triste da vida de Dona Juventina decorreu do falecimento do Pedro, vitimado pela cirrose hepática e da Marcionila. O Miguel também vendeu pão produzido na padaria do senhor Rocha e na Fábrica Amapaense. Depois, aos 14 anos trabalhou na carpintaria da Guarda Territorial sob a orientação do Pedro da Silva Santos, conhecido como Biroba. Esse cidadão que reside atualmente em Soure, era mestre em marcenaria, destacado músico da Banda da Guarda Territorial e de alguns conjuntos musicais que aqui existiam. Miguel não era Guarda e sim carpinteiro. O aprendizado com o Biroba lhe foi útil e o ajudou a atuar com afinco no Grupo de Reparos da Secretaria de Obras, na C.R. Almeida e da Mendes Júnior. Na oficina da Guarda Territorial ganhava como recibado porque não era membro efetivo da corporação. Miguel e Vivaldo estudaram no Grupo Escolar Alexandre Vaz Tavares. Vivaldo vendeu “sonho”, pirulito e açaí. Em 1971, foi aprovado em concurso público para ingressar na Guarda Territorial. Como soldado circulou por várias localidades do interior do Território do Amapá. Em 1974, a Guarda Territorial deixou a Fortaleza de São José e passou a ocupar o prédio erguido na gestão do Governador Ivanhoé Gonçalves Martins destinado a Policia Militar, Em 1977, em decorrência da criação da Polícia Militar e de sua regulamentação, muitos soldados territoriais foram incorporados à nova organização.
Indaguei a Dona Juventina se o açaí que ela amassava era bom. Como não tem sapo que não gabe a sua lagoa ela respondeu que sim. O processo de preparo do açaí contava com a participação das filhas e da empregada. Quando o petróleo ficava pronto e engarrafado ela vaticinava aos filhos: “Vão vender o açaí. Vendam tudo senão vocês vão apanhar.” Depois que ficou viúva, Dona Juventina trabalhou diuturnamente. Ainda arranjou disposição para lavar roupa para particulares e para namorar o José Justino Alves de Araújo com o qual teve os filhos José Maria Correa e Sandra Correa de Oliveira.
Dona Juventina vive na companhia do filho Francisco Correa de Oliveira e da mazaganense Maria Neuza do Nascimento Flexa, um misto de nora e de “Anjo da Guarda”. A despeito de ser o mais novo dentre os filhos da primeira remessa, Francisco arcou com a responsabilidade de permanecer morando com Dona Juventina. É que ele era solteiro e seus irmãos e irmãs tinham constituído família. Francisco trabalhou na Prelazia de Macapá, na Prefeitura de Mazagão e presentemente exerce suas atividades no Ministério do Trabalho. Neusa é Técnica em Enfermagem e dispensa grande atenção a Dona Juventina e a acompanha quando das viagens que a Associação Amapaense Pró Idoso realiza. Juventina, Jovem ou Guita é membro da associação e já andou pelo Paraguai, Argentina, Uruguai e várias cidades do Brasil. Só em Beto Carreiro Word ela já esteve três vezes. Juventina completará 102 anos de idade no dia 2 de agosto de 2010. Em outros tempos foi imbatível nas provas de natação e corrida aquática disputadas por idosos. Conquistou 36 medalhas e 3 troféus. Enquanto teve desembaraço para desfilar reinou como Miss Caipira nos folguedos juninos da terceira idade. A fotografia que ilustre este artigo indica que ela gosta de andar bem arrumada. Atualmente recupera-se de uma cirurgia e ostenta o titulo de Miss Simpatia da Associação Amapaense Pró Idoso. Na próxima colônia de Férias Juventina certamente estará presente. Na última participação caiu da rede, fraturou a bacia e ficou 5 meses acamada. Para isso faz fisioterapia e recebe o carinho de todas as pessoas que lhe querem bem. (Artigo publicado no Jornal de Domingo, suplemento do Diário do Amapá em 2010)
NOVA INSERÇÃO ( 23/6/2011)
Na manhã do dia 23 de junho de 1011, por volta das l0 horas, recebi um telefonema do amigo César Bernardo dando conta de que Dona Juventina Corrêa de Oliveira havia falecido às 5h30 no Hospital São Camilo e São Luiz. Estive em sua residência por volta da 11h30 onde seu velório estava sendo feito. Seu sepultamento ocorreu dia 24 de junho. Ela tinha sido internada no dia 8 de junho devido a um AVC que deixou imobilizado o lado esquerdo do corpo. Liberada alguns dias depois foi recuperar-se em casa. Entretanto, seu estado de saúde já estava bastante abalado, ocasionando-lhe falência múltipla dos órgãos. Seu coração deixou de bater no mesmo dia em que, em 1953, a morte roubou do seu convívio o esposo João Pereira da Silva. Agora, certamente no lugar que Deus reserva aos justos, os dois devem estar reunidos, matando uma saudade que durou 58 anos. Juventina Corrêa de Oliveira faria 103 anos dia 2 de agosto de 2011.
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