sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

TROPAS DO PARÁ OCUPAM A GUIANA FRANCESA


      Nilson Montoril

Pintura em tela que retrata o desembarque corpo de fuzileiros-marinheiros, embrião dos fuzileiros navais do Brasil, em Caiena. Ao fundo, a fragata "Confianse" bombardeia posições francesas. No dia 14 de janeiro de 1809, ocorreu o batismo de fogo dos fuzileiros navais. A 31/7/1809, o 32º Grupo de Artilharia e Cajmpanha do Exército se transformu no Corpo de Artilharia da Corte. Os fuzileiros navais possuem atualmente o Grupamento Caiena em homenagem a campanha de 1809.

                        No dia 14 de janeiro de 1809, tropas brasileiras que haviam saído de Belém no dia 27 de outubro de 1808, composta por 751 homens, ocupavam a cidade de Caiena aprisionando as principais autoridades francesas, inclusive o governador Victor Hugues. Este feito é considerado o batismo de fogo do Corpo de Fuzileiros Navais, criado em Lisboa a 28 de agosto de 1787, e que chegou ao Brasil a 7 de março de 1808, seguindo a Família Real lusitana que fugira das tropas de Napoleão Bonaparte. A ordem para desencadear a operação bélica partiu do Príncipe Regente D. João, que então geria os negócios da Coroa, devido à demência de sua mãe, a rainha Maria I. A declaração de guerra à França ocorreu no dia 1º de maio de 1808, como represália portuguesa a atitude de Napoleão que mandou tropas francesas invadir Portugal. O contingente luso-brasileiro estava sob o comando do tenente-coronel Manoel Marques e foi organizado em Belém pelo tenente-general José Narciso de Magalhães e Menezes que, em 1808, era o governador do Pará. Na época a província estava com reduzida capacidade financeira, fato que levou o capitão-general a assinar uma subscrição que ele próprio iniciou doando seis contos de réis. O restante dos recursos destinados ao pagamento de uma tropa de voluntários foi obtido junto às pessoas de bons recursos que residiam na capital paraense. Não há registro quanto à importância arrecadada, mas ela foi bem expressiva. Além da constituição de uma força terrestre, os lideres da expedição mobilizaram uma frota naval integrada pela escuna “General Magalhães” com 12 peças de artilharia de pequeno calibre; pelos dos brigues “Leão”, “Vingança” “Ninfa” e “Narciso”, cada um com 8 peças; 2 cúteros com 8 peças cada; 3 barcaças canhoneiras; 1 sumaca; 1 lancha e 1 iate. A oito de outubro a expedição partiu de Belém com 400 soldados, aportando na Vila de Breves para embarcar mais  100 homens do 2º Regimento de Infantaria ali aquartelado. No dia 12 de novembro os expedicionários atingiram o Cabo Norte, onde encontraram a corveta “Confiance” da Marina Real Britânica que tinham saído do Rio de Janeiro acompanhada pelos cúteros “Voador” e “Infante D. Pedro”, ambos da Marinha Portuguesa, transportando cada um 18 fogos. Esta frotilha estava sob o comando do oficial inglês James Lucas Yeo e transportava mais de 300 fuzileiros-marinheiros luso-brasileiros.
James Lucas Yeo, oficial da Marinha Britânica que serviu aos interesses de Portugal na invasão da Guiana Francesa.Na época ele tinha 27 anos de idade e já acumulava bastante pretigio.Em 1809, possuia a patente de capitão e foi sagrado cavaleiro e recebeu a medalha de ouro da Ordem do Cavaleiro Companheiro do Banho. D. João lhe conferiu o titulo de Cavaleiro Comandante da Ordem de São Bento Português d"Avis. Morreu a 8/9/1817, aos 35 anos, de "debilidade geral" a bordo da fragata Samiramis quando retornava da Jamaica para Londres.Tinha a saúde precária em decorrência da malária


                           Na fragata “Confiance”, além da tripulação, viajavam 150 marinheiros ingleses. No dia 1º de dezembro, na foz do Rio Oiapoque, a expedição traçou o plano de ataque, realizando o primeiro embate no dia 15 às margens do Rio Aproak, onde aprisionou a escuna guianense “Petit Adele”. Dias mais tarde apressou a escuna “Creole”, logo incorporada à frota luso-brasileira com o nome de “Lusitânia”. No dia 6 de janeiro de 1809, cerca de 300 homens conquistaram o forte Diamante, edificado no Rio Maroni. Em seguida ocorreram as conquistas dos fortes “Dégrad des Cannes” (sete de janeiro) e Trió (oito de janeiro), ambos eretos na ilha de Caiena. A partir do dia 9, com o recuo dos franceses, teve inicio a marcha decisiva sobre a capital da Guiana. 
A fragata "Confiance" comandada por James Lucas Yeo era semelhante a fragata "Recherche" que nesta gravura aparece em primeiro plano. A outra fragata, que segue a a Recherche, tinha o nome de "Esperance".As duas embarcações integravam a frota da marinha francesa, em 1824. O poderio de fogo de cada uma delas era de 26 canhões de calibres diversos. As fragatas era navioes rápidos e elegantes com três mastros, sete velas e duas bujarronas

                             Como o governador Victor Hugues não aceitou a proposta de rendição apresentada pelos invasores, a invasão da possessão francesa tornou-se inadiável. Na tarde do dia 12 de janeiro de 1809, o governador Victor Hugues se rende e, em Bourgarde, assina a rendição. Caiena foi totalmente dominada no dia 14 de janeiro. Para governar a Colônia de Caiena e Guiana, o Príncipe D. João designou. João Severiano Maciel da Costa, nascido em Mariana, Minas Gerais e formado em Direito pela Universidade de Coimbra. Antes de assumir a nova função, João Severiano ocupava o cargo de Desembargador do Paço, no Rio de Janeiro. 

Ilustre personagem que governou Caiene com muita competência. Era mineiro, naturam de Mariana, onde nasceu a 27/12/1769. Formou-se em  Direito na Universidade de Coimbra, em Portugal, retornando ao Brasil após a conclusão do curso. Em 1809, era Desembargador do Paço, no Rio de Janeiro quando recebeu a imcumbência de atuar como Intendente de Caiena. Cumpriu sua missão no período de 1809 a 1817. Depois foi Ministro do Império e do Estrangeiro.Faleceu no Rio de Janeiro em 19/11/1833, com 64 anos de idade.

                        Durante o período de 14 de janeiro de 1809 a 21 de novembro de 1817, ele governou Caiena desenvolvendo um belo trabalho. Por força do Tratado de Paris de 30 de maio de 1814, assinado pelas nações que derrotaram Napoleão Bonaparte, a Guiana Francesa deveria ser devolvida à França que então era governada pelo Rei Luiz XVIII. Os franceses pretendiam que a decisão fosse cumprida imediatamente, mas os portugueses só o fizeram a 21 de novembro de 1817. Para administrar a possessão na América do Sul, Luiz XVIII nomeou o conde de Claude Carra de Saint-Cyr, major-general da França e homem de sua extrema confiança.
Major-general Claude Carra, emérito oficial militar de imenso prestigio e glória na França.Em 1794, destacou-se como general da Revolução Francesa. Atuou na Guerra da Independência dos Estados Unidos da América, apoiando os norte-americanos e chegou a comandar tropas francesas em guerras revolucionárias e guerras napoleônicas. Apartou-se de Napoleão Bonaparte em 1813. Desde 1813, ostentava  o titulo de Grande Oficial da Legião de Honra. Foi sagrado Cavaleiro e Barão de Sainte Cyr, Conde e Cavaleiro de Saint Louiz, Barão do Império Frances. São tantos os seus méritos mlitares, que seu nome está gravado no Arco do Triunfo, em Paris. Governou a Guiana Francesa de 1817 a 1819, preparando-a militarmente para evitar que fosse novamente ocupada.

                              A força bélica mobilizada contra Caiena contava com um ótimo poderio militar. A escuna “General Magalhães” era a capitânea das tropas paraenses e tinha o tenente coronel Manoel Marques no comando. A fragata “Confiance” estava equipada com 26 canhões e havia sido tomada da marinha francesa pelo capitão James Yeo em 4 de junho de 1805. Naquela oportunidade ele comandava a fragata “Loire” e o apressamento se deu no porto de Muros, na Espanha. O brigue “Voador” viajava sob comando de José Antônio Salgado, e o brigue “Infante D. Pedro” tinha a comandá-lo Luiz da Cunha Moura. Os brigues “Vingança”, “Leão”, “Ninfa” e ‘Narciso” eram comandados pelo tenente Manoel Luiz de Melo). 

Brigue portugues do Século XVIII que ajudou a transportar a Familia Real Portugues para o Brasil em 1808. Embarcação que possuia dois mastros, sete velas, uma bujarrona e navegava com 18 peças de artilharia a bordo

Soldado da Real Brigada da Marinha Portugues. Trezentos combatentes deste corpo de combate integraram o contingente que participou da ocupação de Caiena.



segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

LARGO DOS INOCENTES


         Por Nilson Montoril

O estacionamento construido no centro do Largo dos Inocentes, com uma calçada central e as duas pistas que a ladeiam existe há pouco tempo. Na área funciona a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, alguns estabelecimentos comerciais e residências. Comentários que circulam nos noticiários policiais afirmam que ali está surgindo uma "cracolândia". Os consumidores de drogas estariam sendo atraidos por um bar que também possui quartos para aluguel. Se o Largo dos Inocentes tivesse sido tombado como sitio patrominial  sua utilização mudaria completamente.

                        O Largo dos Inocentes consta na planta da Vila de Macapá traçada em 1761. As casas dos moradores deveriam ser construídas nas suas duas laterais, após a Igreja de São José. A largura do logradouro correspondia ao trecho ocupado pelo templo e pelas duas travessas que o separavam da Casa Paroquial e do Senado da Câmara, respectivamente a Travessa de Santo Antônio e a Travessa do Espírito Santo. No ponto de fundo do largo, paralelo a igreja, ficava a última via pública da vila, que ostentava o nome do fundador de Belém do Pará, Capitão Francisco Caldeira Castelo Branco. Uma passagem, denominada anos mais tarde de Coronel José Serafim Gomes Coelho interligava o Largo dos Inocentes com a Rua General Gurjão e a Brás de Aguiar( Avenida Coriolano Finés Jucá), cortando a Travessa Floriano Peixoto( Avenida Presidente Getúlio Vargas). Ao lado esquerdo da Igreja de São José o espaço abrigaria a casa do vigário Miguel Ângelo de Moraes. No lado oposto foi construído o prédio do Senado da Câmara (atual Biblioteca Pública Elcy Lacerda). As casas que circundavam o Largo dos Inocentes tinham paredes barro (taipa de mão), assentadas em traçados de varas de taboca (bambu), atracadas a esteios de aquariquara. Não havia espaço entre uma casa e outra. De cada lado figuravam aproximadamente 15 casas. Ao longo da existência de Macapá, inúmeras famílias ocuparam as moradias. Em anos mais recentes, que antecederam a criação do Território do Amapá, famílias tradicionais ali se estabeleceram, entre elas: os Lino da Silva, os Tavares do Carmo, os Tavares de Almeida, os Serra e Silva, os Lino Ramos, os Tavares Gaia, os Lemos da Silva, os Mariano Picanço, os Gaias, os Praxedes de Mendonça, etc. O Largo dos Inocentes tinha então a maior concentração populacional de Macapá e as famílias mais numerosas, por isto dizia-se que o local parecia um formigueiro humano.

Cena tomada da Avenida Tiradentres mostrando o Largo do Formigueiro sem o estacionamento. Havia na área duas mangueiras. A que ficava em frente ao portão de acesso ao Pensionato São José foi cortada antes deste flagrante fotográfico. Consta que colocaram veneno no tronco da outra árvore porque sua copa ficava rente as janelas de alguns quartos e as pedras atiradas pelos moleques causavam prejuizos. A mangueira que hoje existe no largo foi transplantada do lado do Teatro das Bacabeiras pelo Luiz Cabral. Observe que, entre o prédio da Diocese e a Igreja de São José ainda não havia grades de ferro e o povo trafegava livremente pela Passagem Santo Antônio.Pelo lado direito da Igreja  o tráfego de veículos era feito normalmente. O campo de futebol da molecada perna de pau era entre a Igreja e a mangueira.
                        Em 1948, com a chegada dos Padres Italianos, a configuração do Largo dos Inocentes mudou. O trecho da Travessa José Serafim Gomes Coelho, entre o Largo e a Avenida Presidente Vargas (ex-Travessa Floriano Peixoto) foi fechado devido a ampliação da área que o Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras – PIME, que congrega padres italianos e ainda permanece entre nós, precisou para instalar o Oratório Festivo e Recreativo São Luiz. As casas edificadas entre a passagem e a casa do vigário foram desapropriadas. O domínio dos Padres ganhou cerca e virou “Quintal dos Padres”, local muito freqüentado pelas crianças da Paróquia de São José, inclusive por mim. Na área conquistada foram construídos: O Salão Paroquial Pio XII, a quadra polivalente de vôlei, basquete e futebol-de-salão, a Escola Paroquial São José, a sede da Juventude Operária Católica, a sede do Grupo de Escoteiros Católicos São Jorge, o Pensionato São José, a sede do Juventus Esporte Clube e o Cine Teatro João XXIII. No Salão Paroquial era celebrada a Santa Missa de Domingo, encenadas as peças teatrais dos meninos e das meninas e as exibições cinematográficas em máquinas de 16 milímetros. Depois da missa, os moleques ruins de bola jogavam futebol no Largo dos Inocentes, a despeito do solo ser duro e repleto de piçarra.

Na presente fotografia, tirada provavelmente num final de semana ou feriado não vemos veiculos estacionados nos espaços que lhes são reservados. O cenário está um pouco diferente na atualidade, persistindo os problemas causados por "biriteiros" e possiveis consumidores de substâncias tóxicas prejudiciais à saúde. O Oratório Festivo não existe mais. O Pensionato São José, prédio de quatro pavimentos à esquerda da foto, passa por reformas e terá outra destinação

                        O Largo dos Inocentes tem este nome por causa da Rua dos Inocentes que ligava a Rua do Lago (General Gurjão) e a atual Coriolano Jucá, que já teve a denominação de Braz de Aguiar e se estendia desde a Vila Santa Ingrácia até estradinha que dava acesso ao “campo de pouso de aviões” da cidade. Curioso é que, até hoje, alguns macapaenses não dizem aeroporto,mas areoporto No Largo dos Inocentes eram realizadas as festas em louvor a Nossa Senhora Menina, ao Menino Jesus e aos pequenos Mártires Inocentes do inicio do cristianismo. Os festejos destinados a São Raimundo Nonato, São Luiz Gonzaga, São Benedito, São Sebastião e Nossa Senhora do Rosário aconteciam no interior da igreja. A parte litúrgica em louvor ao Divino Espírito Santo e à Santíssima Trindade também. Porém, desde o tempo em que o Padre Júlio Maria Lombaerd foi Vigário da Paróquia de São José, a parte profana ocorria no Largo de São João e foliões embriagados já não tinham acesso ao interior da igreja dançando e conduzindo as bandeiras das duas divindades patronas do folguedo. Bem definido pelo aludido sacerdote, com a aceitação dos católicos praticantes, o evento ganhou o titulo de Festa das Coroas, desdobrada em duas quadras: Divino Espírito Santo e Santíssima Trindade. Os festeiros e os foliões do chamado Marabaixo não dispensavam costumeiras visitas ao Largo dos Inocentes, principalmente no período em que faziam o recolhimento dos donativos. Ainda assim, tinham que prestar contas ao Padre Júlio, afinal de contas não é ético e moral alguém colocar santo em esmola e se apropriar do dinheiro e bens arrecadados. O local já abrigou o Arraial de São José e Feira dos Agricultores.
                        Nos dias atuais, o Largo dos Inocentes está muito descaracterizado, mas continua a mexer com a imaginação de muita gente. Há até quem diga que naquele espaço existiu um cemitério. Outros dizem que era um cemitério só de crianças não batizadas, daí a termo inocente. Não me consta que no catolicismo as crianças pedem a inocência depois do batismo, já que o sacramento instituído por João Batista lhes é ministrado em tenra idade. No período em que presidi o Conselho Estadual de Cultura (2004 a 2010), foi gerado um processo visando o tombamento do Largo dos Inocentes, pelo seu valor histórico e etnográfico. Os governantes não lhe deram a atenção devida.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

UM NATAL MARCADO PELA TRISTEZA


                                    
            Por Nilson Montoril
A morte do Padre Júlio foi precedida de momentos de muita angústia por parte dos que tentavam socorrê-lo. Por volta das 15 horas, do dia 24 de dezembro, o automóvel descia a serra quando o motorista o manobrou excessivamente para a direita a fim de desviar a viatura de uns tocos. Ela saiu da estrada e só não rolou até o fundo de um abismo porque uma possante árvore impediu. As rodas ficaram para cima e os ocupantes do veiculo de cabeça para baixo. As freiras que o acompanhavam  e o motorista foram socorridos, mas o sacerdote ficou comprimido entre o encosto da bancada da frente e uma raiz de árvore, que sustinha o carro sobre o abismo. O peito de encontro à raiz e o encosto impedindo que seus pulmões inflassem.Padre Júlio ficou assim por 40 minutos, com dificuldade para respirar.Morreu asfixiado, sereno e rezando. Tinha 66 anos de idade.
A noite do dia 24 de dezembro de 1944, começava a dominar a pequena Macapá, quando o Posto Telegráfico recebeu uma mensagem passada de Vargem Grande, Minas Gerais, dando conta de que o Padre Júlio Maria Lambaerd havia falecido em circunstâncias trágicas. Imediatamente, com a comunicação impressa em telegrama, o estafeta foi à Casa Paroquial entregá-lo aos Padres Felipe Blanke e Antônio Schulte, religiosos que, a exemplo do Padre Júlio, integravam a Congregação da Sagrada Família, estabelecida em Macapá desde o ano de 1911. Os sinos do campanário da Igreja São José passaram a executar o toque fúnebre de maneira intermitente, atraindo a população para frente do templo. Procurando conter a emoção, o Padre Felipe Blanke, vigário da Paróquia de Macapá, repassou a todos a notícia que havia recebido.
Fotografia do Padre Júlio ao tempo em que viveu em Macapá(1913 A 1923). Nesta época ele estava com 35 anos de idade. Sofreu com a malária, com uma ferida que quase provoca a amputação de sua perna direita e com a febre provocada por uma mosca peçonhenta na Serra do Tumuc-Humac.
Há 22 anos o Padre Júlio tinha deixado Macapá fugindo da malária que o fustigava. Depois de atuar algum tempo na Vila Pinheiro (Icoaraci), no Pará, foi fixar-se em Manhumirim, no Estado de Minas Gerais. A população ainda tinha viva na memória a figura do Padre Júlio, um homem decidido que tantos benefícios trouxe para a então abandonada cidade paraense de Macapá e tinha por ele uma grande amizade. Júlio Emilio Lombaerd nasceu na Bélgica, no dia 7 de janeiro de 1878. Aos 17 anos, a 1º de novembro de 1895, em Maison Carré, África, recebeu o hábito sacerdotal. Sua consagração ocorreu a 18 de abril de 1897, aos 19 anos de idade. A recepção diaconal verificou-se a 6 de outubro e a ordenação sacerdotal a 13 de junho de 1908. Por devoção a Virgem Maria alterou seu nome para Júlio Maria Lombaerd. Em setembro deste ano despediu-se dos familiares e embarcou para o Brasil, com destino a pobre e diminuta cidade paraense de Macapá. 
Casa Paroquial que permaneceu em uso até o momento em que foi erguido o primeiro prédio da Prelazia de Macapá.No ambiente que se tinha acesso através da 4ª porta, à direita, estudei catecismo com o Irmão Francisco Mazzolene. A casa era de taipa de mão e assoalho de madeira.

No dia 15 de outubro de 1908, o navio que transportava o Padre Júlio chegou a Pernambuco. Ele passaria quase 5 anos trabalhando em Recife, Natal e Belém.Chegou a Macapá no dia 27 de fevereiro de 1913, sendo recebido na Doca da Fortaleza pelos sacramentinos José Lauth (vigário de Macapá desde 1911) e Hermano Elsing, vigário de Mazagão, dois velhos amigos dos tempos de seminário. Em pouco período de tempo percorreu toda a região do atual Estado do Amapá e quase morreu ao ser picado por uma mosca peçonhenta na serra do Tumuc-Humac. A 2 de maio de 1913, foi nomeado pelo governador do Estado do Pará, Enéas Martins, para o cargo de  Diretor das Escolas Reunidas de Macapá, fato que fez melhor consideravelmente o desempenho das mesmas, Padre Julio era empreendedor nato e fundou várias instituições benfazejas em Macapá: Congregação das Filhas do Coração Imaculado de Maria, Colégio e Orfanato Santa Maria, Cine Olímpia, Filarmônica São José e a Farmácia Comunitária. 
Cópia de foto tirada em 1916, que se encontra no livro "Padre Júlio, Sua Vida e Sua Missão". Mostra a casa que abrigou as freiras da Congregação das Filhas do Sagrado Coração Imaculado de Maria, em Macapá. A sede da congregação era o prédio na esquina da Rua São José com a atual Avenida Presidente Vargas. Depois que as freiras deixaram a cidade o imóvel abrigou a "Casa Popular" de Manoel Eudoxio Pereira, o Pitaica, o Escritório de Contabilidade de João Wilson Carvalho e parte da Divisão de Segurança e Guarda, na fase Território do Amapá As duas mangueiras frondososa no primeiro plano foram retiradas em 1970, na gestão do Governador do Território do Amapá,  Ivanhoé Gonçalves Martins.

Na Ilha de Santana instalou a casa destinada ao retiro dos religiosos da Congregação da Sagrada Família. A partir de 1948, sob a gestão dos padres italianos do Pontifício Instituto das Missões Estrangeira, esta propriedade funcionou como pensionato e seminário. No atual bairro Buritizal, o saudoso sacerdote belga criou a Fazenda Santa Maria, em cujas terras se fez a instalação do atual Cemitério São José. Na fazenda ficavam os animais que os criadores de Macapá doavam ao santo padroeiro da cidade, que ali permaneciam até o dia do leilão a 19 de março. 
O sacerdote que monta o cavalo escuro é o Padre Júlio. O outro religioso é o Padre Hermano Elsing, vigário da Paróquia de Nossa Senhora da Assunção, na atual Mazagão Velho. A fotografia foi batida na Fazenda "Santa Maria" que ocupava terras do hoje bairro Buritizal. Há mais dois homens montados a cavalo. Eram os vaqueiros da fazenda.

Antes da chegada dos padres sacramentinos, era o Padre François Rellier, francês com atividades na Guiana Francesa que prestava assistência espiritual aos macapaenses. O povo quase não ia à igreja e uma considerável parcela dele se devotava ao espiritismo africano e usava santos para angariar dinheiro em proveito próprio. O Padre Júlio reduziu drasticamente esta prática e por isto ganhou a antipatia dos espertalhões. A comunidade negra deve a ele a organização da festa das coroas que ainda hoje simbolizam o Divino Espírito Santo e a Santíssima Trindade nas duas quadras do Marabaixo. Porém, em 1923, o Padre Júlio precisou deixar Macapá para livrar-se da malária. Levou consigo as religiosas da Congregação das Filhas do Coração Imaculado de Maria e todo o acervo das instituições que criara.
Padre Júlio e quatro irmãs da Congregação das Filhas do Imaculado Coração de Maria que foram transferidas de Macapá para a Vila Pinheiro, hoje Icoaraci, no Pará. Na Vila Pinheiro o Padre Júlio construiu o Colégio Nossa Senhora de Lourdes.Ele ficou em Pinheiro até 1926.
Fixou suas atividades na então Vila Pinheiro (Icoaraci), no Estado do Pará, onde as freiras residiram até transferirem suas ações para Caucaia, no Ceará, onde ainda existe a Congregação. Padre Júlio não tardou a arribar com passagem por Alecrim, no Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro. Em busca de um clima mais ameno o ilustre vigário escolheu Manhumirim para reiniciar sua brilhante trajetória religiosa. Construiu o Hospital São Vicente de Paulo, o Seminário Apostólico, o Jornal “O Lutador” e outros empreendimentos. Em Dores de Indaiá, cidade mineira erigiu o Seminário São Rafael.
1934 - Padre Júlio Maria de Lombarde, seus religiosos e seminaristas na cidade mineiro de Mnhumirim.

Em 1931, vigorando no Brasil o governo ditatorial de Getúlio Vargas, Padre Júlio foi acusado de ser integralista, nazista e rebelde às autoridades brasileiras. Respondeu com muito altruísmo ao processo que lhe foi movido, sendo declarado inocente a 31 de outubro de 1931. Somente depois da decisão judicial ele recebeu o titulo de cidadão brasileiro e passou a usar o nome  Júlio Maria de Lombarde. Nos dias atuais, a Fundação Padre Júlio atua em diversas partes do Brasil.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

FRANCISCA LUZIA DA SILVA, A MÃE LUZIA

                     
             Por Nilson Montoril
                       
           
A gravura acima não é cópia de uma fotografia, mas de pintura feita pelo artista plástico R. Peixe. Consta que ele pintou o quadro baseado numa fotografia de "Tia Milica", nas descrições feitas pelos parentes e na poesia "Mãe Luzia" composta pelo poeta Álvaro da Cunha.

             Francisca Luzia da Silva tinha suas raízes em Mazagão Velho, onde nasceu a 9 de fevereiro de 1869. Nunca foi escrava e deve descender dos cidadãos que viviam no castelo de Mazagão, no Marrocos e que Portugal fez migrar para a Amazônia. Tinha 15 anos de idade quando seus pais mudaram-se para Macapá, em 1884. Foi casada com Francisco Lino da Silva, próspero lavrador e político macapaense que chegou a exercer o cargo de Prefeito de Segurança (Delegado de Polícia) e obter a patente de capitão da Guarda Nacional. O casal teve duas filhas e quatro filhos: Miquilina Epifânia da Silva (Milica), Cláudio Lino dos Passos da Silva (pai do Francisco Lino da Silva, o Lino da Universidade de Samba Boêmios do Laguinho), Àguida Chavier da Silva, Francisco Lino da Silva, Raimundo Lino da Silva (Bucú) e José Lino da Silva. A família tinha duas propriedades produtivas. O sitio “Capitão”, localizado na margem direita do Rio Anauerapucu (Vila Nova), cujo titulo homenageava a patente do marido e o “Retiro Matapi”, na Campina Grande, onde a família criava gado, porcos e aves. Era no sitio Capitão onde Francisca Luzia da Silva e Francisco Lino da Silva residiam no período de janeiro a julho aproveitando á época chuvas intensas. No sitio a família colhia frutas e plantava diversos produtos. No verão ocorria a coletava do leite de seringueira e de sementes oleaginosas como andiroba, murumuru, ucuuba e pracaxi. O Retiro Matapi, localizado na margem esquerda do Rio Matapi, foi vendido ao senhor Francisco Torquato de Araújo, seu conterrâneo de Mazagão e hoje pertence à família Rocha. Devidamente autorizada pelos intendentes de Macapá, mãe Luzia possuiu roças de tabaco e mandioca na área adjacente ao Poço do Mato, então importante manancial de água potável da qual se servia a população de Macapá.

O Largo dos Inocentes aparece bem descarecterizado nesta fotografia. Na época em que Mãe Luzia viveu, não havia a passarela de cimento delimitando o estacionamento para veiculos. O prédio do Pensonato São José também não existia quando ela morreu, em 1957. Das duas mangueiras plantadas no local, só observamos uma, que já não era original, mas transplantada do lado do Teatro das Bacabeiras. A outra mangueira tinha sido cortada. Na casa branca, à direita e ao lado do prédio de dois pavimentos,morou Miquilina Epifânia da Silva, a Tia Milica, filha de Mãe Luzia e bem parecida com ela.

                  Mãe Luzia, como ela era chamada Francisca Luzia da Silva, também se devotou aos desvalidos, ministrando-lhes remédios caseiros, benzendo crianças, curando espinhela caída, cobreiro, carne rasgada, erisipela e problemas da cabeça. Nasceu com o divino dom de “aparar” crianças e nenhuma delas pereceu em suas mãos. Foi contemporânea da Vó Guardiana, a quem auxiliava na condução dos partos. Quando Vó Guardiana morreu, Mãe Luzia ficou atendendo sua clientela. A primeira casa de Mãe Luzia era localizada na esquina da Rua dos Inocentes (depois Coronel José Serafim Gomes Coelho) com a Travessa Floriano Peixoto (depois Presidente Getúlio Vargas). Ela deixou o imóvel sob a responsabilidade do filho Cláudio Lino e foi se estabelecer no Largo dos Inocentes. A segunda casa tinha estrutura em taipa de mão, com vários quartos que ela alugava para caixeiros viajantes e romeiros. Era um casarão de telhado alto situado na esquina da Avenida Mendonça Furtado com a Travessa Francisco Caldeira Castelo Branco (depois Coronel José Serafim Gomes Coelho e atualmente Tiradentes), com frente para o Largo dos Inocentes, também denominado Formigueiro.
Observe a casa localizada ao fundo da passagem entre a velha sede do Senado da Câmara e a Igreja de São José. Ela demorava  a margem da Travessa Castelo Branco, de frente para o Largo dos Inocentes e pertinho da casa da Mãe Luzia. A foto é bem antiga, mostrando como era a Igreja. O espaço da Praça Veiga Cabral justificava muito bem a denominação de Largo da Matriz.

                   Mesmo quando o médico obstetra e cirurgião Cláudio Pastor Darcier Lobato veio para Macapá,em 1944, e passou a chefiar a Unidade Mista de Saúde (que ocupava a área onde foi construída a Biblioteca Pública), Mãe Luzia não foi relegada. Em várias oportunidades o ilustre médico recorreu aos conhecimentos práticos da Mãe Preta da Cidade de Macapá. O Mesmo fez o médico Moisés Salomão Levy, que era pediatra. Sem a posse de suas antigas propriedades rurais, Mãe Luzia precisou lavar e engomar roupas brancas de linho, coisa que ela fazia com perfeição. Sua clientela incluía o Governador Janary Nunes, o Promotor Público Hildemar Maia, o Juiz de Direito José de Ribamar Hall de Moura e muitos outros cidadãos ilustres de Macapá que, nas solenidades mais expressivas, usavam ternos brancos. Por ocasião da festa alusiva a São José, até os macapaenses mais humildes recorriam aos serviços de Mãe Luzia. Quase todo mundo usava roupa branca. Algumas pessoas fantasiosas insistem em dizer que Mãe Luzia foi escrava e por causa disto tinha marcas de chicotadas nas costas. Pura fantasia. Ela costumava lavar roupas sem usar a parte superior de sua vestimenta e quem a via assim jamais lhe faltou com respeito. O quintal de sua residência era paralelo a Rua Tiradentes e não tinha cerca. Quando se debruçada sobre a gamela, esfregando as roupas, seus seios flácidos se misturavam a elas. Eu conhecia muito bem a casa da Mãe Luzia. Volta e meia estava por lá na companhia do amigo Raimundo Nonato da Silva, o “Bigode”, seu neto. Aliás, Mãe Luzia teve um filho com o mesmo nome, cujo apelido era “Bucú”. O filho José Lino da Silva foi vitima fatal de um disparo acidental de revólver pertencente a um caixeiro viajante que, inadvertidamente, o pobre rapaz tirara do quarto do hóspede de sua genitora e à noite mostrava a alguns amigos no canto da Igreja de São José.Um jovem ligado a família pediu para ver a arma e julgando que ela estivesse sem munição apontou-a para o José e puxou o gatilho. Mãe Luzia sofreu muito com a morte do filho. A porta de entrada dava num longo corredor que se estendia até a porta do quintal. Os quartos e a cozinha ficavam do lado direito de quem entrava no imóvel. Pelo menos dois quartos da frente eram alugados a terceiros.  Quando íamos apanhar grumixama (também chamada ameixa, jamelão e azeitona de cabrito) ela gritava: “ Pêra aí, seus cornos, vocês já vão manchar de nódoa as minhas roupas do quaradouro?”. Faleceu dia 23 de setembro de 1957, com 88 anos de idade. Estava alquebrada e tinha os cabelos brancos como um nicho de algodão. Sua morte deixou os moradores de Macapá imersos em profunda tristeza. O enterro ocorreu no Cemitério Nossa Senhora da Conceição, a direita de quem ingressa naquele campo santo, rente ao passeio que leva ao Cruzeiro e a capela. O corpo de Mãe Luzia foi inumado na mesma sepultura onde se encontrava o José Lino. A morte de Mãe Luzia encerrou o ciclo das renomadas parteiras e mulheres de múltiplos conhecimentos com plantas medicinais. Ela e Guardiana Mendes da Silva, a Vó Guardiana despontam como verdadeiros anjos benfazejos da comunidade macapaense. Vó Guardiana ou Guardina teve vida longa, alcançando 102 anos de idade. No local da primeira casa de Mãe Luzia ainda mora uma das suas neta. O imóvel que ela ocupou até morrer foi desapropriado em 1970, para o alargamento da Rua Tiradentes. Na parte do terreno que não virou leito de rua foi erguido um prédio em alvenaria onde funcionou o Cartório Jucá.         
Prédio onde funcionou o Cartório Jucá. Da esquerda para a direita vemos os senhores Ben Hur Correa Alves, (escriturário), Francisco Torquato de Araújo (Escrevente Juramentado), Cícero Silva (comerciante e vizinho do Cartório) e Jacy Barata Jucá (Tabelião Substituto). Todos conheceram Mãe Luzia e eram seus amigos. O imóvel foi construido absorvendo uma parte do que restou da sua casa. Francisco Torquato,de camisa branca, era mazaganense e conterrâneo da Mãe Preta de Macapá.


terça-feira, 29 de novembro de 2011

REMANSO E ELESBÃO


                                                    
        Por Nilson  Montoril
A presente fotografia foi tirada em 1954, no transcurso de décimo ano da instalação do Território Federal do Amapá. O Remanso e o Elesbão já despontavam como pontos de preferência dos interioranos paraense que se mudaram para Macapá. Muitos moradores de outros bairros faziam algumas das suas compras na área evidenciada, onde visualizamos o Mercado Central inauguado no dia 13 de setembro de 1953.
                        Ao lado direito do platô de terra firme onde está edificada a imponente Fortaleza de São José de Macapá, havia uma reentrância denominada remanso. Tinha este nome porque naquela pequena enseada as águas do Rio Amazonas não corriam com tanta força. Existem dois conceitos bem definidos sobre remanso: a) contracorrente junto à margem de um rio; b) trecho de rio que não apresenta corrente apreciável. Na faixa litorânea que hoje integra os bairros, central e Santa Inês, instalaram-se alguns dos primeiros escravos trazidos pelos imigrantes açorianos que aqui chegaram a partir de 1751. Antes da vinda dos açorianos, por volta de 1738, um contingente de soldados chefiados por um capitão já ocupava espaço no platô, erguendo um forte de faxina. No final de ano de 1751, 86 casais de açorianos iniciaram a construção da igreja e dos tijupares que iriam abrigá-los. As instalações destes prédios eram bem simples e dominaram a área de abrangência da grande fortaleza. Enquanto os açorianos se devotavam a São José e faziam suas festas em louvor ao Espírito Santo, os negros mantinham suas tradições religiosas acobertadas pela veneração a Santo Elesbão. Este santo da Igreja católica teria sido descendente de Salomão e da Rainha de Sabá. Foi o 47º imperador da região da Etiópia, pais que dominava vasta região a oeste do Mar Vermelho. Santo Elesbão viveu no século VI dC e foi contemporâneo do Imperador romano Justiniano. Combateu e venceu os hameritas, anulando a rebelião que eles tinham desencadeado. Abdicou o trono da Etiópia a favor do filho e rumou para Jerusalém. Posteriormente se retirou para o deserto e aí viveu como monge anacoreta até falecer no dia 27 de outubro de 555. Por ser um santo negro, ganhou a devoção dos escravos africanos difundida principalmente pelas Irmandades de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Santo Elesbão e Santa Efigênia, rainha da Núbia, filha do rei Egyppo que foi batizada pelo apóstolo Mateus. Curioso é que os próprios imigrantes portugueses e açorianos eram chamados de Elesbão, certamente devido ao fato de não serem considerados de sangue puro. Consta que os imigrantes de pele clara ou parda, que não eram escravos, deveriam ser identificados com o nome da localidade de onde provinham. Os embarcados em Lisboa teriam seus nomes incluídos na relação titulada como Lisboa. Entretanto, o escrivão da alfândega equivocou-se e escreveu Elesbão em vez de Lisboa. Com o passar do tempo muitas pessoas incorporaram a palavra Elesbão ao nome de batismo.
Em 1957, o aspecto da cidade de Macapá era o que vemos na fotografia. Ao lado esquerdo da Fortaleza passava o Igarapé do Igapó. À direita , ao abrigo da correnteza estava o Remanso e em seguida o Elesbão.O Mercado Central demorava no centro da Praça Coronel Manuel Theodoro Mendes.
                        Sobre a praia do remanso, no terreno do entorno oeste da fortaleza e na área do Elesbão,os moradores de Macapá, que apreciavam residir na margem do rio, foram construindo suas habitações. No trecho identificado como Elesbão, atualmente cortado pala Avenida Hélio de Souza Pennafort, que começa na Avenida Henrique Antônio Galucio e termina da avenida 1º de Maio, vários pioneiros da edificação do povoado de Macapá formaram um aglomerado urbano. Este amontoado de casinhas e gente perdurou até meados da década de 1980, ocasião em que o Governador do Território Federal do Amapá, Annibal Barcellos, o extinguiu e transferiu os moradores para o bairro Nova Esperança. O aterro da área do remanso, do Elesbão e do igarapé do Igapó começou a ser feito em 1978, durante a gestão do Governador Arthur Azevedo Henning. A contar de 1979, os trabalhos foram intensificados pelo Comandante Annibal Barcellos, se estendendo pela orla de Macapá até as proximidades do igarapé Jandiá, dando origem à Praça Abdalla Houat, Praça Jacy Barata Jucá e expansão do Perpétuo Socorro. Para iniciar o aterro dos trechos citados o DNOS procedeu à drenagem da praia onde seriam construídas as rampas acostáveis do bairro Santa Inês, do Igarapé das Mulheres e próximo ao canal do rio Amazonas. Somente na conclusão do aterro utilizou-se laterrita. O Elesbão era uma referência para quem queria comprar peixe, carne de caça, frutas e açaí que os caboclos das ilhas fronteiriças a Macapá traziam para comerciar. Ali morou uma senhora sobejamente conhecida em Macapá como Maria Mucura. Com todo respeito à sua memória, o rosto da ditosa senhora era tal e qual a cara do marsupial devorador de aves. O pequeno declive existente perto de sua casa ficou famoso como baixa da Maria Mucura. É claro que ela não gostava do apelido e xingava os desrespeitosos até a milésima geração.Moradores do bairro do Trem de Lapidação e adjacências que gostavam de degustar uma cachacinha da marca Alvorada não deixavam de passar no boteco do seu Neco Brito e deliciar, de uma talagada só, o famoso produto advindo de Abaetetuba. Na volta para casa voltavam a encostar-se à birosca que não tinha nome para engolir a saideira. No entorno da Fortaleza, junto ao remanso, foi instalado um matadouro municipal. Sobre a praia funcionou um abatedouro de porcos pertencente ao senhor Pedro Pinheiro Borges. Também existiu um dançará na área, cujo nome parece ter sido “Bela Vista”. Quando a “porrada comia no centro”, dava gosto ver os brigões caírem na lama ou na água. Sujos e molhados iam depurar a maldita cana e sossegar o facho na Delegacia de Polícia. Ambiente mais calmo era o “Bananeira”, aprazível recanto onde uma família do local promovia festas e vendia refeições. Só funcionava nos fins de semana. Quem caísse na besteira de beber, comer e não pagar era sumariamente denunciado na Polícia e esconjurado pelo resto da vida e mais três meses.

O Remanso desapareceu entre os anos de 1979 e 1980, quando foi aterrado.A fotografia acima postada é de 1978, ocasião em que o Igarapé do Igapó tinha desaparecido da paisagem. Observe o traçado do arremedo de via pública que hoje está asfaltado e tem o nome de Avenida Rio Maracá. O Boteco do seu Neco funcionava na esquina desta avenida com a Rua São José, em frente a Casa Theco. Próximo ao Mercado Central já existiam os anexos, 3 de cada lado




sexta-feira, 4 de novembro de 2011

CUIDADO COM O NAVIO DOS CABELUDOS

                         

          Por  Nilson Montoril
Morando na beiro do rio, o caboclo não é tão indolente como algumas pessoas pensam. Nem sempre o rio e a floresta lhe favorecem na obtenção dos meios necessários a sua subsistência. Distante dos grandes centros e sem a assistência à saúde necessária, enfrenta sérios problemas. Em tempos idos a situação do caboclo era mais complicada. Atualmente, a maioria tem cartões de programas públicos, telefone celular, luz elétrica, transporte motorizado e político como padrinho e protetor.

                        Durante toda a minha infância, passada em Macapá, ouvi os macapaenses de mais idade dizerem aos meninos que temiam ir ao barbeiro: “cuidado com o navio dos cabeludos”. Os que migraram para cá após a implantação do Território Federal do Amapá, que não eram interioranos do marajó e regiões adjacentes nos diziam: “o barbeiro tem família”. Eu e os outros garotos escutávamos estas coisas e indagávamos o porquê deveríamos ter cuidado com o tal navio. Um dia perguntei ao meu saudoso pai, Francisco Torquato de Araújo, qual a função da embarcação que a molecada temia e que nunca aparecia. Ele me contou que não houve propriamente um navio com o propósito de pegar os meninos que não gostavam de cortar o cabelo e sim a execução de campanhas de atendimento médico e social ás pessoas carentes que residiam na Ilha do Marajó, Macapá, Mazagão e baixo-amazonas. A campanha fazia parte do governo itinerante instituído pelo Interventor Federal no Pará, Magalhães Barata, que visitava frequentemente as vilas e cidades interioranos levando médicos, enfermeiras, odontólogos, barbeiros, funcionários públicos dos serviços de expedição de carteiras de identidade, carteira de trabalho, certidões de nascimento, casamento, óbito e muitos medicamentos. 
Magalhães Barata, quando Interventor Federal do Estado do Pará (1930-1935). Tanto quanto Getúlio Vargas soube executar o populismo. Soube tirar partido das campanhas de saúde pública, executadas prioritariamente no interior do Pará

Este tipo de campanha de saúde pública foi organizado nos moldes das campanhas militares, haja vista que o povo tinha o costume de não prestigiá-las. Assim, todos eram obrigados, pela força, a se submeterem as práticas sanitaristas. Os portadores de doenças contagiosas eram afastados dos sadios e ficavam praticamente encarcerados, caso contrário fugiam. Esta maneira de agir da população interiorana não acontecia por acaso. Até 1923, a política de saúde pública não fazia parte da agenda do governo. No ano em referência surgiu o sistema previdenciário e foram criadas as Caixas de Aposentadoria e Pensões-CAPs. Porém, apenas os beneficiários das CAPs recebiam atendimento médico. Não havia política Nacional de Saúde. Até 1930, a assistência médica individual das classes dominantes era feita pelos profissionais legais da medicina, os chamados médicos de família. O restante da população era atendida por entidades filantrópicas através de hospitais mantidos pela Igreja Católica e recorria à medicina caseira. Nas duas primeiras décadas do Século XX, as ações de saúde pública foram vinculadas ao Ministério da Justiça, cabendo aos estados controlar as endemias, epidemias, fiscalização de alimentos, portos e fronteiras. Em 1930, a Saúde Pública foi anexada ao Ministério da Educação tornando-se encargo do Departamento Nacional de Saúde Pública, com foco principal nas atividades sanitárias. Criados neste ano, os sanatórios para tratamento da tuberculose e hanseníase. Em decorrência de um acordo firmado com os Estados Unidos da América, em 1942, o governo do Brasil criou o Serviço Especial de Saúde Pública-SESP, dando apoio aos trabalhadores envolvidos na produção da borracha que não eram  assistidos pelos serviços tradicionais.A campanha realizada pelo governo de Magalhães Barata foi rotulada em anos recentes como Operação Cívico-Social, ou simplesmente ACISO. Deu excelentes resultados, mas despertou a ira dos figurões da política adversária. Eles diziam que o Interventor Federal havia abandonado Belém. O jornal Folha do Norte desenvolveu intensa campanha antibaratista e acabou contagiando grande parte da população belenense. Enquanto isso acontecia, os interioranos recebiam atendimentos diversos. Até pequenas cirurgias foram feitas em pessoas que poderiam ter morrido por falta de assistência médica. Curativos, aplicações de vacinas e antibióticos, extrações de dentes, cortes de cabelo, combate a piolhos, a bichos do pé e outros serviços foram prestados. A ordem era pegar na marra os resistentes e submetê-los a ação médico-social. Os moleques eram os campeões do medo. Tiveram que ser agarrados por policiais para que os barbeiros, dentistas e enfermeiros fizessem seus trabalhos. No meio dos fartos cabelos que eles apresentavam viviam centenas de piolhos. 
O phthiraptera, piolho em grego, se alimenta de sangue, de residuo de epiderme e de secreções sebaceas. Há mais de 3 mil espécies de piolhos no mundo. Eles possuem 3 pares de pernas, são desprovidos de asas adoram cabelos limpos.Não fazem distinção entre crianças e dultos. O piolho é citado até na Biblia e se hospeda na cabeça, nas roupas e na região pubianas e perineal dos seres humanos(chatos).Também atacam aves,gatos,cães e bois,mas estas espécies não infectam os humanos. Cada fêmea bota de 4 a 10 ovos por dia que eclodem em 4 semanas. O combate ao piolho deve ser coletivo, principalmente nas escolas.Não se deve usar pentes, bonés,chapeus,capuchos,lençóis, redes e roupas de outras pessoas.

Por isso, o corte tinha que ser feito com máquina zero, deixando apenas uma singela "pastinha". O estrago que os piolhos faziam nos homens e mulheres deixava os médicos abismados. Feridas em profusão havia na cabeça e na nuca da maioria das pessoas. Na tentativa de eliminar os piolhos, as mulheres passavam óleo de andiroba e de pracaxi nos cabelos. Outras utilizavam vinagre morno. Após os cortes de cabelo das mulheres, os barbeiros jogavam “neocid” na cabeça das mais atacadas pelos piolhos e a enrolavam com pano branco. Algumas horas depois, quando o pano era retirado, uma quantidade "disconforme" piolhos mortos era vista. Ao passar o pente fino nos cabelos outra impressionante quantidade caia na toalha, alguns ainda vivos.Com tanto piolho na cabeça, o cristão sentia muita coceira, afinal de contas, o piolho se alimenta de sangue duas ou tres vezes por dia. Esfregando as unhas sobre o couro cabeludo e pescoço, a pessoa acabava ferindo-os  e provocando o surgimento de feridas, caminho aberto para fungos e bactérias. O rebaixamento dos cabelos  permitia que os enfermeiros limpassem estas feridas e aplicassem remédios sobre elas, quase sempre sulfa ou pomada secativa São Lucas. Não foram poucos os registros de óbito de interioranos em decorrência da  chamada “febre de trincheira”. Esta denominação surgiu durante a I e a II Guerras Mundiais devido à morte de soldados atacados por piolhos dentro das trincheiras. 

Na fase do Amapá como Território Federal a Operação Aciso foi realizada inumeras vezes. A Banda de Música da Polícia Militar era um bom recurso para atrair as crianças. A fotografia postada acima foi tirada na Vila do Igarapé do Lago do Rio Anauerapucu (1980). A Banda da PM também executava o Hino Nacional, dobrados,marchas e músicas da Jovem Guarda.





sexta-feira, 28 de outubro de 2011

DOENÇAS DE MAU CARÁTER


                                                                                          Por Nilson Montoril


Esta foto da cidade de Macapá foi tirada em 1978, ano em que foi feito o aterro das áreas alagadiças cortadas pelo Igarapé do Igapó à esquerda da Fortaleza de São José. O núcleo populacional do povoado foi assentado, em 1751, no espaço onde, entre 1764 e 1782, os portugueses ergueram a bela fortificação. No citado local residiram os primeiros casais de açorianos mandados para a antiga Província dos Tucujus. Cerca de 80 povoadores morreram em decorrência das febres de mau caráter
                   Os colonizadores portugueses rotulavam como doenças de mau caráter a malária, o sarampo, a varíola e as febres motivadoras de diarréias sanguinolentas. A malária manifestou-se desde o inicio da colonização do Brasil. Já em 1549, o Padre Manuel da Nóbrega se referia à malária como terçã (ou febre terçã, que se repetia a cada três dias) quartã, sezão, maleita, paludismo e carneirada. O primeiro surto de varíola ocorreu no período de 1561 a 1565, irrompendo principalmente na Bahia, se alastrando por São Paulo de Piratininga. O Padre Leonardo do Vale, que exercia suas atividades sacerdotais na Bahia, registrou que a varíola matava tanta gente que não havia quem se dispusesse a cavar covas fundas com medo de ser contaminado pela terrível doença. Alguns corpos eram enterrados sob monturos e ao redor das casas. Tão mal enterrados que os porcos os descobriam e comiam. Os indivíduos que os sepultavam eram contaminados e morriam a mingua No decênio de 1580, conforme registrou Gabriel Soares de Souza a malária marcou sua presença entre os indígenas. Desprovidos de recursos médicos utilizados pelos portugueses, os índios buscavam a cura alimentando-se de mingau de farinha de carimã e untando-se com água de jenipapo. Acredita-se que a malária chegou ao Brasil trazida pelos navios que transportavam escravos. Julgavam que sim porque Angola estava sujeita às mesmas carneiradas, com que morrem muita gente.

Mulher com o rosto coberto por pequenas bexigas cheias de pus. Antes das pustulas aparecerem a pessoa atingida pela varíola tem febre altissima e o virus fica incubado de 7 a 17 dias. No período agudo da doença as bexigas despontam o paciente tem febre baixa. A variola é uma das enfermidades mais devastadoras da história da humanidade(Foto do Portal Passeiweb-Sala de Aula)

                   Em 1662, uma epidemia de varíola teve inicio no Maranhão e se espalhou pelo litoral brasileiro até São Paulo. Só no porto de Santos ela vitimou um terço da população. Na Bahia, entre os anos 1680 e 1684, o surto de varíola foi considerado castigo do céu. A doença atingiu em cheio principalmente as famílias numerosas, com até 50 pessoas, que viviam em casas pequenas e dormiam amontoadas. Também pereceram escravos e agregados. No Pará, a varíola surgiu de maneira fulminante nos anos de 1720, 1724, 1740, 1743 a 1749. Foi tão agressiva que ceifou a vida de 40 mil pessoas. Conhecida como a peste das “bexigas”, a varíola marcou sua passagem pelo Maranhão, em 1724,, 1730, 1785-1787 e 1799. Em Pernambuco em 1705 a 1715 e 1793. Na Bahia em 1732 a 1733. Em São Paulo em 1723 a 1730, 1741 a 1744, 1761 e 1798. Em Goiás em 1771.
As crianças são as maiores vítimas da variola. Antes do aparecimento das pústulas a pessoa atingida pela variola tem febre alta e inflamação na garganta e fossas nazais. O risco da inflamação atingir a vista é consideravel, por isso as pústulas não devem ser rompidas com os dedos, haja vista que a criança pode esfregar os olhos em seguida.(Foto do Portal São Francisco)
                   A sujeira era um terrível hábito dos moradores das vilas e cidades. Toda a imundície gerada nas casas era direcionada para as ruas, travessas e vielas. Até 1617, as ruas das cidades não eram calçadas e a água da chuva arrastava para o leito das vias públicas detritos diversos e dejetos humanos ladeira à baixo. Imagine que uma importante ladeira de Salvador era rotulada como “Ladeira da Preguiça”, visto que o transeunte cauteloso tinha que andar muito devagar para vencê-la, notadamente subindo-a. Em 1817, no Rio de Janeiro, a pavimentação das ruas era ruim e a iluminação fraca. Animais e escravos viviam vagando pelas ruas e nelas faziam as suas necessidades fisiológicas. Em 1768, o marques do Lavradio, governador e capitão-general da Bahia, em carta direcionada ao rei de Portugal, afirmou o adiantamento do Brasil ocorria muito devagar. Em 1798, Luis dos Santos Vilhena, professor de grego em Salvador, disse que o Brasil “era a morada da pobreza, o berço da preguiça e o teatro dos vícios”. Indagava em seguida: “Por que um país tão fecundo das produções da natureza, tão rico em essências, tão vasto em extensão, há de ser habitado por um tão diminuto número de colonos, a maior parte pobre, muitos deles esfaimados”.
Cemitério ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Minas Gerais.

A resposta pode estar no fato de as elites portuguesas, formada pelos intelectuais, ficarem tomadas de verdadeiro pavor quando se falava em mudar a situação do Brasil colônia. Isto porque a mudança poderia tirar o povo desvalido da dominação dos poderosos. O Estado português via o Brasil como uma fonte perene de renda. O povo que o habitava ficava a mercê do sentimento do rei. Todos dependiam da sua bondade. No Estado do Grão Pará, por volta de 1752, o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado rogava ao Marques de Pombal, seu irmão e primeiro ministro do rei, que o tirasse do Brasil assim que completasse três anos de gestão. Mendonça Furtado dizia que se achava cercado de “miseráveis ignorantes”. Ele permaneceu como governador do Pará até 1759, deixando o cargo para ser o titular dos Negócios Ultramarinos de Portugal. Enfrentou muitos problemas,mas soube lidar com os mais incisivos.
Cemitério construido ao lado da Igreja de São João, na cidade de Nuremberg. As pessoas nele sepultadas certamente pertenciam a alguma confraria religiosa e integravam famílias com boas posses. Observa-se que tudo é bem urbanizado.

                  O citado governador chegou a Belém em setembro de 1751 e encontrou a população enfrentando uma epidemia de varíola, cujo inicio se deu em 1750, e continuou implacável até 1758. Em março de 1752, ao visitar o povoado de Macapá, que mandara instalar em novembro de 1751, Mendonça Furtado soube que oitenta moradores tinham morrido vitimados por febres e diarréia sanguinolenta. Os açorianos eram maioria entre os mortos. Índios e negros cativos também pereceram. À época, só os mortos ilustres eram enterrados nas igrejas, deixando o interior dos templos dominado pela podridão dos cadáveres.




sábado, 8 de outubro de 2011

O PRIMEIRO CIRIO DE NAZARÉ EM MACAPÁ

           

        Por Nilson Montoril
Imagem de Nossa Senhora de Nazaré existente na Basílica que o povo do Pará ergueu no lugar da primitica ermida, em Belém. É cópia fiel da imagem encontrada pelo caboclo Plácido José de Souza no igarapé Murutucu, trecho da Estrada do Maranhão.  

                        Os católicos de Macapá e Mazagão tradicionalmente iam passar o círio de Nossa Senhora de Nazaré em Belém. Como a maioria dos devotos era constituída de pessoas carentes de recursos financeiros, os proprietários de embarcações que não perdiam a grande festa transportavam os que lhe eram mais próximos. Isto acontecia desde o ano de 1793, quando o governador do Pará, Francisco de Souza Coutinho realizou o primeiro círio. Os preparativos começaram a partir do dia 14 de setembro de 1790, depois que o Papa Pio VI concedeu a autorização requerida pelo gestor paraense. Sua Santidade fez a exigência de que a festa deveria ser realizada de acordo com a tradição portuguesa. A comissão constituída para organizar a festa foi orientada a incluir na programação uma feira geral onde os produtores do interior exporiam deus produtos no largo da ermida de Nossa Senhora de Nazaré. O primeiro Círio de Belém aconteceu no dia 8 de setembro de 1793, à tarde, seguindo o roteiro que ainda hoje é respeitado. Anualmente, os produtores de Macapá e Mazagão iam a Belém levando grandes balaios de castanha, cacau e frutas diversas. Os gestores municipais eram obrigados a promover a ida destes agricultores, mas acabavam arcando com as despesas da viagem dos que se viam motivados pela fé. 
Pintura que retrata o exato momento em que Dom Fuás Roupinho, irmão natural do Rei de Portugal, Dom Afonso Henrique viu seu cavalo estancar sobre as patas trazeiras depois que ele clamou por Nossa Senhora de Nazaré. Dom Fuás Roupinho perseguia um veado e, fatalmente, sem a ajuda divina, cairia no precipício que estava a sua frente.


Com a queda do preço da borracha, na primeira década de 1900, os Intendentes Municipais sentiram a pressão do povo católico que exigia deles o fornecimento de passagens fluviais. No inicio do ano de 1934, cansado de ser pressionado para mandar devotos a Belém, o Intendente de Macapá, major Eliezer Levy, que era membro da comunidade judaica do Pará, prepôs ao Padre Phelipe Blanck, vigário da Paróquia de São José, a realização do Círio de Nossa Senhora de Nazaré em nossa cidade. Sua proposta foi discutida pelas associações religiosas então existentes e aprovada. As providências iniciais começaram a ser tomadas em seguidas reuniões realizadas na sala de audiência da Intendência Municipal, redundando na eleição da diretoria da festa que ficou assim constituída: Juizes de Honra – Interventor Federal no Pará, Joaquim de Magalhães Cardoso Barata; Deputados Abel Chermont, Clementino de Almeida Lisboa e Acylino de Leão Rodrigues; Intendente Municipal de Macapá, Eliezer Moisés Levy. O Dr. Acylino, natural de Macapá, era médico, literato, professor e político. Fizeram parte da Diretoria: Phelipe Blanck (vigário de Macapá), Dr. João Gualberto Alves de Campos (Juiz de Direito da Comarca de Macapá), Tenente-Coronel Jovino Albuquerque Dinoá (coletor federal e fundador do jornal Correio de Macapá), Clodóvio Gomes Coelho (comerciante e político), José Maria de Sant’Ana ( segundo faroleiro de Macapá), Vicente Ventura (comerciante) e Secundino Braga Campos( comerciante, pecuarista e político). A única imagem de Nossa Senhora de Nazaré existente em Macapá pertencia à família Serra e Silva que a cedeu à Paróquia de São José. A berlinda foi montada sobre um velho automóvel, devidamente adaptado para os fins religiosos. A programação fixou os dias 3 e 4 de novembro de 1934, para a transladação e o círio respectivamente. Às 20h30, de 3 de novembro, um sábado, os fieis se concentraram em frente a casa  da família Serra e Silva, situada à Travessa Coronel José Serafim Gomes Coelho(resta apenas o trecho conhecido como Passagem Barão do Rio Branco), no Largo dos Inocentes, área atrás da Igreja de São José, de onde saiu a trasladação. O povo, conduzindo archotes e círios, seguiu pela Passagem Espírito Santo (entre a igreja e a Farmácia, hoje Biblioteca Pública), Avenida Siqueira Campos (Mário Cruz), dobrou à direita na Rua Visconde de Souza Franco (Rua Amazonas), virando à esquerda para alcançar a Rua 24 de Outubro (chamada pelo povo de Rua da Praia) até a casa do Oficial do Registro Civil Cesário dos Reis Cavalcante onde a imagem pernoitou.
Trecho da Travessa  Siqueira Campos, atual Avenida Mário Cruz, por onde passou a primeira romaria do cirio realizado em Macapá em 1934.

                        No domingo, dia 4 de novembro, o foguetório iniciado às 6 horas saldava o novo dia e convocava os devotos para a grande festa. Ás 8 h, teve inicio a romaria. Á frente do cortejo ia um piquete formado por 60 cavaleiros armados de lanças que, com clarins e fanfarras anunciavam ao povo a passagem da procissão. A seguir, vinha o anjo Custódio, imagem colocada sobre o dorso de um boi manso chamado Beleza, seguido de uma corte de anjinhos ricamente trajados. Depois, o carro dos milagres, onde se via uma reprodução da imagem da Virgem de Nazaré que salvou a vida de Dom Fuás Roupinho. Marujos carregavam barquinhas votivas, em ondas e maresias, dando um cunho pitoresco à procissão. Por fim, a Berlinda puxada à corda por devotos, acompanhada por autoridades e do povo até alcançar a Igreja de São José.
Igreja de São José reformada em 1949, pelos padres italianos. A Passagem do Espirito Santo é a que se situava ao lado direito do tempo, sendo mais larga doque a Passagem de Santo Antônio, à esquerda.

Durante o transcurso da romaria uma banda de música tocava hinos em louvor a Nossa Senhora. No fim do cortejo houve missa e depois o leilão dos doados à Mãe de Jesus, repetido na segunda-feira, dia 5 de novembro, pela manhã. A festa durou apenas oito dias, com reza diária do terço, ladainha e cânticos. No arraial havia brincadeiras diversas, venda de produtos da região e de comidas típicas. Na época Macapá não possuía luz elétrica e os candeeiros, lampiões, archotes e velas foram usados para clarear o Largo da Matriz. Ainda no dia 5 teve inicio a festa de São José, que deixou de acontecer em março devida as fortes chuvas. No domingo, 11 de novembro, o Padre Phelipe Blanck celebrou a Santa Missa e um Te Deum. À tarde, houve uma procissão feita em redor da Praça Capitão Augusto Assis de Vasconcelos (Veiga Cabral). Na segunda-feira, dia 12, deu-se o recirio em um curto percurso entre a Igreja de São José e a casa da família Serra e Silva dona da imagem da santa. Nos anos de 1935 e 1636, a imagem de Nossa Senhora ainda pertencia a particulares. Apenas em 1937, a comunidade católica de Macapá doou uma imagem à Paróquia de São José.