segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

LARGO DOS INOCENTES


         Por Nilson Montoril

O estacionamento construido no centro do Largo dos Inocentes, com uma calçada central e as duas pistas que a ladeiam existe há pouco tempo. Na área funciona a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, alguns estabelecimentos comerciais e residências. Comentários que circulam nos noticiários policiais afirmam que ali está surgindo uma "cracolândia". Os consumidores de drogas estariam sendo atraidos por um bar que também possui quartos para aluguel. Se o Largo dos Inocentes tivesse sido tombado como sitio patrominial  sua utilização mudaria completamente.

                        O Largo dos Inocentes consta na planta da Vila de Macapá traçada em 1761. As casas dos moradores deveriam ser construídas nas suas duas laterais, após a Igreja de São José. A largura do logradouro correspondia ao trecho ocupado pelo templo e pelas duas travessas que o separavam da Casa Paroquial e do Senado da Câmara, respectivamente a Travessa de Santo Antônio e a Travessa do Espírito Santo. No ponto de fundo do largo, paralelo a igreja, ficava a última via pública da vila, que ostentava o nome do fundador de Belém do Pará, Capitão Francisco Caldeira Castelo Branco. Uma passagem, denominada anos mais tarde de Coronel José Serafim Gomes Coelho interligava o Largo dos Inocentes com a Rua General Gurjão e a Brás de Aguiar( Avenida Coriolano Finés Jucá), cortando a Travessa Floriano Peixoto( Avenida Presidente Getúlio Vargas). Ao lado esquerdo da Igreja de São José o espaço abrigaria a casa do vigário Miguel Ângelo de Moraes. No lado oposto foi construído o prédio do Senado da Câmara (atual Biblioteca Pública Elcy Lacerda). As casas que circundavam o Largo dos Inocentes tinham paredes barro (taipa de mão), assentadas em traçados de varas de taboca (bambu), atracadas a esteios de aquariquara. Não havia espaço entre uma casa e outra. De cada lado figuravam aproximadamente 15 casas. Ao longo da existência de Macapá, inúmeras famílias ocuparam as moradias. Em anos mais recentes, que antecederam a criação do Território do Amapá, famílias tradicionais ali se estabeleceram, entre elas: os Lino da Silva, os Tavares do Carmo, os Tavares de Almeida, os Serra e Silva, os Lino Ramos, os Tavares Gaia, os Lemos da Silva, os Mariano Picanço, os Gaias, os Praxedes de Mendonça, etc. O Largo dos Inocentes tinha então a maior concentração populacional de Macapá e as famílias mais numerosas, por isto dizia-se que o local parecia um formigueiro humano.

Cena tomada da Avenida Tiradentres mostrando o Largo do Formigueiro sem o estacionamento. Havia na área duas mangueiras. A que ficava em frente ao portão de acesso ao Pensionato São José foi cortada antes deste flagrante fotográfico. Consta que colocaram veneno no tronco da outra árvore porque sua copa ficava rente as janelas de alguns quartos e as pedras atiradas pelos moleques causavam prejuizos. A mangueira que hoje existe no largo foi transplantada do lado do Teatro das Bacabeiras pelo Luiz Cabral. Observe que, entre o prédio da Diocese e a Igreja de São José ainda não havia grades de ferro e o povo trafegava livremente pela Passagem Santo Antônio.Pelo lado direito da Igreja  o tráfego de veículos era feito normalmente. O campo de futebol da molecada perna de pau era entre a Igreja e a mangueira.
                        Em 1948, com a chegada dos Padres Italianos, a configuração do Largo dos Inocentes mudou. O trecho da Travessa José Serafim Gomes Coelho, entre o Largo e a Avenida Presidente Vargas (ex-Travessa Floriano Peixoto) foi fechado devido a ampliação da área que o Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras – PIME, que congrega padres italianos e ainda permanece entre nós, precisou para instalar o Oratório Festivo e Recreativo São Luiz. As casas edificadas entre a passagem e a casa do vigário foram desapropriadas. O domínio dos Padres ganhou cerca e virou “Quintal dos Padres”, local muito freqüentado pelas crianças da Paróquia de São José, inclusive por mim. Na área conquistada foram construídos: O Salão Paroquial Pio XII, a quadra polivalente de vôlei, basquete e futebol-de-salão, a Escola Paroquial São José, a sede da Juventude Operária Católica, a sede do Grupo de Escoteiros Católicos São Jorge, o Pensionato São José, a sede do Juventus Esporte Clube e o Cine Teatro João XXIII. No Salão Paroquial era celebrada a Santa Missa de Domingo, encenadas as peças teatrais dos meninos e das meninas e as exibições cinematográficas em máquinas de 16 milímetros. Depois da missa, os moleques ruins de bola jogavam futebol no Largo dos Inocentes, a despeito do solo ser duro e repleto de piçarra.

Na presente fotografia, tirada provavelmente num final de semana ou feriado não vemos veiculos estacionados nos espaços que lhes são reservados. O cenário está um pouco diferente na atualidade, persistindo os problemas causados por "biriteiros" e possiveis consumidores de substâncias tóxicas prejudiciais à saúde. O Oratório Festivo não existe mais. O Pensionato São José, prédio de quatro pavimentos à esquerda da foto, passa por reformas e terá outra destinação

                        O Largo dos Inocentes tem este nome por causa da Rua dos Inocentes que ligava a Rua do Lago (General Gurjão) e a atual Coriolano Jucá, que já teve a denominação de Braz de Aguiar e se estendia desde a Vila Santa Ingrácia até estradinha que dava acesso ao “campo de pouso de aviões” da cidade. Curioso é que, até hoje, alguns macapaenses não dizem aeroporto,mas areoporto No Largo dos Inocentes eram realizadas as festas em louvor a Nossa Senhora Menina, ao Menino Jesus e aos pequenos Mártires Inocentes do inicio do cristianismo. Os festejos destinados a São Raimundo Nonato, São Luiz Gonzaga, São Benedito, São Sebastião e Nossa Senhora do Rosário aconteciam no interior da igreja. A parte litúrgica em louvor ao Divino Espírito Santo e à Santíssima Trindade também. Porém, desde o tempo em que o Padre Júlio Maria Lombaerd foi Vigário da Paróquia de São José, a parte profana ocorria no Largo de São João e foliões embriagados já não tinham acesso ao interior da igreja dançando e conduzindo as bandeiras das duas divindades patronas do folguedo. Bem definido pelo aludido sacerdote, com a aceitação dos católicos praticantes, o evento ganhou o titulo de Festa das Coroas, desdobrada em duas quadras: Divino Espírito Santo e Santíssima Trindade. Os festeiros e os foliões do chamado Marabaixo não dispensavam costumeiras visitas ao Largo dos Inocentes, principalmente no período em que faziam o recolhimento dos donativos. Ainda assim, tinham que prestar contas ao Padre Júlio, afinal de contas não é ético e moral alguém colocar santo em esmola e se apropriar do dinheiro e bens arrecadados. O local já abrigou o Arraial de São José e Feira dos Agricultores.
                        Nos dias atuais, o Largo dos Inocentes está muito descaracterizado, mas continua a mexer com a imaginação de muita gente. Há até quem diga que naquele espaço existiu um cemitério. Outros dizem que era um cemitério só de crianças não batizadas, daí a termo inocente. Não me consta que no catolicismo as crianças pedem a inocência depois do batismo, já que o sacramento instituído por João Batista lhes é ministrado em tenra idade. No período em que presidi o Conselho Estadual de Cultura (2004 a 2010), foi gerado um processo visando o tombamento do Largo dos Inocentes, pelo seu valor histórico e etnográfico. Os governantes não lhe deram a atenção devida.

Nenhum comentário: