FILHOS DA MALÁRIA
Nilson Montoril
Assim
passaram a ser chamados os migrantes nordestinos trazidos para a Amazônia para
elevarem a produção da borracha no Brasil. Embora fossem rotulados como
Soldados da Borracha, sendo inclusive recrutados pelo Exército Brasileiro para
tão importante atividade, acabaram largados nos seringais sem receberem a
assistência médica e social devida. Estabelecidos em áreas inóspitas, os
soldados da borracha chegavam a passar até seis meses no meio da mata e
enfrentaram de peito aberto a malária ou paludismo, que ainda hoje mata mais de
3 milhões de pessoas por ano, uma taxa só comparada com a SIDA/AIDS.Principal
parasitose tropical, a malária é uma das mais freqüentes causas de morte de
crianças em vários países, principalmente na África. Segundo a Organização Mundial
da Saúde, a malária mata uma criança africana a cada 30 segundos. Quem
sobrevive sofre danos cerebrais graves. Malária é termo de origem italiana internacionalizado.
Antes dele aplicava-se o termo sezonismo, de sezão. É uma doença infecciosa
aguda ou crônica causada pelo protozoário parasita do gênero Plasmodium,
transmitida pela picada do mosquito Anopheles fêmea. No século XIX surgiu a
expressão paludismo, forma latinizada de paul, palude, com o sofismo ismo.A
Anopheles Stephensi é a fêmea do mosquito transmissor da malária.Só ela se
alimenta de sangue humano.Os machos vivem da seiva das plantas. Nos dias atuais
a malária prepondera na África (menos no norte e na África do Sul), México,
Brasil (notadamente na Amazônia e Nordeste), Caribe, Médio Oriente, Ásia Central,
sudoeste asiático, Indonésia, Filipinas e sul da China. A doença já existiu na
Europa, na região do Mar Mediterrâneo (Portugal, Itália, Espanha, sul da França
e Grécia. Nos Estados Unidos atingiu o sul e o oeste. No Brasil, a malária é
registrada desde 1587. A
partir de 1870, com a exploração da borracha na Região Amazônica, tornou-se um
sério problema de saúde pública. Também causou estragos na Baixada Fluminense e
no vale do Rio Paraíba. À época, já se fazia uso do quinina, antiinflamatório
extraído da casca da cinchona que ainda é usado. Na atualidade há drogas mais
eficazes como a quinacrina, cloroquina e primaquina. Em 1940, o Brasil tinha 55
milhões de habitantes e ocorria entre 4 a 8 milhões de casos de malária com cerca de
80 mil mortes.No período 1940-1942, quando se intensificou a batalha da
borracha, Brasil e Estados Unidos firmaram uma cooperação para combater a
malária. Passou então a ser executado o Plano de Saneamento da Amazônia
contando com a atuação de Evandro Chagas, João Barros Barreto e Valério Konder.
Decorreu daí a criação do Serviço Especial de Saúde Pública-SESP,que no Amapá
iniciou suas atividades no município de Amapá.
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Guardas da Malária reunidos na entrada de uma comunidade nordestina antes do inicio dos trabalhos de borrifar o DDT. |
Essa importante Fundação Pública
atuou de forma meritória até 1973, oportunidade em que praticamente foi
desativada. Em 1990, no decorrer do primeiro ano do governo Fernando Collor de
Melo o SESP foi extinto e suas atividades, juntamente as que pertenceram à
Superintendência Nacional de Campanhas, passaram a compor as competências da
Fundação Nacional da Saúde.Em 1947, começou a ser aplicado o DDT, cujo
resultado, em 1957, reduziu os casos de malária para apenas 249 mil por ano. No
Território do Amapá tinha inicio a 25/3/1945, o inquérito da situação da
malária, sob a direção do sanitarista
Guimarães Macedo, do SESP, auxiliado pelos chefes dos Postos Médicos das
cidades de Macapá, Amapá, Mazagão e Oiapoque.
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O rótulo de um frasco de DDT, escrito em ingles, evidencia que o produto era importado dos Estados Unidos da América. |
Em novembro do mesmo ano teve
inicio a aplicação de DDT, o inseticida que causou sensação absoluta na última
guerra mundial. Desde março de 1947,
a pentaquina, um novo produto de combate à malária
estava em uso no Brasil a partir do eixo Rio de Janeiro-São Paulo de forma
experimental. O DDT (dicloro-difenil-tricloroetano) é o primeiro pesticida
usado após a II Guerra Mundial para combater os mosquitos vetores da malária e
do tifo. O químico suíço Paul Hermann Muller descobriu suas propriedades contra
vários antrópodes em 1939, porém o produto tinha sido sintetizado no ano de
1874. Pela valiosa contribuição ao combate à malária, Paul Hermann Muller
recebeu, em 1948, o Prêmio Nobel. O DDT, pó insolúvel em água, mas solúvel em
óleo e gordura ainda é considerado bastante eficaz, reconhecido pela
Organização Mundial da Saúde. Na década de 1970, ele foi banido em diversos
países. O Brasil só deixou de usá-lo em 2009, por força da Lei nº 11.936 de 14
de maio do ano em
referência.
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O trabalho dos Guardas da Malária exigia resistência física e perseverância. Eles caminhavam bastante e nem sempre usavam as mascaras que deveriam protejê-los do pesticida. |
A Batalha da Borracha deslocou para a Amazônia
cerca de 60 mil nordestinos, simples retirantes que sonhavam em obter um padrão
de vida melhor do que tinham no berço natal. No período da II Guerra Mundial o
Brasil estava sob o regime ditatorial denominado Estado Novo, cujo presidente
era Getúlio Dorneles Vargas. Na época um único ministério reunia as atividades
próprias da educação e da saúde. Somente em 1953 foi criado o Ministério da
Saúde. Em 1956, surgiu o Departamento Nacional de Endemias Rurais-DENERU, para
organizar e executar os serviços de investigação e de combate à malária, leishmaniose,
doença de chagas, peste, brucelose, febre amarela e outras endemias.
Em sete de
abril de 1987, quando o atual senador pelo Amapá José Sarney exercia o cargo de
presidente da República do Brasil, foi editado o Decreto nº 94.196, instituindo
no âmbito do Ministério da Saúde a Campanha Nacional de Combate á Malária, com
a finalidade de promover em todo o território nacional, atividades públicas e
privadas visando a erradicação da malária no País. Em decorrência da vigência
da Constituição da República Federativa do Brasil ocorrida a partir de cinco de
outubro de 1988, deu-se a revogação do citado ato administrativo pelo Decreto
nº 96.498/1988. Mais da metade dos soldados da borracha morreu vitimada pela
malária e pela falta de assistência médica que as autoridades lhes prometeram
com tanta ênfase. No dia 25 de abril de 2012, ao celebrar o Dia Mundial de
Combate á Saúde, a Organização das Nações Unidas lembrou que a malária ainda
está presente em 99 nações e que mais de 200 milhões de pessoas adoecem por
ano.
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Um Guarda da Malária lança pesticida em uma poça de agua estagnada para eliminar as larvas do mosquito transmissor da malária. |
A ONU estima que são necessários sete bilhões de dólares anuais para
controlar a malária até 2015. Se isso foi feito, calcula-se que três milhões de
vidas poderão ser salvas. E a malária não fustigou apenas os retirantes
nordestinos e os demais brasileiros que vieram tentar a fortuna na Amazônia.
Muitos cientistas e voluntários que se envolveram no combate à malária desde o
inicio do século XX também foram atingidos pela terrível doença. Entre as
vítimas desponta o nome de Emilio Goeldi, Diretor do Museu Paraense, forçando-o
a retornar para a Suíça, sua terra natal, onde morreu a 22 de março de 1907.
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