terça-feira, 9 de abril de 2013

FILHOS DA MALÁRIA





        FILHOS DA MALÁRIA

                       Nilson Montoril

Guarda da Malária borrifando o pesticida DDT na parede externa de uma residência. Este tipo de procedimento era visto com muita frequencia nas casas de Macapá e de outras cidades, vilas e povoados da Amazônia. O pesticida composto por dicloro-difenil-tricloroetano era diluido em óleo antes de ser aplicado. Os aplicadores nem sempre eram bem recebidos pelos donos de casas de boa qualidade porque as paredes ficavam embranquecidas.
                        Assim passaram a ser chamados os migrantes nordestinos trazidos para a Amazônia para elevarem a produção da borracha no Brasil. Embora fossem rotulados como Soldados da Borracha, sendo inclusive recrutados pelo Exército Brasileiro para tão importante atividade, acabaram largados nos seringais sem receberem a assistência médica e social devida. Estabelecidos em áreas inóspitas, os soldados da borracha chegavam a passar até seis meses no meio da mata e enfrentaram de peito aberto a malária ou paludismo, que ainda hoje mata mais de 3 milhões de pessoas por ano, uma taxa só comparada com a SIDA/AIDS.Principal parasitose tropical, a malária é uma das mais freqüentes causas de morte de crianças em vários países, principalmente na África. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a malária mata uma criança africana a cada 30 segundos. Quem sobrevive sofre danos cerebrais graves. Malária é termo de origem italiana internacionalizado. Antes dele aplicava-se o termo sezonismo, de sezão. É uma doença infecciosa aguda ou crônica causada pelo protozoário parasita do gênero Plasmodium, transmitida pela picada do mosquito Anopheles fêmea. No século XIX surgiu a expressão paludismo, forma latinizada de paul, palude, com o sofismo ismo.A Anopheles Stephensi é a fêmea do mosquito transmissor da malária.Só ela se alimenta de sangue humano.Os machos vivem da seiva das plantas. Nos dias atuais a malária prepondera na África (menos no norte e na África do Sul), México, Brasil (notadamente na Amazônia e Nordeste), Caribe, Médio Oriente, Ásia Central, sudoeste asiático, Indonésia, Filipinas e sul da China. A doença já existiu na Europa, na região do Mar Mediterrâneo (Portugal, Itália, Espanha, sul da França e Grécia. Nos Estados Unidos atingiu o sul e o oeste. No Brasil, a malária é registrada desde 1587. A partir de 1870, com a exploração da borracha na Região Amazônica, tornou-se um sério problema de saúde pública. Também causou estragos na Baixada Fluminense e no vale do Rio Paraíba. À época, já se fazia uso do quinina, antiinflamatório extraído da casca da cinchona que ainda é usado. Na atualidade há drogas mais eficazes como a quinacrina, cloroquina e primaquina. Em 1940, o Brasil tinha 55 milhões de habitantes e ocorria entre 4 a 8 milhões de casos de malária com cerca de 80 mil mortes.No período 1940-1942, quando se intensificou a batalha da borracha, Brasil e Estados Unidos firmaram uma cooperação para combater a malária. Passou então a ser executado o Plano de Saneamento da Amazônia contando com a atuação de Evandro Chagas, João Barros Barreto e Valério Konder. Decorreu daí a criação do Serviço Especial de Saúde Pública-SESP,que no Amapá iniciou suas atividades no município de Amapá.

Guardas da Malária reunidos na entrada de uma comunidade nordestina antes do inicio dos trabalhos de borrifar o DDT.
Essa importante Fundação Pública atuou de forma meritória até 1973, oportunidade em que praticamente foi desativada. Em 1990, no decorrer do primeiro ano do governo Fernando Collor de Melo o SESP foi extinto e suas atividades, juntamente as que pertenceram à Superintendência Nacional de Campanhas, passaram a compor as competências da Fundação Nacional da Saúde.Em 1947, começou a ser aplicado o DDT, cujo resultado, em 1957, reduziu os casos de malária para apenas 249 mil por ano. No Território do Amapá tinha inicio a 25/3/1945, o inquérito da situação da malária, sob a direção do  sanitarista Guimarães Macedo, do SESP, auxiliado pelos chefes dos Postos Médicos das cidades de Macapá, Amapá, Mazagão e Oiapoque.

O  rótulo de um frasco de DDT, escrito em ingles, evidencia que o produto era importado dos Estados Unidos da América.
Em novembro do mesmo ano teve inicio a aplicação de DDT, o inseticida que causou sensação absoluta na última guerra mundial. Desde março de 1947, a pentaquina, um novo produto de combate à malária estava em uso no Brasil a partir do eixo Rio de Janeiro-São Paulo de forma experimental. O DDT (dicloro-difenil-tricloroetano) é o primeiro pesticida usado após a II Guerra Mundial para combater os mosquitos vetores da malária e do tifo. O químico suíço Paul Hermann Muller descobriu suas propriedades contra vários antrópodes em 1939, porém o produto tinha sido sintetizado no ano de 1874. Pela valiosa contribuição ao combate à malária, Paul Hermann Muller recebeu, em 1948, o Prêmio Nobel. O DDT, pó insolúvel em água, mas solúvel em óleo e gordura ainda é considerado bastante eficaz, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde. Na década de 1970, ele foi banido em diversos países. O Brasil só deixou de usá-lo em 2009, por força da Lei nº 11.936 de 14 de maio do ano em referência.

O trabalho dos Guardas da Malária exigia resistência física e perseverância. Eles caminhavam bastante e nem sempre usavam as mascaras que deveriam protejê-los do pesticida.
 A Batalha da Borracha deslocou para a Amazônia cerca de 60 mil nordestinos, simples retirantes que sonhavam em obter um padrão de vida melhor do que tinham no berço natal. No período da II Guerra Mundial o Brasil estava sob o regime ditatorial denominado Estado Novo, cujo presidente era Getúlio Dorneles Vargas. Na época um único ministério reunia as atividades próprias da educação e da saúde. Somente em 1953 foi criado o Ministério da Saúde. Em 1956, surgiu o Departamento Nacional de Endemias Rurais-DENERU, para organizar e executar os serviços de investigação e de combate à malária, leishmaniose, doença de chagas, peste, brucelose, febre amarela e outras endemias. 

O atendimento dos ribeirinhos amazõnidas era feito pelos sanitaristas que viajavam em pequenas embarcações motorizadas. Por precausão, os embarcadiços levavam remos de faia, que eram usados sempre que o "motor dava prego".
Em sete de abril de 1987, quando o atual senador pelo Amapá José Sarney exercia o cargo de presidente da República do Brasil, foi editado o Decreto nº 94.196, instituindo no âmbito do Ministério da Saúde a Campanha Nacional de Combate á Malária, com a finalidade de promover em todo o território nacional, atividades públicas e privadas visando a erradicação da malária no País. Em decorrência da vigência da Constituição da República Federativa do Brasil ocorrida a partir de cinco de outubro de 1988, deu-se a revogação do citado ato administrativo pelo Decreto nº 96.498/1988. Mais da metade dos soldados da borracha morreu vitimada pela malária e pela falta de assistência médica que as autoridades lhes prometeram com tanta ênfase. No dia 25 de abril de 2012, ao celebrar o Dia Mundial de Combate á Saúde, a Organização das Nações Unidas lembrou que a malária ainda está presente em 99 nações e que mais de 200 milhões de pessoas adoecem por ano. 

Um Guarda da Malária lança pesticida em uma poça de agua estagnada para eliminar as larvas do mosquito transmissor da malária.

A ONU estima que são necessários sete bilhões de dólares anuais para controlar a malária até 2015. Se isso foi feito, calcula-se que três milhões de vidas poderão ser salvas. E a malária não fustigou apenas os retirantes nordestinos e os demais brasileiros que vieram tentar a fortuna na Amazônia. Muitos cientistas e voluntários que se envolveram no combate à malária desde o inicio do século XX também foram atingidos pela terrível doença. Entre as vítimas desponta o nome de Emilio Goeldi, Diretor do Museu Paraense, forçando-o a retornar para a Suíça, sua terra natal, onde morreu a 22 de março de 1907.

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