sábado, 16 de fevereiro de 2013

BANDA, RÓTULO OFICIAL


           BANDA, RÓTULO OFICIAL

           Por Nilson Montoril  

                                                                                            
Em 1960, na frente da Farmácia São José que pertencia a Francisco Serrano, foi realizada uma "Batalha de Confete". As autoridades se posicionaram em um pequeno palanque erguido  junto a fachada da loja "Magazine", no inicio da  Passagem Carlos Novais, mais conhecida como "Beco do Serrano". A Rua Cândido Mendes ainda não era asfaltada e o povo acompanhava os acontecimentos de modo bem descontraido.Na época ainda não existia o Bloco de Sujos do Amapá Clube.(Poibido copiar a imagem).
                                    
                        O nome do maior bloco de sujos do setentrião brasileiro não foi dado por seus idealizadores e sim por integrantes do governo do Território Federal do Amapá. Aliás, quando o bloco saiu pela primeira vez, na tarde do dia 2 de março de 1965, o fez sem qualquer rótulo. Naquela ocasião, Macapá iria viver o primeiro carnaval após o golpe militar deflagrado no dia 31 de março de 1964. Fazia uma bela tarde de sol e quase não se via pessoas nas ruas. Os macapaenses ainda estavam apreensivos devido às ações repressivas que o Comando Revolucionário havia tomado a partir do dia 12 de maio contra servidores públicos, estudantes, sindicalistas, socialistas e comunitários que exageravam na manifestação de antipatia pelo regime militar então em vigor. No início da noite desta data, havia chegado à Macapá um contingente de soldados do 26º Batalhão de Caçadores, sediado em Belém, comandado pelo Capitão do Exército Francisco Moacir Meyer Fontenelle, com o intuito de anular um motim deflagrado pelo Tenente Uadih Charone envolvendo membros da Guarda Territorial.

Carnavalescos que não deixavam de ir às ruas na terça-feira gorda de carnaval. Os cinco foliões que aparecem na fotografia participaram do Bloco do Amapá Clube em 1967. No sentido horário vemos Altair Cavalcante de Lemos, Agostinho Borges de Alencar, Amujacy Borges de Alencar, José Monteiro Leite, o Lélé e o Andorinha. A idéia de criar o Bloco do Amapá Clube, em 1965, partiu do Amujacy que brincava tocando frigideira.

No mesmo dia foi preso o Presidente da UECSA, José Figueiredo de Souza (Savino) por ter protestado contra a prisão do Tenente Charone, Diretor da Escola Técnica de Comércio do Amapá. A partir da posse do General Luiz Mendes da Silva, verificada dia l5 de maio, as ações dos lideres da revolução militar tornar-se-iam mais drásticas e diversas prisões arbitrárias aconteceram. Entre os cidadãos recolhidos as casamatas da Fortaleza de Macapá estavam o Tenente José Alves Pessoa, o então empresário Jarbas Ferreira Gato, os servidores públicos Amujacy Borges de Alencar e Altair Cavalcante Lemos. Submetidos a um sumário processo de investigação, sofreram punições injustas e descabidas. Apesar de haver muita gente tida como subversiva e agitadora, a ânsia por revanchismo foi relativamente contida por determinação superior.

No ano de 1975, a boneca "Chicona" saiu com as mãos nas cadeiras. No citado ano o "Bloco do Amapá Clube" completou 10 anos de existências, oito deles com o rótulo "A Banda" e saia da sede do alvinegro da Avenida Presidente Vargas. Na largada, pouca gente acompanhava a boneca,mas o contingente de foliões ia crescendo à proporção que o "arrastão do povo" sequenciava seu desfile. Usando bermuda cinza e camisa branca, o Savino caminhava ao lado da Chicona.(Vetada a cópia da imagem).

Há vários anos era hábito funcionar um jogo de cartas na sede do Amapá Clube, principalmente aos domingos. Os jogadores eram quase sempre os mesmos, todos ligados ao alvinegro da Avenida Presidente Vargas. Naquele dia 2 de março de 1965, jogavam baralho: José Figueiredo de Souza, Amujacy Alencar, Tenente José Alves Pessoa, Altair Cavalcante de Lemos, João de Castro Sussuarana (o Sussuarana Gordo), Jarbas Ferreira Gato, Aderbal Rodrigues Lacerda, José Maria Frota, José Tavares de Almeida e Issac Menahem Alcolumbre. A exceção do José Tavares e do Isaac Alcolumbre, os demais eram vistos com reservas pelos revolucionários. Mesmo sabendo que seriam vigiados, os partícipes do carteado decidiram ir às ruas e dar um balão na cidade, ou seja, fazer o percurso que o bloco “A Banda” repete anualmente. O grupo improvisou fantasias e saiu. Nada de anormal aconteceu. Em 1966, a terça-feira gorda caiu dia 22 de março e mais uma vez o “Bloco do Amapá Clube” fez o balão, agora contando com a adesão de outros foliões.

Amujacy Borges de Alencar e Jarbas Ferrera Gato, sócios no "Bar Gato Azul" costumavam passar o carnaval no Rio de Janeiro. Em 1965, Jarbas Gato era o presidente do Amapá Clube e o Amujacy um assiduo frequentador da agremiação alvinegra. A fotografia data de 1963.(Poibido copiar a imagem)

                        O governador Luiz Mendes da Silva tinha como Secretário Geral o economista Roberto Rocha Souza, um elemento repressor e autoritário, que andava pelas repartições públicas e pelas ruas com um rebenque na mão direita, vibrando-o nas botas de equitação que sempre usava. Declarava-se inimigo do Deputado Federal Janary Gentil Nunes e de seus corregionários. Janary Nunes já havia governado o Amapá entre 1944 e 1956, por quase 12 anos. Vencera as eleições de 1962 e reunia amplas condições de repetir o feito em 1966. Se vencesse iria cumprir mais um mandato na Câmara dos Deputados. Hostilizado e discriminado pelo Comando da Revolução, iniciou sua campanha sem a convicção de vitória. Declarava-se governista e membro da Aliança Renovadora Nacional-ARENA, razão pela qual não aceitar uma proposta de filiação que lhe foi formulada pelo Movimento Democrático Brasileiro-MDB. Como arenista, forçou um racha na legenda à qual era filiado e saiu candidato pela ARENA 2 (Aliança Renovadora Nacional). Foi extremamente feliz ao adotar a macha “A Banda”, composta por Chico Buarque de Holanda, vencedora do II Festival de Música Popular, gravada por Nara Leão a quatro de outubro de 1966. Antes disso, música era tocada na Rádio Difusora de Macapá com freqüência. 
Foto tirada com a máquina de Nilson Montoril, em 1994, na sala sa casa da Ana Lúcia, viúva do Job Nogueira.Na oportunidade entrevistei o Claudionor Monteiro Lima, popular Cutião, artesão que deu vida à boneca "Chicona". Cutião havia retornado de Belém, onde fora tratar da própria saúde. Ele dizia estar se sentindo muito bem,mas faleceu pouco tempo depois.(Foto do acervo de Nilson Montoril,sendo proibida a cópia)

A partir do momento que os divulgadores da campanha do Coronel Janary passaram a usá-la, o governo do Território Federal do Amapá proibiu a emissora oficial de executá-la. A marcha não era tocada na emissora oficial, mas podia ser ouvida por quem se dispusesse a freqüentar os comícios do Coronel Janary Gentil Nunes. Eles ficavam apinhados de gente idosa, jovens e até crianças. A maioria dos eleitores era constituída por servidores públicos, pioneiros na instalação do Território do Amapá e estudantes.
                        A 15 de novembro de 1966, Janary Nunes venceu as eleições, obtendo 6.594 votos, contra os 5.812 sufrágios deixados nas urnas a favor do Cabo Alfredo Oliveira, cuja candidatura recebeu o apoio do então governador Luiz Mendes da Silva. Temendo represálias, os Janaristas não puderam comemorar como desejavam. Desde então, passaram a projetar um retumbante arrastão popular, que seria feito no carnaval de 1967. Todas as pessoas que eram vistas com reservas pela ditadura militar, principalmente as que sofreram humilhações e injustiças aderiram o carnaval da vitória, cuja terça-feira gorda caiu no dia 7 de março de 1967. 

A Alice Gorda desfilando na Avenida Fab. Em 1967, ela foi convidada pelo Amujacy Alencar para coordenar o desfile do Bloco do Amapá Clube no carnaval do citado ano.O comando da revolução militar de 31 de março de 1964, acusou Alice de ter organizado um bloco formado por simpatizates políticos de Janary Nunes unicamente para axincalhar com as autoridades territoriais. Nesse ano o bloco alvinegro ganhou o rótulo de "A Banda" dado pelos governistas.

Em todos os quadrantes da cidade o assunto era o “Bloco do Amapá Clube”. A exacerbada propaganda da “Rádio Cipó”, era freqüentemente captada pela Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS. Procurando neutralizar a ação dos Janaristas, Governo e Prefeitura organizaram uma programação envolvendo blocos e escolas de samba não aceitando a inscrição de brincantes avulsos ou grupamentos considerados indesejáveis. Acostumado a cobrir seu percurso, o Bloco de Sujos do Amapá Clube não se preocupou em fazer inscrição na Prefeitura de Macapá e decidiu sair para cumprir o que fora planejado. Ao tomar conhecimento de que o pessoal do deputado Janary Gentil Nunes rumava no sentido da Avenida FAB, com intensão de passar na frente do “Palanque Oficial”, as autoridades territoriais determinaram que um forte contingente da Guarda Territorial fosse colocado na Avenida FAB logo após o cruzamento com a Rua Eliezer Levy, para impedir a passagem do arrastão do povo. A ordem transmitida aos policiais tinha o caráter expresso de não deixa “A Banda” passar. 
No carnaval  de 1977, a Boneca Chicona ainda era confeccionada pelo Cutião.Ele contava com a ajuda do Wanderley e do Job. De chapeu cor de rosa, mão esquersa na cintura e btaço direito levantado, Chicona também usava um óculos colorido. Fazendo brinde à boneca, na frenta da casa do casal Job Nogueira e Ana Lúcia aparecem o Savino,Job,Cadico,Wanderley,Bernardo Souza,João Coutinho e Cutião. De joelhos no leito da Rua São José vemos o Penafort.(Reprodução de imagem proibida)

Sem poder evoluir como pretendia “A Banda” enveredou pela Avenida Eliezer Levy e foi se posicionar em frente à sede do Amapá Clube. Grande parte do público que ocupava espaço nas arquibancadas armadas nas laterais da Av. FAB abandonou o local e saiu atrás do bloco rejeitado, Em plena Avenida Presidente Getúlio Vargas o povão dançou a valer. Neste dia, um trecho da bela marchinha foi evidenciado em Macapá: “A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu. A lua branca que vivia escondida surgiu. Minha cidade toda se enfeitou. Pra ver a banda passar cantando coisas de amor”.
                        O General Luiz Mendes da Silva não estava em Macapá e o economista Roberto Rocha Souza exercia interinamente o cargo de governador. Ele foi o idealizador de toda a nefasta tramóia contra os carnavalescos. Em nota divulgada no Jornal Amapá e outros órgãos de imprensa de Belém, o governo amapaense rotulou o bloco de “A Banda”, porque havia uma orquestra postada sobre um caminhão executando a marcha famosa marcha composta por Chico Buarque. A Alice Gorda, gerente de um hotel e fervorosa carnavalesca foi acusada de ser “testa-de-ferro” dos Janaristas na organização do bloco. Ela negou que seus liderados tivessem qualquer pretensão de ferir os princípios democráticos defendidos pela revolução de 31 de março de 1964, e que a organização do bloco comportasse cunho político e “diplomação popular do Coronel Janary Nunes como deputado federal”. 

Mais esguia e elegante, a "Chicona" foi às ruas em 2001.Um grupo de foliões tirou essa fotografia na frente da "prima". A boneca Chicona ainda hoje é abrigada pela Ana Lúcia.(Reprodução de imagem proibida)

Mulher de princípios rígidos, Alice Gorda exigiu direito de resposta junto aos órgãos de imprensa que divulgaram notas acusando-a de agitadora. Sua exigência foi atendida e a paz voltou a reinar no carnaval do Amapá. No dia 20 de abril de 1967, o general Luiz Mendes da Silva foi substituído no governo do Amapá pelo general Ivanhoé Gonçalves Martins. Várias pessoas que antes eram discriminadas por seu antecessor passaram a integrar sua equipe de governo. Ele só não admitia extremismos e paixões políticas, exigindo de seus comandados ampla obediência e isenção nas atividades discriminatórias contra correligionários de adversários políticos. Seu relacionamento com o deputado federal Janary Gentil Nunes foi muito discreto e respeitoso. No carnaval de 1968, presente ao Palanque Oficial, na Avenida FAB, Ivanhoé Gonçalves Martins acompanhou passivamente a passagem do Bloco de Sujos “A Banda” e até recebeu algumas referências elogiosas. Se no carnaval de 1967, os detentores do poder público não deixaram “A Banda” passar em frente ao palanque oficial, nos anos posteriores ela desfilou tranquilamente, da mesma forma como ainda costuma acontecer. Há 48 anos ”A Banda” congrega todos os segmentos da sociedade macapaense e desde 2012, tem o reconhecimento da Assembléia Legislativa como Patrimônio Cultural do Estado do Amapá. O povo humilde da velha “Província dos Tucujú”, que tem espaço cativo no bloco, penhoradamente agradece, principalmente pelo rótulo: “A Banda”.

Posicionados na confluência da Avenida Presidente Vargas com a Rua São José, o Anhanguera, a Chicona e a Iracema aguardam o inicio do desfile de "A Banda", no carnaval de 2002.(Proibido copiar a imagem).

Nenhum comentário: