BANDA, RÓTULO OFICIAL
Por Nilson Montoril
O
nome do maior bloco de sujos do setentrião brasileiro não foi dado por seus
idealizadores e sim por integrantes do governo do Território Federal do Amapá. Aliás,
quando o bloco saiu pela primeira vez, na tarde do dia 2 de março de 1965, o
fez sem qualquer rótulo. Naquela ocasião, Macapá iria viver o primeiro carnaval
após o golpe militar deflagrado no dia 31 de março de 1964. Fazia uma bela
tarde de sol e quase não se via pessoas nas ruas. Os macapaenses ainda estavam
apreensivos devido às ações repressivas que o Comando Revolucionário havia
tomado a partir do dia 12 de maio contra servidores públicos, estudantes,
sindicalistas, socialistas e comunitários que exageravam na manifestação de
antipatia pelo regime militar então em vigor. No início da noite desta data, havia
chegado à Macapá um contingente de soldados do 26º Batalhão de Caçadores,
sediado em Belém, comandado pelo Capitão do Exército Francisco Moacir Meyer
Fontenelle, com o intuito de anular um motim deflagrado pelo Tenente Uadih
Charone envolvendo membros da Guarda Territorial.
No mesmo dia foi preso o
Presidente da UECSA, José Figueiredo de Souza (Savino) por ter protestado
contra a prisão do Tenente Charone, Diretor da Escola Técnica de Comércio do
Amapá. A partir da posse do General Luiz Mendes da Silva, verificada dia l5 de
maio, as ações dos lideres da revolução militar tornar-se-iam mais drásticas e
diversas prisões arbitrárias aconteceram. Entre os cidadãos recolhidos as
casamatas da Fortaleza de Macapá estavam o Tenente José Alves Pessoa, o então
empresário Jarbas Ferreira Gato, os servidores públicos Amujacy Borges de
Alencar e Altair Cavalcante Lemos. Submetidos a um sumário processo de
investigação, sofreram punições injustas e descabidas. Apesar de haver muita
gente tida como subversiva e agitadora, a ânsia por revanchismo foi
relativamente contida por determinação superior.
Há vários anos era hábito
funcionar um jogo de cartas na sede do Amapá Clube, principalmente aos
domingos. Os jogadores eram quase sempre os mesmos, todos ligados ao alvinegro
da Avenida Presidente Vargas. Naquele dia 2 de março de 1965, jogavam baralho:
José Figueiredo de Souza, Amujacy Alencar, Tenente José Alves Pessoa, Altair Cavalcante
de Lemos, João de Castro Sussuarana (o Sussuarana Gordo), Jarbas Ferreira Gato,
Aderbal Rodrigues Lacerda, José Maria Frota, José Tavares de Almeida e Issac
Menahem Alcolumbre. A exceção do José Tavares e do Isaac Alcolumbre, os demais
eram vistos com reservas pelos revolucionários. Mesmo sabendo que seriam
vigiados, os partícipes do carteado decidiram ir às ruas e dar um balão na
cidade, ou seja, fazer o percurso que o bloco “A Banda” repete anualmente. O
grupo improvisou fantasias e saiu. Nada de anormal aconteceu. Em 1966, a terça-feira gorda
caiu dia 22 de março e mais uma vez o “Bloco do Amapá Clube” fez o balão, agora
contando com a adesão de outros foliões.
O
governador Luiz Mendes da Silva tinha como Secretário Geral o economista
Roberto Rocha Souza, um elemento repressor e autoritário, que andava pelas
repartições públicas e pelas ruas com um rebenque na mão direita, vibrando-o
nas botas de equitação que sempre usava. Declarava-se inimigo do Deputado
Federal Janary Gentil Nunes e de seus corregionários. Janary Nunes já havia
governado o Amapá entre 1944 e 1956, por quase 12 anos. Vencera as eleições de
1962 e reunia amplas condições de repetir o feito em 1966. Se vencesse iria
cumprir mais um mandato na Câmara dos Deputados. Hostilizado e discriminado
pelo Comando da Revolução, iniciou sua campanha sem a convicção de vitória.
Declarava-se governista e membro da Aliança Renovadora Nacional-ARENA, razão
pela qual não aceitar uma proposta de filiação que lhe foi formulada pelo Movimento
Democrático Brasileiro-MDB. Como arenista, forçou um racha na legenda à qual
era filiado e saiu candidato pela ARENA 2 (Aliança Renovadora Nacional). Foi
extremamente feliz ao adotar a macha “A Banda”, composta por Chico Buarque de
Holanda, vencedora do II Festival de Música Popular, gravada por Nara Leão a quatro
de outubro de 1966. Antes disso, música era tocada na Rádio Difusora de Macapá
com freqüência.
A partir do momento que os divulgadores da campanha do Coronel
Janary passaram a usá-la, o governo do Território Federal do Amapá proibiu a
emissora oficial de executá-la. A marcha não era tocada na emissora oficial, mas
podia ser ouvida por quem se dispusesse a freqüentar os comícios do Coronel
Janary Gentil Nunes. Eles ficavam apinhados de gente idosa, jovens e até
crianças. A maioria dos eleitores era constituída por servidores públicos,
pioneiros na instalação do Território do Amapá e estudantes.
A
15 de novembro de 1966, Janary Nunes venceu as eleições, obtendo 6.594 votos,
contra os 5.812 sufrágios deixados nas urnas a favor do Cabo Alfredo Oliveira,
cuja candidatura recebeu o apoio do então governador Luiz Mendes da Silva.
Temendo represálias, os Janaristas não puderam comemorar como desejavam. Desde
então, passaram a projetar um retumbante arrastão popular, que seria feito no
carnaval de 1967. Todas as pessoas que eram vistas com reservas pela ditadura
militar, principalmente as que sofreram humilhações e injustiças aderiram o
carnaval da vitória, cuja terça-feira gorda caiu no dia 7 de março de 1967.
Em
todos os quadrantes da cidade o assunto era o “Bloco do Amapá Clube”. A
exacerbada propaganda da “Rádio Cipó”, era freqüentemente captada pela
Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS. Procurando neutralizar a ação dos
Janaristas, Governo e Prefeitura organizaram uma programação envolvendo blocos
e escolas de samba não aceitando a inscrição de brincantes avulsos ou
grupamentos considerados indesejáveis. Acostumado a cobrir seu percurso, o
Bloco de Sujos do Amapá Clube não se preocupou em fazer inscrição na Prefeitura
de Macapá e decidiu sair para cumprir o que fora planejado. Ao tomar
conhecimento de que o pessoal do deputado Janary Gentil Nunes rumava no sentido
da Avenida FAB, com intensão de passar na frente do “Palanque Oficial”, as
autoridades territoriais determinaram que um forte contingente da Guarda
Territorial fosse colocado na Avenida FAB logo após o cruzamento com a Rua
Eliezer Levy, para impedir a passagem do arrastão do povo. A ordem transmitida aos
policiais tinha o caráter expresso de não deixa “A Banda” passar.
Sem poder
evoluir como pretendia “A Banda” enveredou pela Avenida Eliezer Levy e foi se
posicionar em frente à sede do Amapá Clube. Grande parte do público que ocupava
espaço nas arquibancadas armadas nas laterais da Av. FAB abandonou o local e
saiu atrás do bloco rejeitado, Em plena Avenida
Presidente Getúlio Vargas o povão dançou a valer. Neste dia, um
trecho da bela marchinha foi evidenciado em Macapá: “A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu. A lua branca que
vivia escondida surgiu. Minha cidade toda se enfeitou. Pra ver a banda passar
cantando coisas de amor”.
O
General Luiz Mendes da Silva não estava em Macapá e o economista Roberto Rocha
Souza exercia interinamente o cargo de governador. Ele foi o idealizador de
toda a nefasta tramóia contra os carnavalescos. Em nota divulgada no Jornal
Amapá e outros órgãos de imprensa de Belém, o governo amapaense rotulou o bloco
de “A Banda”, porque havia uma orquestra postada sobre um caminhão executando a
marcha famosa marcha composta por Chico Buarque. A Alice Gorda, gerente de um
hotel e fervorosa carnavalesca foi acusada de ser “testa-de-ferro” dos
Janaristas na organização do bloco. Ela negou que seus liderados tivessem qualquer
pretensão de ferir os princípios democráticos defendidos pela revolução de 31
de março de 1964, e que a organização do bloco comportasse cunho político e “diplomação
popular do Coronel Janary Nunes como deputado federal”.
Mulher de princípios
rígidos, Alice Gorda exigiu direito de resposta junto aos órgãos de imprensa
que divulgaram notas acusando-a de agitadora. Sua exigência foi atendida e a
paz voltou a reinar no carnaval do Amapá. No dia 20 de abril de 1967, o general
Luiz Mendes da Silva foi substituído no governo do Amapá pelo general Ivanhoé
Gonçalves Martins. Várias pessoas que antes eram discriminadas por seu
antecessor passaram a integrar sua equipe de governo. Ele só não admitia
extremismos e paixões políticas, exigindo de seus comandados ampla obediência e
isenção nas atividades discriminatórias contra correligionários de adversários
políticos. Seu relacionamento com o deputado federal Janary Gentil Nunes foi
muito discreto e respeitoso. No carnaval de 1968, presente ao Palanque Oficial,
na Avenida FAB, Ivanhoé Gonçalves Martins acompanhou passivamente a passagem do
Bloco de Sujos “A Banda” e até recebeu algumas referências elogiosas. Se no
carnaval de 1967, os detentores do poder público não deixaram “A Banda” passar
em frente ao palanque oficial, nos anos posteriores ela desfilou
tranquilamente, da mesma forma como ainda costuma acontecer. Há 48 anos ”A
Banda” congrega todos os segmentos da sociedade macapaense e desde 2012, tem o
reconhecimento da Assembléia Legislativa como Patrimônio Cultural do Estado do
Amapá. O povo humilde da velha “Província dos Tucujú”, que tem espaço cativo no
bloco, penhoradamente agradece, principalmente pelo rótulo: “A Banda”.
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