CLEVELÂNDIA DO NORTE, COLÔNIA AGRÍCOLA E
PRESIDIO
Por Nilson Montoril
Vista aérea da atual Colônia Militar do Oiapoque, em Clevelândia do Norte |
Em
1919, o Senador paraense Justo Chermont fez um incisivo comentário no Congresso
Nacional a respeito do abandono em que se encontrava a fronteira do Oiapoque e
sugeriu que o governo federal alocasse recursos financeiros no orçamento do
Ministério da Agricultura para a fundação de patronatos e colônias agrícolas
nas faixas de fronteira do Brasil com os países visinhos. Ao referir-se à
fronteira do Oiapoque com Guiana Francesa, Justo Chermont classificou-a como
“terra abandonada e sem dono”. Essas colônias deveriam ser compostas por
brasileiros, preferencialmente pelos nordestinos que viviam à míngua em suas
terras devassadas pela seca. O Congresso Nacional aprovou sua proposição e o
Governo da União cuidou para que a máquina administrativa tornasse realidade o
que fora sacramentado pelos parlamentares. Dia 12 de março de 1920, foi
publicado um ato assinado pelo Ministro da Agricultura instituindo a Comissão Colonizadora
do Oiapoque sob a chefia do gaúcho Gentil Tristão Norberto, cidadão que já
havia atuado nas terras do atual Estado do Acre e fez parte do grupo liderado
por Plácido de Castro. Ele ostentava a patente de coronel do exército defensor
do Acre, mas não era militar de carreira. Havia sumido do Acre por volta de
1916, deixando a fama de repressor cruel e pouco confiável. Como a região de fronteira
integrava o Estado do Pará, o Ministro da Agricultura encaminhou
correspondência ao governo paraense, datada de 10 de abril de 1920, solicitando
a indicação do local e a cessão das terras à União a fim de que fossem
iniciados os trabalhos de fundação do Centro Agrícola. Ainda em meados de
abril, a Comissão Colonizadora seguiu para o rio Oiapoque, iniciando
imediatamente suas atividades, procedendo às sondagens e o levantamento da zona
cedida pelo governo paraense. No inicio do ano de 1921, teve inicio a
implantação da colônia no trecho da margem direita do rio Oiapoque que iniciava
na foz do rio Pontanarri e se estendia até a cachoeira da Grande Rocha, a 70
km do Cabo Orange e 15 Km da posição militar de
Santo Antônio.
Planta da Colônia Agrícola de Clevelândia do Norte traçada em 1925 |
A 7 de abril as obras de edificação tiveram inicio,
compreendendo casas de madeira de lei,pintadas a óleo, envidraçadas, bem
assoalhadas e tetos capazes de suportar a cobertura com telhas de barro tipo
frances. Um prédio de 2 pavimentos para abrigar a administração da colônia, uma
escola e um hospital também foram erguidos. Aliás, o Hospital já funcionava
desde setembro de 1921, antes da inauguração oficial da colônia, que ocorreu a
5 de maio de 1922. Além dos membros da comissão e trabalhadores das obras, o
Hospital já atendia soldados do destacamento de Santo Antônio. A escola iniciou
suas atividades no dia 1º de fevereiro de 1922, com 46 alunos matriculados,
todos filhos de colonos nordestinos. Á época em que estes fatos ocorreram, a
região do Oiapoque pertencia ao Município de Amapá-Montenegro, cujo intendente
do era o coronel Júlio Benicio Pontes, conhecido pecuarista amapaense. A
assistência religiosa prestada aos residentes em Clevelândia do Norte estava a
cargo do padre francês A. Gross, vigário de Saint Georges, na Guiana Francesa.
O Comandante da 8ª Região Militar, sediada em Belém, coronel Raimundo Barbosa,
visitou as instalações militares de Santo Antônio e a colônia de Clevelândia
nos meses de julho e agosto de 1923, ficando surpreso com a bela obra que ali
se realizava. De fato, Clevelândia já possui hospital, escola, sede da
administração, hospedaria de imigrantes; o posto Rádio-Telegráfico, serraria, Igreja
e várias casas particulares. No espaço antes dominado pela mata os colonos
cultivavam banana, mandioca, cana, hortaliças, leguminosas e árvores
frutíferas. Os lotes ocupados pelos colonos estavam demarcados ao longo de um
caminho vicinal com 20 km
de extensão.
Tudo caminhava dentro dos planos elaborados quando, no dia 26 de
dezembro de 1924, o navio “Cuyabá, que o governo brasileiro havia confiscado de
uma empresa alemã durante a 1ª Guerra Mundial e incorporado a sua frota
mercante, chegou a Clevelândia transportando um grupo de 250 presos políticos e
criminosos sentenciados. Feito o transbordo, o “Cuyabá” seguiu para Manaus,
retornando no dia 6 de janeiro de 1925, uma 3ª feira, conduzindo 120 presos
políticos que haviam participado da revolta que os tenentes da capital
amazonense desencadearam para depor o governador Turíbio Meira e implantar um
governo socialista, fato ocorrido no dia 23/7 de 1924. O chefe do executivo
estava ausente do Brasil e ocupava o cargo o vice-governador Turiano Meira que
fugiu pela porta dos fundos do palácio. Os revoltosos pretendiam promover a
emancipação dos pobres e cobrar altos impostos aos ricos para atender aos
necessitados. O 1º tenente Alfredo Augusto Ribeiro Júnior, líder dos rebeldes
que se declarou governador do Amazonas afirmou categoricamente: “Essa gentalha
macabra e covarde não deve e não pode permanecer neste solo bendito”.
O povo amazonense
foi às ruas comemorar o feito dos revolucionários. Estima-se que mais de cem
mil pessoas se concentraram em frente ao Palácio do Governo paro ouvir o
discurso inflamado do tenente Ribeiro Júnior. Á época do golpe, Manaus tinha
75.704 habitantes, a maioria desempregada e vivendo abaixo da linha de pobreza
absoluta. O funcionalismo estava com seus salários atrasados e os devedores do
fisco não pagavam suas dividas. Além disso, a borracha, principal produto de
exportação do Estado do Amazonas estava sem preço. Na cidade de Óbidos, vários
revoltosos se instalaram na fortaleza local e se mantiveram em prontidão. O comando
da sedição criou o “Tributo da Redenção”, com o propósito de confiscar os bens
e as contas bancárias dos oligarcas para transformar em pagamento do
funcionalismo. A firma inglesa “Manaos Market” que gerenciava o porto e o
mercado foi obrigada a pagar o que devia ao estado. Entretanto, no dia alegria
deles durou pouco tempo. A 28 de agosto de 1924, o destróier Mato Grosso da
Marinha de Guerra chegou a Manaus e bombardeou
as posições dos rebelados.Tropas legalistas fizeram o cerco por terra,
dominaram a situação e prenderam os revoltosos. Quando da chegada dos 120
presos amazonenses, Clevelândia do Norte já havia recebido 250 “indesejáveis”
provenientes do Rio de Janeiro e São Paulo que ali desembarcaram no dia 26/12 de
1924. Essa leva de prisioneiros fora desterrada para a fronteira norte do
Brasil porque participou do levante da guarnição do Forte de Copacabana em 1922
e da sucessão paulista de 1924. Porém, entre eles foram incluídos criminosos
comuns sentenciados. O número de desterrados era então da ordem de 370
“indesejáveis” e iria crescer muito mais. Em meados de janeiro de 1925,
desembarcaram em Clevelândia mais 577 presos que se encontravam trancafiados na
penitenciária de Catanduva, no interior do Estado de São Paulo.
Ainda no
decorrer do ano de 1925, viviam em Clevelândia cerca de 1.630 deportados. Criada
em 5 de maio de 1922, como Colônia Agrícola do Oiapoque, Clevelândia recebeu os
primeiros colonos, a maioria nordestinos, no dia 24 do citado ano e mês. A
partir de 1924, a
finalidade da colônia foi desvirtuada. Até 1930, Clevelândia foi um presídio
político onde os desterrados conviveram permanentemente com a morte devido à
insalubridade de alojamentos, alimentação de má qualidade, doenças como
malária, beribéri, febres, convulsões, inapetência, inchação dos membros
inferiores, precariedade de atendimento médico, diarréia e prostração
generalizada. No Hospital Simão Lopes só havia duas seringas de injeção para
atender diariamente cerca de 120 indivíduos. A concentração de tanta gente fez
rebentar invulgar epidemia de diarréia ceifando a vida de prisioneiros e
colonos. Isso fez recrudescer o fluxo migratório e motivou a mudança de inúmeras
famílias de colonos para outras localidades livres da doença. A presença de
tantos degredados obrigava o governo federal a mandar suprimentos alimentares necessários
à sobrevivência deles. A preciosa carga era transportada regularmente por
navios que faziam a linha costeira e estendia suas viagens até Manaus. Com a
madeira derrubada na limpeza da área destinada ao plantio, construíram um
trapiche e ampliaram a serraria. Entre outras espécies de madeira de lei havia
o pau-rosa, fato que fez surgir uma usina movida a caldeira para a extração da
essência tão apreciada que a árvore contém. Em 1927, Clevelândia do Norte já
estava em franca decadência. A opinião pública contestava sua existência e
rogava pela extinção do campo de concentração. A presença dos presos condenados
de justiça não favorecia a paz necessária aos colonos. Por incrível que pareça,
a anistia dos indesejáveis foi concedida no momento em que o Brasil estava
dominado pelo clima revolucionário de 1930. Somente dez anos depois é que a
direção da antiga Colônia Agrícola de Clevelândia foi passada ao Exército
Brasileiro, que ali se instalou a 17 de junho de 1940, com o Pelotão de
Fuzileiros Independentes do Oiapoque.
Livre dos presos políticos e dos
condenados de justiça as mudanças em Clevelândia foram ocorrendo
progressivamente. No dia 11 de novembro de 1964, o fracassado núcleo agrícola
mudou de nome passando à denominação de Colônia Militar do Oiapoque. As prisões
de políticos ocorreram em maior escala no decorrer do governo de Arthur Bernardes,
principalmente entre 1924 e 1926. No período 1924/1925, de 946 desterrados
morreram 492, aproximadamente 52% dos indesejáveis. Na ância de deixar a cidade
do Rio de Janeiro livre de elementos problemáticos, a polícia incluía entre os
presos políticos os vadios, revoltosos, anarquistas, gatunos, vigarista, sindicalistas,
homicidas e abandonados de rua. Cada viagem entre o Rio de Janeiro e
Clevelândia durava 15 dias. Os presos eram transportados pelos navios a vapor
Cuyabá, Campos e Caxambu. Em algumas oportunidades, à altura da foz do rio
Oiapoque ocorria o transbordo dos desterrados para o navio “Oyapoque” que
integrava a frota do Serviço de Navegação e Administração dos Portos do Pará,
cabendo-lhe deixar os indesejáveis em Clevelândia.
Acreditava-se que ninguém conseguiria escapar de Clevelândia
do Norte, mas consta que 262 presos conseguiram fazê-lo através da Guiana
Francesa. O campo de concentração estava instalado a 15 km do posto militar de
Santo Antônio, próximo a cidade guianesa
de Saint George, onde sempre havia alguém disposto a ajudá-los em troca de uma
boa recompensa. O primeiro fugitivo foi o pintor e decorador Pedro Aleves
Carneiro, evadido no dia 17 de fevereiro de 1925. O nome da localidade situada
à margem direita do rio Oiapoque é uma homenagem do governo brasileiro ao
presidente dos Estados Unidos da América do Norte, Grover Cleveland que atuou
como árbitro nas questões de fronteiras que o Brasil teve com a Guiana Inglesa,
atual República da Guiana e com a Argentina, relativa ao território de Palmas
em terras do Paraná. A Clevelândia do Sul, que hoje é a sede do município de
Clevelândia fica no sudoeste do Estado do Paraná.
Vista aérea da cidade de Clevelândia, no Estado do Paraná |
O município paranaense de
Clevelândia foi fundado através da Lei nº 28 de 28 de julho de 1892, bem antes
do surgimento da Clevelândia do Norte que se localiza no Rio Oiapoque,
fronteira com a Guiana Francesa. Nesta,
encontra-se instalada a base militar da 1ª Companhia de Fuzileiros de Selva do
exército brasileiro. Quando o presídio de Clevelândia do Norte foi fechado, os
desterrados que sobreviveram a tantos sofrimentos retornaram ao Rio de Janeiro
a contar de 7 de fevereiro de 1927. Ainda hoje, em Santo Antônio,
existem ruínas de alguns prédios do núcleo inicial de Clevelândia, mas pouca
gente sabe disso.
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