FÚLVIO
GIULIANO, UM ALPINO DEVOTADO À ARTE SACRA
Por
Nilson Montoril
Em
junho de 1962, com 23 anos de idade, desembarcava no porto de Santana, o mestre
bacharel construtor, Fúlvio Giuliano, para atuar como missionário leigo e
mestre de obras na então Prelazia de Macapá.
Sua vinda se deveu a um convite formulado por Don Aristides Piróvano, que então
exercia o cargo de bispo Prelado de Macapá e coordenava a equipe de sacerdotes
do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras-PIME, na capital do Território
Federal do Amapá. O convite tinha o seguinte teor: “Caro
Fúlvio, já o consideramos membro do pequeno exército dos missionários de
Macapá. Venha logo! Fúlvio respondeu que aceitava o convite e realizou a
travessia do Oceano Atlântico a bordo de um navio cargueiro italiano que veio
embarcar minério de manganês, no píer da Indústria e Comércio de Minérios S.A –
ICOMI. Aproveitou os 16 dias em que permaneceu a bordo para pintar diversas
telas.
A transfiguração de Jesus Cristo. |
Fúlvio Giuliano devotou-se à catequese, fazendo valer seu dote artístico.
O próprio artista plástico assim detalhou esta experiência: “Todo sábado, ao meio dia, eu reunia em grande galpão,
cerca de 200 jovens. Utilizava uma enorme lousa e gizes coloridos para lhes contar
a história da salvação, o amor de Jesus, sua vida e seus milagres. Lentamente,
desenhos super-coloridos e algumas frases do evangelho cobriam a lousa.Os
jovens, muitos sentados em longo banco de madeira, com pedaço de compensado
sobre os joelhos, transformavam-se em pequenos artistas e, ao mesmo tempo,
aprendiam a amar Jesus e a Igreja, e tratar-se como irmãos”. O galpão em
questão era o Salão Paroquial Pio XII, edificado na área posterior aos dois
prédios da Prelazia de Macapá, à época conhecida como quintal dos padres.O
imóvel correspondia a um barracão coberto de palha, com dezenas de bancos
distribuídos no amplo salão, dotado de palco e cabine para projeção
cinematográfica.
O ícone que vemos acima recebeu o titulo de "Natividade de Jesus Cristo" e foi elaborado com redobrado carinho por Fúlvio Giuliano. |
Entre os anos de 1962
a 1968, Fúlvio Giuliano desenvolveu diversas atividades,
inclusive as relacionadas com sua profissão de arquiteto, auxiliando o Dr.
Marcelo Cândia na edificação do Hospital São Camilo e São Luiz. Ele também
concebeu os projetos arquitetônicos das igrejas de São Benedito(pedra
fundamental em 24/6/1963 e inauguração no Natal de 1964), Nossa Senhora de
Fátima e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro(inaugurada dia 12/4/1981). Pintou
expressivos afrescos em diversas igrejas de Macapá e participou de muitos
salões de arte, com destaque para o I Salão de Artes do Colégio Amapaense,
organizado pelo Professor Antônio Munhoz Lopez, onde o ilustre arquiteto
mostrou 14 quadros da Via Sacra e I Salão de Artes Plásticas da Universidade
Federal do Pará, com menção honrosa pela tela “Arraial de São José em Macapá”.
No III Salão de Artes de Macapá, realizado no dia 13 de setembro de 1967,
Fúlvio Giuliano participou expondo as telas “Escada de Jacó”, “Lava Pés” e
“Passagem do Mar Vermelho”. A tela “Escada de Jacó” pertencia ao Dr. Marcelo
Cândia, mas hoje integra o acervo do Professor Munhoz.
Tive a grata
oportunidade de ver o então irmão leigo Fúlvio Giuliano pintando um afresco na
sala que servia de sede à Federação Infanto-Juvenil Oratoriana, FIJO, no térreo
do primeiro prédio da Prelazia de Macapá. As imagens eram desproporcionais e
foram feitas com lápis cera. Representavam a criação do universo. Da enorme mão
direita do Criador saiam feixes luminosos de luz. Na sala em referência,
funciona atualmente, a loja das edições paulinas. O afresco não foi preservado.
Também fui aluno de desenho do ainda jovem Fúlvio Giuliano, na 4ª Série B do
Colégio Amapaense, em 1964. Seus alunos achavam divertido ele denominar os
instrumentos de desenho com nomes italianos, como a régua, que ele chamava de
ripa.
Padre Fúlvio e dois discipulos na Escola Iconográfica SCS São Francisco Xavier-PIME, em Gênova, fazendo a Oração do Iconoco. |
Fúlvio
Giuliano costumava dizer: “Pertenço a uma família de
pintores. Meu avô, um farmacêutico de Palermo, tinha uma grande sensibilidade
artística. Ele era um músico e pintor, e enviou-me para meu irmão gêmeo e esta
sensibilidade”.“O encontro decisivo de Fúlvio Giuliano com a arte sacra aconteceu
na ermida de San Salvatore grama, quando ele tinha 15 anos e ficou
impressionado com o afresco medieval na capela do eremitério. O afresco
apresentava Cristo crucificado num céu escuro, mas o corpo não estava morto e
sim, muito vivo ligeiramente curvado, preservando sua majestade”. Em
1968, Fúlvio Giuliano mudou-se para Belo Horizonte para estudar teologia e
receber o Sacramento da Ordem. Aproveitava as horas de folga para pregar os
evangelhos nas favelas que existiam perto do seminário. Concluído o curso
retornou a Macapá, onde, no dia 3 de janeiro de 1971, foi ordenado sacerdote.
Entrou no Instituto da promessa a 13 de março de 1980. Permaneceu em Macapá até
1985, ocasião em que retornou à Itália, sua terra natal, para tratar dos rins,
haja vista que o péssimo funcionamento dos mesmos tornou precário seu estado de
saúde. Inicialmente ficou em Monza como pai espiritual e chefe da igreja
pública. Depois, residiu em Gênova-Nervi, submetendo-se a freqüentes seções de
diálise.
Ícone Jesus Cristo no Horto das Oliveiras,correspondente à primeira estação da Via Sacra que Fúlvio Giuliano pintou para várias igrejas da Itália e do exterior |
Na Itália, entre 1986 e 2004, Fúlvio Giuliano pintou dezenas de ícones
em igrejas: 6 em Terni; 21 em Milão; 18 estações da Via Sacra na capela
Seminário Teológico, um ícone da Santíssima Trindade, um de Cristo em Glória,em
Monza; 18 estações da Via Sacra em Bucarasco; 2 na igreja de São João; 14
estações da Via Sacra em Genoa, um afresco em Valtellina. “Em 50 anos, padre Fúlvio pintou mais de mil ícones. Muitos são
encontrados em sua pátria, o Brasil, onde viveu 23 anos. Os outros estão
espalhados por todo o mundo, da Guiné Bissau para a China, nas igrejas das
florestas e nas catedrais das grandes cidades”. Seu último trabalho foi
a composição de 13 painéis com a figura de Cristo, Maria Santíssima e os
apóstolos pata a obsede da Catedral de São José, em Macapá, encomendada pelo
Bispo Diocesano Don Pedro José Conti. Sentindo que a vida se esvaia, Fúlvio
solicitou ao irmão Franco Giuliano que completasse a obra, o que foi feito com
muito esmero. Nasceu em Milão, a 6 de março de 1939, no bairro popular de
Giovanni Belline e faleceu em Gênova, dia 5 de junho de 2007, as 10h30, com 68
anos. O Padre Luciano Lazerri assim se reportou à morte de Fúlvio Giuliano: “Fúlvio morreu esta manhã em uma cama de hospital, após
mais outro hospital, para seus muitos males. Durante a última hora tem visto perto
de seu irmão Franco e seus irmãos da casa do PIME em Nervi. Ele nos deixou
calmamente, levado para o céu pelos anjos, os anjos maravilhosos que pintaram
os ícones agora difundidos em muitas partes da terra”.
A cerimônia fúnebre aconteceu na capela de São Erasmo,
em Nervi, numa 5ª feira, dia 7 de julho, as 11h45. O corpo do Padre Fúlvio
Giuliano foi sepultado no cemitério de Grugana, após breve parada no Seminário
de Monza. Este artigo foi composto graças às informações que obtive
junto a várias fontes italianas, mormente postadas por Emanuela Cittério, Padre
Luciano Lazerri e pelo PIME.
Capa do livro "A Beleza Salvará o Mundo", elaborado por Fúlvio Giuliano. |
Foi durante umas férias,em 1980,passadas na Itália, que Fúlvio Giuliano frequentou um curso de iconografia, na escola "Russia Cristiana" e decidiu que, daquele momento em diante, se dedicaria à arte icônica. Em 2004, recordando a esta decisão, assim falou: "O ícone é um mistério,permite representar a imagem profunda e eterna de Cristo na sua humanidade e divindade". Entre seus ícones enviados para o exterior, existe um com semblante chines e inscrição em mandarim, doado a uma comunidade cristã da área de Cantão.Ele produziu telas para as igrejas onde atua o PIME.
Um comentário:
Ótima documentação!
O ícone da Transfiguração foi escrito para nosso mosteiro, que tem por festa patronal este mistério. É um belíssimo ícone.
Dom Paulo,osb - Sta Rosa-RS
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