O
PORCO-CARNEIRO DE MACAPÁ
Por
Nilson Montoril
O
cidadão João Barca de Araújo Coutinho, membro de uma família tradicional de
Macapá, exercia a profissão de marceneiro quando ocorreu a criação do
Território Federal do Amapá, a 13/9/1943. A exemplo de seus conterrâneos gostou
da novidade, mas ficou meio escabreado com as noticias de que tudo mudaria na
cidade onde residia. Na época, Macapá era uma pequena e carente cidade do
Estado do Pará, onde o tempo passava de modo pachorrento. Muitos moradores
possuíam “roçados” nas áreas periféricas da cidade e criavam seus animais
soltos pelas ruas, passagens e largos. João Barca possuía um belo boi-cavalo,
que em outras regiões do Brasil é denominado boi-de-montaria Era, então, figura
de destaque do Marabaixo, tendo composto vários “ladrões” de sucesso. Também é
de sua autoria uma canção dolente denominada “A Morte do Pedreira”. O Pedreira
foi um cavalo que pertenceu a Jeribá Álvares da Costa, criador de gado nos
campos que margeiam o rio Macacoary e morreu
de inanição devido ao descuido do vaqueiro encarregado de sua
alimentação e segurança. O falecimento do Pedreiro ocorreu no local onde está
erguido o Teatro das Bacabeiras. Após a instalação do governo territorial, a
25/1/1944, os hábitos dos moradores foram mudando gradativamente. O boi-cavalo
do João Barca deixou de pastar livremente no centro de Macapá. Capim para
alimentá-lo não faltava, razão pela qual o animal era mantido no cercado da
residência de seu proprietário, situada à Rua General Gurjão, entre as Ruas São
José e Coronel José Serafim Gomes Coelho, a atual Tiradentes. João Barca era
vizinho de meu pai, Francisco Torquato de Araújo e seu compadre de “águas
bentas”. No dia da festa de São José, seu João Barca preparava o boi-cavalo com
muito capricho, colocava uma bela sela em seu dorso e o levava para o largo da
Matriz. Quem quisesse dar uma voltinha ou apenas tirar fotografia montado no boi-cavalo,
pagaria Cr$ 1,00 (um cruzeiro). Habilíssimo com suas ferramentas de marceneiro,
seu João Barca fabricava móveis, esquadrias, utensílios domésticos e
brinquedos. Na oficina dele havia uma serra igualzinha a que aparece na pintura
feita pelo Padre Lino Simonelli, ao lado esquerdo do altar mor da igreja de São
José, retratando o padroeiro de Macapá em sua oficina de carpinteiro, tendo a companhia da esposa Maria e do filho putativo Jesus. Em 1953, por ocasião da realização da 6ª Feira de Animais e Produtos
Econômicos, levada a efeito na Fazendinha, a Divisão de Pesquisa e Produção
apresentou como novidade uma raça de porco totalmente desconhecida na região e
pouco difundida no Brasil, a chamada porco-ovelha. A raça é originária da
Áustria e da Hungria e o animal tem pelos densos e cacheados, parecendo lã.
Provém do cruzamento da raça britânica Lincolnshire Curly Coat com a raça
Mangalitza, na Áustria. Em 1900, os porcos da Inglaterra foram vendidos para a
Áustria e Hungria, países onde surgiu a raça Mangalitza Gilt. Em 2007, os
ingleses decidiram reintroduzir o porco-ovelha na Grã-Bretanha, extinta na
comunidade desde 1972. O animal comprado por João Barca era um macho, ainda
pequeno e tinha poucos pelos brancos. A proporção em ele que foi crescendo, os
pelos cacheados foram aparecendo. A novidade foi considerada uma aberração da
natureza, decorrente do cruzamento de um porco com uma ovelha, coisa impossível
de acontecer, porque são animais de espécies diferentes. A curiosidade humana
transformou o porco-carneiro numa celebridade. Gente à beça aparecia na casa do
João Barca querendo ver a extraordinária criatura. O assédio só diminui quando
o dono do porco pintou uma tabuleta, pendurando-a na cerca de sua casa contendo o seguinte anúncio:
“Porco-carneiro, entrada Cr$ 1,00”.
Parece reduzido o valor cobrado, mas um cruzeiro naquela época dava pra comprar dois picolés.Além do salário de servidor público lotado na Garagem Territorial, João Barca
contava com os ganhos advindos do boi-cavalo, do porco-carneiro e de seus biscates
como marceneiro. A existência do porco
rendeu ao Batista, filho do João Barca, a alcunha de porco-carneiro, haja vista
que lhe cabia receber os curiosos, cobrar a taxa de visita e cuidar do animal. Porém,
com o passar do tempo, o apelido foi esquecido e o Batista apenas ri quando
essa história é lembrada.
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