Por Nilson Montoril
Os cristãos só tiveram liberdade plena para celebrar a semana anterior à Festa da Páscoa dos Judeus depois que o cristianismo foi declarado como religião oficial do Império Romano. Não havia propriamente uma Semana Santa, haja vista que os festejos relembrando a vida, a paixão e a morte de Jesus Cristo só ocorriam na sexta-feira e no sábado. Este curto período era denominado Hebdomada paschalis (semana pascoal). No século V, quando Roma já era a sede do cristianismo a Hebdomada paschalis passou a chamar-se Semana Autêntica, evoluindo para Semana Santa. No tempo dos apóstolos o jejum era rigoroso e valia como preparação para o domingo, em que era celebrada a ressurreição de Cristo. A inclusão da quarta-feira ocorreu para lembrar que foi neste dia que os chefes judeus decidiram prender Jesus. Ainda no século V, cristãos passaram a comemorar a Feria quinta in coena Domini, isto é, Quinta-feira da ceia do Senhor. A sexta-feira, dia em que Jesus Cristo foi crucificado, ganhou o nome de Dies amaritudinis, o Dia da amargura. O ritual da Semana Santa, tal como conhecemos, teve como base os acontecimentos ocorridos em Jerusalém. O lado profano dos cristãos se encarregou de criar certas coisas que apavoraram muitas gerações. Puras superstições, como dizer que a partir da morte de Jesus, o Diabo ficava solto para tentar reorganizar seu reino de malefícios. Neste dia ninguém deveria vestir roupa vermelha porque o Diabo vinha buscar a alma do desavisado.
Outras preciosidades surgidas à conta da imaginação dos cristãos, a maioria do povo conhece muito bem. Faço aqui a citação de algumas narrativas que ouvi do meu sogro, Raimundo Ferreira Lima, 97 anos e de minha sogra, Anacleta Martins de Lima, 94 anos, Eles contam, com riqueza de detalhes, coisas que ninguém se atrevia a fazer e que hoje o povo simplesmente ignora. Seu Lima nasceu em 1915, no interior do município de Gurupá. Ela nasceu em 1919, em terras de Breves. Depois de casados foram morar na localidade de Sossego, no Rio Maracá Mirim, município de Mazagão. O casal teve sete filhas e um filho, mas ainda achou tempo para criar um menino da pele morena que vivia desamparado na região das minas de ouro do Rio Vila Nova, o Hilário. Uma das mulheres, Rosa Maria é minha esposa.
Por ser mais velho, o Hilário era o encarregado de apanha o açaí na quarta-feira e amassá-lo, na sexta-feira, para o almôço da Semana Santa. Ai dele se fizesse barulho, era o primeiro a ver o ramo da aleluia romper em suas pernas, na manhã de sábado, O peixe era frito por Dona Mulata ao anoitecer de quinta-feira, guardado e aquecido na grelha no dia seguinte. Na Sexta-Feira Santa, seu Raimundo Lima só saia de casa se houvesse premente necessidade. Despescava o cacuri e o matapi na quarta-feira. Os demais filhos ficavam quietos em suas redes, no quarto do casal. Seu Raimundo atava sua rede bloqueando a porta, impedindo que a filharada ficasse saindo e entrando no compartimento. Como a sede era a principal desculpa, uma bilha com vários copos ficava à disposição de todos. Em horários tradicionais, todos se postavam em frente ao Oratório, que não devia ser aberto, a faziam as orações de praxe. Ás 18 horas, da sexta-feira santa, os filhos tomava benção dos pais e pediam perdão pelas más criações feitas no dia a dia.
Naquele tempo, ninguém podia comer carne no decorrer da Semana Santa, sob pena de cometer sacrilégio. Nos demais lares da região a situação era a mesma vivenciada pelos Lima. Muitas crianças sentiam tanto medo, que juravam ter visto o capiroto. A modernidade imensa que hoje domina o mundo fez a religiosidade regredir. Lojas, bares e botecos não abriam suas portas nos últimos três dias da Semana Santa. Quem vendesse ou comprasse bebida alcoólica seria preso e multado Os cinemas só passavam filmes de cunho religioso, principalmente “A Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Atualmente a perversão é imensa. No feriadão religioso pouca gente reza. A maioria faz farra.
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