Em 1973, quando suas pernas tortas estavam ainda mais atrofiadas Mané Garrincha, o maior ponta direita do futebol mundial veio fazer um jogo de exibição em Macapá. Ele estava sem clube e precisava de dinheiro para sua subsistência. Cobrava quatro mil cruzeiros para vestir a camisa do time que pagasse o cachê. Quando as despesas eram pagas mediante coleta feita por dois clubes rivais, Mané Garrincha jogava um tempo por cada agremiação. Jogava não é o termo preciso para ser aplicado, mas a torcida vibrava quando ele dominava a bola e saia driblando seus adversários. Na maior parte do tempo o “Demônio das Pernas Tortas” recebia a bola e fazia lançamentos preciosos a seus companheiros. Como torcedor do Botafogo de Futebol e Regatas me acostumei a ver a “Estrela Solitária” brilhar intensamente nos gramados do país e do exterior. Entre os anos de 1953 a 1965, Garrincha defendeu a camisa alvinegra do “Glorioso de General Severiano”.
Foi descoberto pelo lateral Arati, que havia integrado uma famosa linha intermediária do Botafogo: Arati, Bob e Juvenal. Em 1953, o lateral esquerdo do Botafogo era o Nilton Santos, que levou um baile do Garrincha no primeiro treino do Mané. Após o treino o Nilton Santos endossou a contratação do ponteiro, haja vista que jamais gostaria de tê-lo como adversário. Na primeira partida que o Botafogo fez, com Garrincha vestindo a camisa nº. 7, o alvinegro venceu o Bonsucesso por 6x3, em 19/7/1953. Seu último jogo pelo fogão ocorreu a 15/9/1965, com vitória sobre a Portuguesa Carioca por 2x1. Seu último gol aconteceu no jogo Botafogo1x0 Flamengo, realizado no dia 22/8/1965. Garrincha disputou 609 jogos pelo Botafogo e marcou 252 gols. Foi campeão carioca em 1957, 1961 e 1962. Campeão do Torneio Rio - São Paulo em 1963 e 1964.
Quando ele deixou o Botafogo, a bebida havia dominado totalmente o talentoso Garrincha. O Corinthians se interessou por ele e tentou recuperá-lo para o futebol. O diagnóstico médico indicava que o Mané tinha uma distrofia física: “de frente, a perna esquerda era 6 cm mais curta que a direita e flexionada para o lado direito. A perna direita apresentava o mesmo desenho”. No Timão, na temporada 1966/1967, Garrincha realizou 13 jogos e marcou apenas 2 gol: derrota para o Cruzeiro por 2 x 1 e vitória diante do São Paulo por 2 x 0. Despediu-se do Corinthians com uma derrota contundente de 3x0 para o Santos.Passou vários meses sem clube, indo jogar no Atlético Júnior de Barranquilha, na Colômbia.Só fez uma partida, com derrota de 3x2 diante do Santa Fé, em 20/8/1968.Depois atuou no Flamengo( 14 jogos e 4 gols), Olaria(10 jogos e 1 gol). Participou de 61 jogos pela Seleção Brasileira, assinalando 17 gols. Campeão mundial em 1958 e 1962. Pela Seleção Carioca marcou 7 gols em 9 jogos.Excursionou por algumas cidades da Itália realizando exibições. No geral, ele participou de 714 jogos e consignou 283 gols. Não foram computados os tentos marcados em jogos de exibição por times do interior do Brasil. A 7/2/1957, ele fez parte de um combinado formado por jogadores do Botafogo e do Flamengo, na vitória sobre o Honved, da Hungria, por 6x2. Mané marcou um gol. Em 1968, Garrincha foi contratado pelo Treze de Campina Grande/Paraiba para enfrentar a seleção da Romênia. Ekle ficou em campo por 40 minutos e os romenos venceram por 2x1.
Garrincha desembarcou em Macapá na manhã do dia 11 de agosto de 1973. Já havia vestido a camisa de 13 clubes no giro realizado no Nordeste. Ficou hospedado no decadente Macapá Hotel. Louco por passarinhos, ele demonstrou interesse em conhecer quem tinha a mesma mania. Apresentaram-lhe o Chefe Escoteiro Humberto Santos, que entre outros pássaros criava um rouxinol, o “Preto”, pelo qual o Mané se apaixonou. Deram-lhe uma gaiola com um curió e um alçapão. Arranjaram-lhe como guia o índio Tunari, que passava a maior parte do tempo na recepção do Macapá Hotel vendendo artesanatos indígenas que fabricava. O Tunari e o Garrincha tinham um ponto em comum: apreciavam a marvada pinga. Na manhã de sábado, eu e o João Silva fomos ao hotel tentar uma entrevista com o Garrincha. O encontramos sentado no assoalho do apartamento, ao lado do Tunari, bebendo cachaça e tirando o gosto com camarão.
Como botafoguense, jamais imaginei conhecer o Garrincha em tal situação. Diante da nossa perplexidade e da censura feita pelo João Silva, Garrincha disse que a vida é assim mesmo, dá e tira. Nunca senti tanta pena de uma pessoa como naquele dia. Domingo pela manhã, dia 12/8/1973, reencontrei o Garrincha no Estádio Glicério Marques. Eu havia atuado pelo Grêmio Recreativo Universitário do Território do Amapá-GRUTA, que, na preliminar empatou em 1x1 com o Ipanema Esporte Clube. Uma rápida solenidade ocorreu no centro do campo,estando presente o Prefeito Municipal de Macapá, Lourival Bevenuto da Silva. A proprietária do “Armazém Colorado”, esposa do desportista Bernardino Sena, entregou ao Garrincha uma rosa de prata.Ficou acertado que o Mané atuaria um tempo pelo Ypiranga e um tempo pelo São José, os dois maiores rivais do futebol amapaense naquela oportunidade. Assim foi feito.
No primeiro tempo, o conjunto negro-anil do bairro proletário atacou a meta que fica próximo ao portão de entrada do "Gigante da Favela"e contou com o concurso de Garrincha pela extrema direita do ataque. Pouco foi acionado por seus companheiros e teve pouca oportunicade de realizar suas belas jogadas. Na etapa final a estória foi outra. Defendendo o São José, Garrincha ficou mais à vontade e frequentemente os atletas tricolores lhe passavam a bola. Neste tempo do jogo o "Anjo das Pernas Tortas" brincou os torcedores com belas jogadas, 4 delas memoráveis: cobrança de falta para o São José, com a bola batendo na trave; um drible desconcertante que fez 3 jogadores do Ypiranga passarem direto para a linha de fundo; um chute longo que o goleiro defendeu; uma ginga de corpo incrível sobre o zagueiro ypiranguista Oleno que o fez perder o rumo.No final da partida o São José venceu por 2x1. Deomir marcou os 2 gols do tricolor e Bil descontou pata o Ypiranga. Como o jogo foi festivo, não oficializado pela Federação Amapaense de Desportos, o registro do evento ficou na memória dos que foram ao "Glicerão". O tempo faz as pessoas esquecerem certos acontecimentos e vários atletas que estiveram em campo quase nada lembram de um fato tão importante.
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