Caimbé da espécie Curatella americana, de pequeno porte, comum nos cerrados e lavrados da Amazônia. O aperitivo fabricado pelo senhor Pedro Azevedo Costa era feito com a casca dessa árvore. |
Na edição número dois (31/3/1945), do Jornal Amapá, impresso pelo governo do Território Federal do Amapá há partir o dia 19 de março de 1945, encontram-se diversas propagandas de estabelecimentos comercias instalados em Macapá e em outras localidades da novel unidade federada. Um anúncio bem simples evidencia que, naquela época, fabricava-se na cidade um aperitivo denominado “CAIMBÉ”, preparado pelo macapaense Pedro Azevedo Costa. O reclame publicitário dizia: “Provem CAIMBÉ, de P. A. Costa. Aperitivo de gosto agradável, barato e inofensivo, licenciado pelo Laboratório Central de Enologia do Rio de Janeiro sob o nº. 00396. À venda na Av. Presidente Vargas, nº. 46. Aceitam-se encomendas de qualquer quantidade”. O senhor Pedro Azevedo Costa, mais conhecido por Perico Costa, integrava uma família tradicional de Macapá, cuja referência maior era o general do Exército e engenheiro militar João Álvares de Azevedo Costa, macapaense que, no inicio de sua carreira, ainda no tempo do II Império do Brasil, fez parte da guarda pessoal do Imperador D. Pedro II. Perico Costa era proprietário de uma casa comercial de secos e molhados e fabricava o aperitivo em sua residência, um amplo imóvel que figurava como um dos melhores de Macapá. Suas atividades se estendiam de segunda-feira a sábado. Aliás, naquela época havia uma tal “lei seca” que proibia a venda de bebidas alcoólicas aos domingos.Ela vigorou no período de 1939/1945, na chamada Era Vargas, sendo prorrogada até 1951, pelo Decreto-lei nº. 7.604/1945.
O aperitivo Caimbé era preparado com a casca da árvore de igual nome que viceja nos cerrados, cerradões, lavrados e capões. Algumas espécies podem ser encontradas nas várzeas. As folhas têm propriedades medicinais contra artrite, diabetes e pressão alta, O chá das flores atua contra tosse, bronquite e resfriados. A infusão da casca fornece uma bebida eficiente para curar aftas, dores de cabeça e de estômago, resfriados e pulmões. A espécie utilizada no fabrico do aperitivo é da Curatella americana, planta dileciácea da Amazônia, de pequeno porte, de madeira imputrescível, usada em cavernas de canoas, marcenaria e construção civil. A casca é rica em tanino, as folhas são ásperas, usadas como lixas, e os frutos dão uma tinta pardo-escura. A árvore com estas propriedades é encontrada em várias regiões do Brasil com nomes diversos: lixeira, caimbé, cajueiro bravo, cajueiro bravo do campo, cambarba, marajoara, penttiera, sambaiba e sobro.
Galho de um caimbé contendo flores em capitulos e surgimento dos primeiros frutos. O chá das flores atua contra tosse, gripe e resfriado. Dos frutos se retira uma tinta pardo-escura. |
Para colher a casca da árvore caimbé, os empregados de Perico Costa não precisavam andar muito. Em toda a área de campo que circundava a pequena cidade de Macapá os tortuosos caimbés imperavam. Era só usar o terçado e retirar a quantidade de casca necessária. Em seguida ela era macerada à cacete e colocada em tambores com água e açúcar para fermentar. Algum produto químico era adicionado, mas a fórmula nunca foi revelada. Devido à resina de cor amarelo-esverdeada da madeira, o aperitivo ficava amarelo claro. A dosagem alcoólica não era forte, mas os gulosos acabavam ficando embriagados. Quando havia treino dos times de futebol de Macapá, no campo da Praça Capitão Augusto Assis de Vasconcelos, nos dias de semana, a venda do aperitivo aumentava consideravelmente no comércio do Perico Costa. Encerrado o treino e mesmo jogos, os atletas se dirigiam ao ponto de venda do Caimbé para matar a sede. A maioria deles afirmava que o produto tinha efeitos cicatrizantes e ajudava a curar baques, gastrite, arranhões e até unha encravada. O Sr. Walter Batista Nery, que em 1945, integrava o elenco do Amapá Clube, diz que o aperitivo era muito bom, com sabor variando entre o mel e o licor. Perico Costa sempre procurou obedecer à lei que proibia a venda de bebidas alcoólicas aos domingos. Entretanto, em maio de 1945, confiou na suposta discrição do freguês João Evangelista de Almeida e vendeu-lhe um litro de Caimbé num dia de domingo. Nem bem saiu da casa do comerciante, o comprador foi bebericar perto da Divisão de Segurança e Guarda e acabou sendo recolhido aos costumes.
Na edição nº. 6 do Jornal Amapá, que circulou no dia 12 de maio de 1945, o fato ganhou destaque na coluna Registros Policiais: “Vendia Caimbé Durante Lei Seca – Pedro. A. Costa, conhecido fabricante da bebida denominada “Caimbé”, não se conformando com a lei seca, vendeu, em um domingo, um litro dessa aguardente composta a João Evangelista de Almeida. Feita a apreensão da “água que passarinho não bebe” o fabricante vendedor foi obrigado a pagar a multa regulamentar”. Desse dia em diante, Perico Costa não atendeu nem os pedidos especiais que algumas autoridades faziam as escondidas. Quem desejasse ter o aperitivo Caimbé para saboreá-lo aos domingos, em sua residência, tinha que comprá-lo no decorrer da semana. Curioso é que na época já funcionava na esquina da Rua São José com a Avenida Presidente Vargas, o Bar Elite, de João Vieira de Assis, onde a cerveja era servida bem gelada. O Bar Elite também dispunha de outras renomadas bebidas, mas o pessoal preferia mesmo era o aperitivo fabricado por Perico Costa, por ser mais barato.
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