quinta-feira, 18 de outubro de 2012


     REMO, O CLUBE DE PERIÇÁ

          Por Nilson Montoril

Expressivo  escudo do Clube do Remo concebido à época em que a agremiação  só participava de regatas.

            As trajetórias existenciais dos dois mais importantes clubes do Estado do Pará, Remo e Paysandu são repletas de fatos curiosos. O Clube do Remo não surgiu com essa denominação e sim com o título de Grupo de Remo, no dia 5 de fevereiro de 1905. Foi fundado por alguns esportistas discidentes do Sport Club of Pará para participar das competições náuticas realizadas nas águas da Baia de Guarajá. Aliás, vários dos grandes clubes do Brasil tiveram no inicio de suas atividades o escopo exclusivo de disputar regatas. O primeiro campeão paraense de remo foi o Pará Clube, em 1905,que fez uso de apenas um barco, o “Ceará”. Os barcos utilizados nas regatas eram conhecidos como “iole”. Os mais leves vinham da Itália e os mais pesados eram fabricados no Rio Grande do Sul e em Niterói. A segunda regata no Pará só aconteceu em 1909 e a Recreativa sagrou-se campeã utilizando o barco “Ruivinha”. A sede náutica do Grupo do Remo foi erguida na Rua Siqueira Campos, ex-Rua Norte, a primeira a ser aberta em Belém. A Garagem Náutica, ainda em atividade tem fundos para o Rio Guamá. Em 1907, o Grupo do Remo possuía nove embarcações compreendendo canoas de 2 e 4 remos, baleeiras de 2, 4, 6 e 12 remos, iole a 4, iole a 8 e double-shiff. Devido a uma crise interna os remistas decidiram decretar a extinção da agremiação, mas uma turma denominada o Grupo dos Onze a reestruturou e a fez ressurgir no dia 15 de agosto de 1911. Participaram dessa iniciativa os abnegados desportistas Geraldo Mota (popular Rubilar, atleta que praticava remo, futebol e pedestrianismo), Nertan Corlett, Harley Corlett, Antônio Ribeiro da Silva, Jaime Lima, Mário Araújo, Palmério Pinto, Elzaman Magalhães, Oscar César Saltão (o líder do grupo), Severino Poggy e o macapaense Cândido Barata Jucá, filho do Coronel Coriolano Finéas Jucá, primeiro Intendente do Município paraense de Macapá. Na época da reorganização do Clube do Remo Cândido Jucá residia em Belém e morria de amores pelas cores do grêmio azul. As reuniões preparatórias visando à reorganização da entidade ocorriam no antigo Café Manduca. No dia do resgate da agremiação os integrantes do Grupo dos Onze realizaram um passeio fluvial utilizando um barco da Liga Marítima Brasileira e foram até Miramar, onde residia o português Chico Xavier, amigo de todos e que muito ajudou na reorganização. 

Aos onze abnegados torcedores do Grupo do Remo cujas fotografias estão estampadas neste cartão é que se deve a reorganização de um sociedade que chegou a ser considerada extinta. O cabeça pensante do grupo era Oscar César Saltão, líder nato em quem os demais companheiros acreditavam piamente.

Em sua nova fase a instituição passou a ostentar a denominação de Clube do Remo, devotando-se ao esporte náutico, ao tênis, a natação e ao futebol. Do grupo acima especificado, Cândido Jucá, Oscar Saltão e Antônio Ribeiro destacaram-se como remadores e integraram a equipe azulina que arrebatou o Torneio Náutico realizado em Belém no dia 13 de maio de 1912, pela passagem de mais um ano da abolição da escravatura no Brasil. 

Depois que o Grupo do Remo passou a participar de outras modalidades esportivas sua sede era a mesma do tradicional clube dedicado apenas às competições náuticas. A partir de 1928, uma nova sede foi construída e corresponde ao imóvel aqui retratado. Depois dele veio o Palácio Azul.

 O jogo de batismo do Clube do Remo, no futebol, data de 14 de julho de 1913, contra o time da União Esportiva. Os azulinos suplantaram seus adversários por 4x1. A União Esportiva havia conquistado o titulo do primeiro campeonato paraense de futebol em 1908. Em 1909, não houve disputas, mas em 1910, a União Esportiva sagrou-se bi-campeão. Na cidade de Belém não existia estádio de futebol. As partidas eram disputadas num arremedo de campo delineado em uma ampla área urbana no Largo de São Braz. Nos anos de 1911 e 1912 também não ocorreu certames. Em 1913, ainda jogando no campo do Largo de São Braz, o Clube do Remo conquistou o campeonato. Em 1914, atuando no campo do Paysandu, o Remo obteve mais um título, repetindo a façanha até 1919. É ainda hoje o único hepta-campeão paraense de futebol. Nos esportes náuticos o Clube do Remo continuava amealhando glórias. Entretanto, em 1921, uma fatalidade deixou o desporto do Pará de luto. Na manhã do dia 16 de maio do ano acima referido, o jovem atleta Carlos Ferreira Lopes, conhecido como Periçá, que integrava a segunda equipe de futebol do Clube do Remo foi defender as cores de sua agremiação numa prova de “mergulho de tempo”. Vencia essa prova o competidor que passasse mais tempo submerso. Periçá havia nadado 600 metros em outra competição e ainda não estava completamente refeito do esforço dispendido. Ele era tido como um mergulhador de muito fôlego e tinha provado isso em outras disputas. Desta feita Periçá mergulhou, mas demorou demais. Seus seis irmãos que o acompanhavam e outros atletas do Remo o retiraram das águas da Baia do Guajará ainda com vida e o levaram para o Hospital D. Luiz I. Naquela casa de saúde Periçá permaneceu internado por sete dias, falecendo no dia 23 de maio de 1921.

Sentado na sala de sua casa ao lado do bis-neto Ronaldo, Cândido Jucá estava á época da fotografia com 86 anos de idade. Tinha uma prole numerosa,mas no presente flagrante só aparecem o filho Cláudio,a esposa do Cláudio, Benita Souza Jucá, as netas Ieda Cristina, Cláudia Maria, Márcia Helena e a bis-neta Larissa. Cândido Jucá foi um dos dez  filhos que o coronel da Guarda Nacional  Coriolano Finéas Jucá e teve com Maria Negreiros Jucá. Era irmão de Maria do Carmo Jucá, segunda esposa de meu avô Antônio Torquato de Araujo.

 O enterro do abnegado atleta provocou profunda comoção nos moradores de Belém e foi acompanhado pela multidão até o cemitério Santa Izabel. Nascido na capital do Pará a 18 de outubro de 1898, Periçá faleceu com apenas 21 anos incompletos. Entre as homenagens prestadas a Carlos Ferreira Lopes, os próceres azulinos rotularam o Remo como o “Clube de Periçá”. No inicio da década de 1920, o Clube do Remo possuía entre seus atletas o jovem Evandro Almeida. Na defesa, ele só não atuava como goleiro. Em 1924, quando o Clube do Remo sagrou-se campeão a formação azulina era: Francelisio; Romeu e Ovídio; Brito, Vivi e Evandro Almeida; Formiga, Pequenino, Formigão, Rato e Porto. Evandro Almeida permaneceu como titular do Remo durante dez anos, sagrando-se campeão em 1925, 1926, 1930 e 1933. Em uma partida realizada em seu próprio estádio, o clube de Periçá perdia o jogo quando Evandro Almeida disputou de cabeça uma bola com um adversário e sofreu acentuado corte no couro cabeludo. Foi retirado de campo e assistido pelo médico, mas não aceitou ser substituído. Mesmo estando com a cabeça enfaixada ele retornou ao campo e a usou para marcar o gol de empate. Com essa prova de raça, coragem e amor ao time, Evandro Almeida foi considerado um autêntico leão. Isso levou os dirigentes do Clube do Remo a nomear o estádio da agremiação como Evandro Almeida.
Geraldo Mota, o consagrado atleta Rubilar praticava com preciosismo o remo, o pedestrianismo e o futebol. Na fotografia que ilustra este artigo ele aparece usando uma camiseta  sem mangas, tipo regata, tendo diversas medalhas que conquistou galhardamente. O broche com o escudo colorido do Clube do Remo corresponde a uma montagem que lhe cai muito bem.


 Além de ser rotulado como Clube de Periçá, o Clube do Remo também é conhecido como “Leão Azul”. Coube ao jornalista Edgar Proença utilizar o termo pela primeira vez. Os torcedores normalmente simplificam o termo para Leão. Por amor ao Clube do Remo, meu tio Hermano Jucá de Araújo mandou esculpir, em Macapá um leão igual aos que existem na frente do Fórum de Macapá inaugurado em 1953, atual sede da OAB/AP. Por exigência de Hermano Jucá, fanático torcedor do Remo, a escultura foi pintada de azul marinho e doada ao time da sua devoção. Duro foi convencer o Comandante Francisco Jucá do Nascimento, seu primo e cunhado, a levar a escultura para Belém. O Comandante Jucá, que era torcedor do Paysandu, disse que só transportaria a escultura se ela fosse encaixotada e colocada no fundo do porão do navio da ENASA que navegava sob sua responsabilidade. Se algum torcedor do Remo não sabia disso, ficará sabendo a partir da leitura desse artigo. O Leão Azul instalado no Estádio Evandro Almeida foi concebido em Macapá, pelo escultor Antônio Costa, a pedido de Hermano Jucá de Araújo, a partir de uma forma de madeira confeccionada por Jorge Marceneiro. Hermano Jucá era filho do Major Fiscal Antônio Torquato de Araújo e Maria do Carmo Negreiros Jucá, portanto sobrinho de Cândido Jucá.

                        Com sua entrada principal originalmente situada na Avenida Tito Franco de Almeida, cujo nome foi mudado tempos depois para Almirante Barroso, o Estádio Evandro Almeida também permite que os torcedores tenham acesso pela Rua Antônio Ladislau Monteiro Baena. Esse eminente cidadão nunca jogou futebol, seu nome sempre é citado como uma das formas da imprensa do Pará se referir ao Clube do Remo: Leão de Antônio Baena. O jornalista Tavernard escrevia suas matérias enaltecendo o Clube do Remo como “filho da glória e do triunfo”. Foi o bastante para que os torcedores do Paysandu afirmarem que o Papão é o triunfo, portanto, pai do Remo, como, aliás, o próprio prefixo do clube alvi-celeste já indica. Sou torcedor do Papão da Curuzu, mas tenho uma imensa admiração pelo Clube de Periçá, bem quisto por muitos dos meus parentes. Da mesma forma como às vezes o Papão sofre de fastio, o Leão se torna manso. Mesmo que o atual Estádio Evandro Almeida seja vendido, a nova toca do Leão continuará a ter a mesma denominação. O Clube do Remo permanecerá sendo tratado como Clube de Periçá, Leão Azul, Leão e Filho da Glória e do Triunfo. Perderá, entretanto, a referência “Leão de Antônio Baena”. 

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