terça-feira, 30 de outubro de 2012


 A FRACASSADA AÇÃO MILITAR DOS FRANCESES EM AMAPÁ

 Por Nilson Montoril

Mapas da Guyana Francesa e do Estado do Amapá.

                        No dia 9 de maio de 1895, uma quinta-feira, o Comissário Geral e Governador da Guiana Francesa, monsieur Charvein, preside uma sessão do Conselho Consultivo de Caiene para discutir com seus mais destacados membros o plano de invasão à vila do Espírito Santo do Rio Amapá Pequeno. Na oportunidade ficou decidido que a operação era de guerra e tinha por finalidade primordial prender o cidadão Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho e libertar o negro brasileiro Trajano Benites Benoir, que era aliado dos franceses. Na manhã do dia 10, sexta-feira, o Governador Charvein expediu instruções a seus assessores militares mais diretos como Lunier, Audibert, Destoup e d’Escrienne. Ao capitão Lunier, comandante da canhoneira Bengali (bengala) foi confiada a chefia geral da missão armada. Ao capitão-tenente Audibert, foram passadas ordens para verificar de haveria tropas regulares na Vila do Espírito Santo e, se houvesse registrar qual era o seu contingente. Se comprovada a existência de tropas regulares, Audibert deveria dirigir-se ao comandante brasileiro, exigindo a libertação de Trajano. Ao comandante do navio a vapor Liffield, que era um aviso de guerra, foi passada a ordem para realizar o transporte de 10 gendarmes e um brigadeiro até Calçoene, a fim de desalojarem e prenderem possíveis comandados de Cabralzinho que ali poderiam estar. O aviso de guerra Liffield, zarpou do porto de Caiene dia 11 de maio, sábado, às 6 horas da manhã. A canhoneira Bengali desatracou do porto de Caiene ao amanhecer do dia 12 de maio, domingo, conduzindo 58 soldados de infantaria naval, comandados pelo capitão-tenente Destoup e 36 marinheiros comandados pelo segundo-tenente d’Escrienne. Desempenhando a função de médico embarcara o Dr. Condé, revestido da patente de tenente. Cada oficial e cada soldado recebeu 120 cartuchos para armas de repetição. Ao desembarcarem na vila de Amapá, todos deveriam estar com as armas municiadas e as baionetas caladas. Também fariam uso de suas espadas.
Mapa da "Rèpublique De La Guayne Independente" ou "República do Cunani" fundada pelo aventureiro Jules Gross. Esta fantasiosa unidade administrativa avançava por terras do Pará e Amazonas até alcançar o rio Branco.

                        Na forma das instruções que o governador de Caiene transmitiu ao Capitão Lunier, os franceses deveriam ter muita cautela antes de entrar na vila, fazendo-o de imediato se por acaso os brasileiros dessem inicio as hostilidades. Ainda no decorrer do dia 12 de maio a canhoneira Bengali chegou à foz do rio Calçoene, onde deveria aguardar o retorno do aviso de guerra Liffield, que se encontrava fundeado no rio Calçoene, em frente à cachoeira Firmino. Na vila Firmino, o comandante do vapor Liffield foi informado pelo comerciante Bisson, que era francês e ali residia há algum tempo, que Trajano tinha sido preso por enviados de Cabralzinho e levado para a vila de Amapá. No mesmo dia, em Cunani, um grupo de voluntários de Exército Defensor do Amapá, içava a bandeira do Brasil, no mesmo mastro onde os guianenses costumavam hastear a bandeira da França, erguido em frente ao prédio que o Capitão Trajano Benites vinha usando como sede da Prefeitura. O pavilhão franco, arriado pelos brasileiros, ficou como butim. A população de Cunani, constituída basicamente por brasileiros, vibrou com o acontecimento. Posicionada na foz do rio Calçoene, a Bengali disparou um tiro de canhão para avisar o comandante do navio Liffield de que o aguardava. Juntos, a Bengali e o Liffield, permaneceram fundeados em águas atlânticas até o amanhecer do dia 13 de maio, segunda-feira, quando navegaram no sentido da vila de Amapá. Na madrugada do dia 15 de maio, quarta-feira, os franceses chegaram à foz do rio Amapá Pequeno, mas não puderam singrar as suas águas barrentas, devido ao fato da Bengali ser um vaso de guerra de relativo porte, cujo calado não favorecia sua entrada no referido caudal. O mesmo deve ter ocorrido com o Liffield. Utilizando escaleres, os franceses rumaram para dois pontos que eles consideravam estratégicos. O Capitão Lunier e o capitão-tenente Destoup iam à frente de 58 soldados de infantaria para alcançar a vila de Amapá pela frente. O segundo-tenente d’Escrienne seguiu para o local do cemitério velho, de onde chegaria à vila pela retaguarda. Tinha sob seu comando 36 matelot (marinheiros).
A área em cinza correspondia ao Território Contestado que a França dizia lhe pertencer.  Fatos históricos  incontestáveis  indicavam que as terras entre a margem esquerda do rio Araguary e a margem direita do rio Oiapoque era brasileiras. Levados pela ambição, os franceses chegaram ao cúmulo de dizer que os rios Araguary e Amazonas eram um único caldal.

                        Enquanto os franceses desencadeavam essas manobras, a população da vila de Amapá levava a vida de maneira sossegada. Desde o mês de dezembro de 1894, os amapaenses tinham decidido pela criação de um sistema de gestão denominado Triunvirato, bastante conhecido na história política do Pará. O Triunvirato do Território Amapaense foi criado depois que os franceses nomearam um governador para a região do contestado, cuja sede seria a vila de Amapá e proibiram a entrada de brasileiros nas regiões das minas de ouro. Despontou como mentor da idéia Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho, que em 1891 liderara um movimento em Belém, visando impedir a posse de Lauro Sodré no governo da Província do Pará. O curioso é que Cabralzinho integrava a facção política que apoiava Lauro Sodré, mas não concordava com a forma como foi eleito o governante. Ele não era militar, mas praticava com maestria o jogo de capoeira, tão necessário, como a navalha, quando havia confrontos com militantes de partidos adversários. Atuaram ao lado de Cabralzinho: Cônego Domingos Maltez, Desidério Antônio Coelho, Antônio Gonçalves Tocantins e outros. Eram 10h15min horas do dia 15 de maio de 1895, quarta-feira, quando o contingente francês desembarcou na vila de Amapá. Poucas pessoas podiam ser vistas fora de suas casas. Um dos moradores foi detido por Lunier e orientado a chamar Cabralzinho. A presença dos franceses era esperada na vila, mas ninguém imaginava que eles ostentariam tanto poderio militar. Cabralzinho recebeu o comunicado e tratou de passar orientações a diversos integrantes do Exército Defensor do Amapá, que na verdade não pode sequer ser comparado a uma milícia dos dias atuais. Os integrantes dessa força cabocla utilizavam suas próprias armas e não tinham uniformes e espadas. Cabralzinho foi ao encontro de Lunier ladeado por outros moradores. Lunier não o conhecia, razão pela qual Cabral optou por estar entre acompanhante. Se fosse sozinho, certamente seria morto de imediato.
O prato com a figura de Cabralzinho e sua pistola estavam dependurados na parede da sala de Dona Altamira Cabral , filha do herói amapaense, na cidade de Belém.

                        Acostumado a brigar valendo-se da capoeira, Cabralzinho encostou-se a Lunier, frente a frente, cara a cara e desarmado. A mínima distância era fundamental para uma reação. Ciente de que seus companheiros estavam posicionados para revidar os ataques dos franceses, não negou sua identidade quando Lunier perguntou se ele era Cabralzinho. Porém, ao ouvir o oficial franco mandar prendê-lo, decidiu apossar-se da pistola que Lunier tinha à cintura e a seu alcance. Com um golpe de capoeira prostou o oficial ao chão e o matou. A morte também foi o destino dos soldados que tentaram atingi-lo. Sem munição, cabralzinho e outros companheiros refugiaram-se na mata e ali esperaram os reforços que viriam das fazendas. Estimulados pelo tenente Destoup, os franceses investem contra a população indefesa e chacinam 38 pessoas. Cientes de que a maré baixa deixaria os escaleres encalhados, trataram de se retirar, levando 6 mortos, 22 feridos e alguns reféns. A partir do dia 15 de maio de 1895, a região do contestado passou a ser dominada pelos brasileiros, tendo a dirigi-la o Triunvirato do Território Amapaense e a Constituição do Estado do Pará.

Monumento existente na cidade de Amapá, erguido por iniciativa da Maçonaria no local onde  ocorreu o encontro entre Cabralzinho e o capitão Lunier. A placa contém a frase de um deputado pernambucano que saudou Cabralzinho quando o navio que levava o herói amapaense ao Rio de Janeiro aportou em Recife: "Se grande foi o Cabral que nos descobriu, maior foi o que nos defendeu." 
                         

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