A
FRACASSADA AÇÃO MILITAR DOS FRANCESES EM AMAPÁ
Por Nilson Montoril
Mapas da Guyana Francesa e do Estado do Amapá. |
No
dia 9 de maio de 1895, uma quinta-feira, o Comissário Geral e Governador da
Guiana Francesa, monsieur Charvein, preside uma sessão do Conselho Consultivo
de Caiene para discutir com seus mais destacados membros o plano de invasão à
vila do Espírito Santo do Rio Amapá Pequeno. Na oportunidade ficou decidido que
a operação era de guerra e tinha por finalidade primordial prender o cidadão
Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho e libertar o negro brasileiro Trajano
Benites Benoir, que era aliado dos franceses. Na manhã do dia 10, sexta-feira,
o Governador Charvein expediu instruções a seus assessores militares mais
diretos como Lunier, Audibert, Destoup e d’Escrienne. Ao capitão Lunier,
comandante da canhoneira Bengali (bengala) foi confiada a chefia geral da
missão armada. Ao capitão-tenente Audibert, foram passadas ordens para
verificar de haveria tropas regulares na Vila do Espírito Santo e, se houvesse
registrar qual era o seu contingente. Se comprovada a existência de tropas
regulares, Audibert deveria dirigir-se ao comandante brasileiro, exigindo a
libertação de Trajano. Ao comandante do navio a vapor Liffield, que era um aviso
de guerra, foi passada a ordem para realizar o transporte de 10 gendarmes e um
brigadeiro até Calçoene, a fim de desalojarem e prenderem possíveis comandados
de Cabralzinho que ali poderiam estar. O aviso de guerra Liffield, zarpou do
porto de Caiene dia 11 de maio, sábado, às 6 horas da manhã. A canhoneira
Bengali desatracou do porto de Caiene ao amanhecer do dia 12 de maio, domingo, conduzindo
58 soldados de infantaria naval, comandados pelo capitão-tenente Destoup e 36
marinheiros comandados pelo segundo-tenente d’Escrienne. Desempenhando a função
de médico embarcara o Dr. Condé, revestido da patente de tenente. Cada oficial
e cada soldado recebeu 120 cartuchos para armas de repetição. Ao desembarcarem na
vila de Amapá, todos deveriam estar com as armas municiadas e as baionetas
caladas. Também fariam uso de suas espadas.
Na
forma das instruções que o governador de Caiene transmitiu ao Capitão Lunier,
os franceses deveriam ter muita cautela antes de entrar na vila, fazendo-o de
imediato se por acaso os brasileiros dessem inicio as hostilidades. Ainda no
decorrer do dia 12 de maio a canhoneira Bengali chegou à foz do rio Calçoene,
onde deveria aguardar o retorno do aviso de guerra Liffield, que se encontrava
fundeado no rio Calçoene, em frente à cachoeira Firmino. Na vila Firmino, o
comandante do vapor Liffield foi informado pelo comerciante Bisson, que era
francês e ali residia há algum tempo, que Trajano tinha sido preso por enviados
de Cabralzinho e levado para a vila de Amapá. No mesmo dia, em Cunani, um grupo
de voluntários de Exército Defensor do Amapá, içava a bandeira do Brasil, no
mesmo mastro onde os guianenses costumavam hastear a bandeira da França,
erguido em frente ao prédio que o Capitão Trajano Benites vinha usando como
sede da Prefeitura. O pavilhão franco, arriado pelos brasileiros, ficou como
butim. A população de Cunani, constituída basicamente por brasileiros, vibrou
com o acontecimento. Posicionada na foz do rio Calçoene, a Bengali disparou um
tiro de canhão para avisar o comandante do navio Liffield de que o aguardava. Juntos,
a Bengali e o Liffield, permaneceram fundeados em águas atlânticas até o
amanhecer do dia 13 de maio, segunda-feira, quando navegaram no sentido da vila
de Amapá. Na madrugada do dia 15 de maio, quarta-feira, os franceses chegaram à
foz do rio Amapá Pequeno, mas não puderam singrar as suas águas barrentas,
devido ao fato da Bengali ser um vaso de guerra de relativo porte, cujo calado
não favorecia sua entrada no referido caudal. O mesmo deve ter ocorrido com o
Liffield. Utilizando escaleres, os franceses rumaram para dois pontos que eles
consideravam estratégicos. O Capitão Lunier e o capitão-tenente Destoup iam à
frente de 58 soldados de infantaria para alcançar a vila de Amapá pela frente.
O segundo-tenente d’Escrienne seguiu para o local do cemitério velho, de onde
chegaria à vila pela retaguarda. Tinha sob seu comando 36 matelot (marinheiros).
Enquanto
os franceses desencadeavam essas manobras, a população da vila de Amapá levava
a vida de maneira sossegada. Desde o mês de dezembro de 1894, os amapaenses
tinham decidido pela criação de um sistema de gestão denominado Triunvirato,
bastante conhecido na história política do Pará. O Triunvirato do Território
Amapaense foi criado depois que os franceses nomearam um governador para a
região do contestado, cuja sede seria a vila de Amapá e proibiram a entrada de
brasileiros nas regiões das minas de ouro. Despontou como mentor da idéia
Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho, que em 1891 liderara um
movimento em Belém, visando impedir a posse de Lauro Sodré no governo da
Província do Pará. O curioso é que Cabralzinho integrava a facção política que
apoiava Lauro Sodré, mas não concordava com a forma como foi eleito o
governante. Ele não era militar, mas praticava com maestria o jogo de capoeira,
tão necessário, como a navalha, quando havia confrontos com militantes de
partidos adversários. Atuaram ao lado de Cabralzinho: Cônego Domingos Maltez,
Desidério Antônio Coelho, Antônio Gonçalves Tocantins e outros. Eram 10h15min
horas do dia 15 de maio de 1895, quarta-feira, quando o contingente francês
desembarcou na vila de Amapá. Poucas pessoas podiam ser vistas fora de suas
casas. Um dos moradores foi detido por Lunier e orientado a chamar Cabralzinho.
A presença dos franceses era esperada na vila, mas ninguém imaginava que eles ostentariam
tanto poderio militar. Cabralzinho recebeu o comunicado e tratou de passar
orientações a diversos integrantes do Exército Defensor do Amapá, que na
verdade não pode sequer ser comparado a uma milícia dos dias atuais. Os
integrantes dessa força cabocla utilizavam suas próprias armas e não tinham
uniformes e espadas. Cabralzinho foi ao encontro de Lunier ladeado por outros
moradores. Lunier não o conhecia, razão pela qual Cabral optou por estar entre
acompanhante. Se fosse sozinho, certamente seria morto de imediato.
O prato com a figura de Cabralzinho e sua pistola estavam dependurados na parede da sala de Dona Altamira Cabral , filha do herói amapaense, na cidade de Belém. |
Acostumado
a brigar valendo-se da capoeira, Cabralzinho encostou-se a Lunier, frente a
frente, cara a cara e desarmado. A mínima distância era fundamental para uma
reação. Ciente de que seus companheiros estavam posicionados para revidar os
ataques dos franceses, não negou sua identidade quando Lunier perguntou se ele
era Cabralzinho. Porém, ao ouvir o oficial franco mandar prendê-lo, decidiu
apossar-se da pistola que Lunier tinha à cintura e a seu alcance. Com um golpe
de capoeira prostou o oficial ao chão e o matou. A morte também foi o destino dos
soldados que tentaram atingi-lo. Sem munição, cabralzinho e outros companheiros
refugiaram-se na mata e ali esperaram os reforços que viriam das fazendas.
Estimulados pelo tenente Destoup, os franceses investem contra a população
indefesa e chacinam 38 pessoas. Cientes de que a maré baixa deixaria os escaleres
encalhados, trataram de se retirar, levando 6 mortos, 22 feridos e alguns
reféns. A partir do dia 15 de maio de 1895, a região do contestado passou a ser
dominada pelos brasileiros, tendo a dirigi-la o Triunvirato do Território
Amapaense e a Constituição do Estado do Pará.
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