BICICLETAS EM MACAPÁ
Por Nilson
Montoril
Acredita-se
que o primeiro engenho humano semelhante à bicicleta surgiu na China. Entretanto,
entre os desenhos fantásticos concebidos por Leonardo da Vinci, corresponde a
um veículo com duas rodas, que seria moldado em madeira. O desenho é de
1490 e inspirou o celerífero. Em 1817, o alemão Barão Karl Von Drais construiu
um veículo a partir do celerífero feito em madeira. Porém , a
bicicleta como o mundo conhece surgiu em 1880, na Inglaterra. Bicicleta é uma
palavra originária do latim bi (duas) e do grego kiklos (rodas), com incursões
pelo inglês bicycle, pelo diminutivo Frances bicyclette e pelo castelhano
bicicleta. São inúmeras as marcas de bicicletas que se espalharam pelo mundo.
No Brasil, a mais famosa delas foi a bicicleta Hércules, fabricada na
Inglaterra graças a iniciativa de Edmond Crane, conhecido como Ted Crane.
Ele
foi o fundador da fábrica de bicicletas Hércules. Ted era filho de Jack Crane,
que iniciou a vida empresarial fabricando 25 bicicletas por semana, em sua Companhia Ciclo
Petroo, em Coventry
Street , na cidade de Birmingham. Os veículos eram fortes e
duráveis, justificando o nome que lhe foi dado. O velho Jack Crane contou com a
ajuda dos filhos Ted e Harry em seu empreendimento, mas a robustez e o preço do
veículo acabaram levando a empresa á falência. As bicicletas que não tinham
sido vendidas com emissão de documento fiscal foram negociadas contrariando
normas legais, fato que gerou problemas jurídicos para a família Crane.
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A empresa cujo nome é visto no frontispício do prédio chegou a negociar cerca de um milhão de bicicletas. |
Em
1910, depois de livrarem-se do processo de conspiração econômica, os irmãos
Crane decidiram criar a firma Ciclo Hércules and Motor Company. Iniciaram
fabricando 25 veículos por semana e depois alcançaram a marca de 70 bicicletas.
Em 1914, a
fábrica obteve a produção de 10.000 bicicletas. Em 1923, Ted e Harry Crane
compraram uma fábrica de pneus e câmaras de ar e iniciaram a construção de suas
próprias peças. A bicicleta veio da Europa para o Brasil em 1898, no final do
século XIX. Devido à migração alemã, ela foi inicialmente popularizada no
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Aos poucos o veículo foi se
tornando conhecido no restante do país. A bicicleta era importada desmontada.
Apenas selins e pára-lamas eram fabricados no Brasil.
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A bicicleta que aparece em primeiro plano corresponde a um triciclo e tem até bagageiro. O casal que fazia uso do veículo vestia-se com elegância e ambos pedalavam. |
Dominavam o mercado
brasileiro as marcas Bianchi, Lanhagno, Peugeot, Duphopp, Phillips, Hércules,
Raleigh, Prosdócimo, Singer, Caloi e Monark, todas importadas dos Estados
Unidos da América. Em meados de 1940, devido à 2ª guerra mundial, que se
espalhou pela Europa, o presidente Getúlio Vargas restringiu a entrada de
produtos estrangeiros e estimulou a fabricação dos mesmos no Brasil, inclusive
bicicletas. Entre 1950 e 1970, havia 30 fábricas no país e mais de 50 marcas e
modelos. Em 1980, a
Monark e a Caloi dominavam 95% do mercado. No último mês de agosto de 2013, a Caloi, que era a
maior fabricante de Bicicletas da América Latina, com sede em Manaus, vendeu
70% de suas ações para a canadense Dorel Industries e hoje só detém 40% do
mercado.
Não há registros formais sobre a existência de bicicletas em Macapá
antes da criação do Território Federal do Amapá, em 1943. Elas começaram a
aparecer na cidade a partir do ano de 1945. A casa Leão do Norte, então administrada
pela família Zagury foi a primeira a vender os fascinantes veículos da marca
Hércules. Em pouco tempo, quem não possuía uma bicicleta podia alugá-la pagando
um cruzeiro à hora. O negócio era mantido pelo macapaense Francisco Marques
Picanço, o Mixico, que ainda reside na capital do Amapá O próprio Mixico fazia
a manutenção de suas bicicletas e montava e lubrificava as que eram vendidas na
Casa Leão do Norte, onde trabalhava.
No decorrer de vários anos o Mixico
destacou-se como o melhor ciclista da cidade, representando a Congregação
Mariana e o Juventus Esporte Clube. Andar pedalando uma bicicleta Hércules dava
um prestigio danado, notadamente se o veículo fosse próprio. O Mixico tinha umas
3 ou 4 bicicletas, todas impecáveis quanto ao estado de conservação. Creio que,
atualmente, apenas o José do Carmo Tavares, o Zeca Eletricista é o único
cidadão de Macapá a manter em funcionamento suas duas bicicletas da marca
Hércules. E saiba que o Zeca tem mais de 80 anos de idade e todos os dias
transita pelas ruas de Macapá.
Comprar
uma bicicleta da marca Hércules não era privilégio reservado a qualquer um. O
preço era salgado se comparado ao de outras marcas que depois foram aparecendo.
A Casa Leão do Norte manteve a primazia de vender com exclusividade, por muitos
anos, as bicicletas Monark. Foi neste estabelecimento comercial que, em 1966,
comprei minha única bicicleta, um modelo com barra circular intitulado “Monark Copa
do Mundo”. Antes, tive o prazer de pedalar uma bicicleta Goricke (fabricação
alemã) e outra Mercswiss (fabricação totalmente brasileira), que pertenceram
respectivamente as minhas irmãs Nice e Nancy. Lembro que a logomarca da Mercswiss
era uma bela caravela, cuja placa vinha presa com rebites na parte do quadro
por onde era embutido o garfo da roda dianteira e o guidom. Eram alvo de
admiração as bicicletas utilizadas pelos padres italianos.
Elas pareciam ser
frágeis, mas suportavam muito bem o corpanzil do Irmão Leigo Francesco
Mazollene, o famoso Catterpilar. Esse devotado religioso transportava com
freqüência, sobre os ombros, um quarto trazeiro de carne bovina que os membros
do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras consumiam na então Prelazia de
Macapá. Fazia isso subindo a Rua Cândido Mendes, trajeto compreendido entre o
Frigorífico Territorial (que ficava na esquina da citada rua com a Avenida
Coaracy Nunes) e a Casa dos Padres, na Rua São José. As duas primeiras
bicicletas oriundas da Itália, ambas da marca Bianchi, fabricadas em Treviglio,
Milão a partir de 1885, pela fábrica de Edoardo Bianchi, chegaram a Macapá no
dia 5 de outubro de 1948.
Elas vieram por via marítima até Belém e daí para
Macapá em embarcações do governo territorial. Estavam montadas e prontas para
uso imediato. Os dois maiores utilizadores das bicicletas eram o Padre Lino
Simonelli e o irmão Francisco. O Padre Lino virava Macapá de cabeça pra baixo.
Muito brincalhão, ele mesmo apitava com a boca para afastar apalermados do
caminho. Ia freqüentemente pregar o catecismo na periferia da cidade,
notadamente no Igarapé das Mulheres (Perpétuo Socorro) e o Morro do Sapo, assim
denominada a parte alta no final da Rua São José, antes um precaríssimo caminho
cortado por um braço do igarapé da Companhia, área que depois foi rasgada para
a abertura da Avenida Nações Unidas.
Nessas andanças pela periferia da cidade o
Padre Lino contava com a colaboração do médico Diógenes Gonçalves da Silva, que
fazia uso de uma velha bicicleta da marca Hércules trazida de Belém. Outra
marca bicicleta que eu conheci e andei foi a Gulliver, fabricada em Bonsucesso
no Rio de Janeiro pela firma “B Herzog”, pertencente à família de Leon
Herzogera, seu fundador. Isso ocorreu a partir de 1951, e o veículo era de
ótima qualidade. Em 1939 Leon Herzog possuía uma pequena fábrica na Polônia,
mas a ocupação do país pela Alemanha o fez perder tudo. Em 1945, após a segunda
guerra mundial Leon migrou para o Brasil. Sua lojinha de Bonsucesso cresceu até
virar fábrica. Entretanto, devido a desentendimentos entre os familiares
acionistas a firma encerrou suas atividades no final da década de 1950. As
bicicletas de hoje são mais bonitas, leves, resistentes, mas perderam o encanto
de outrora. Porém, a bicicleta é disparadamente, o veículo mais usado em todo o
mundo
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Velha bicicleta Haleigh equipada com dínamo, farol e buzina |
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A bicicleta vermelha da fotografia é uma Gulliver equipada com descanso, dínamo instalado no garfo dianteiro e farol |