NEGRINHAS NAMORADEIRAS
Por Nilson Montoril
As
negrinhas namoradeiras são um tipo de bonecas que ainda hoje enfeitam varandas,
cozinhas, corredores, janelas de residências e de estabelecimentos comerciais,
amurados, áreas de lazer e mesmo nas salas de muitas casas no interior do
Brasil. Na época do Brasil colonial essa espécie de decoração evidenciava
mulheres brancas, louras, olhos castanhos, lábios e unhas pintadas de
encarnado. As primeiras bonecas foram trazidas de Portugal, mas depois passaram
a ser confeccionadas no Brasil. Feitas de gesso, argila ou madeira, as bonecas
namoradeiras podiam ser confundidas com as mulheres dos colonizadores, que não
podiam aparecer reveladamente na frente cãs casas, principalmente as casadas.
O
costume teria surgido em Portugal na época da dominação moura. Para impedir que
os passantes das ruas vissem as recatadas mulheres brancas bisbilhotando o que
se passava na rua, os donos dos imóveis mandavam colocar um tipo de treliça de
madeira chamada muxarabiê bloqueando as janelas. Espécie de biombo tinha diversas frestas e
através delas é que as mulheres viam o exterior das residências. A palavra muxarabiê vem do Frances
moucharaby, derivado do árabe masrabiya ou muxarabi. Assegura ventilação,
sombra e permite olhar para o exterior sem ser observado. È uma patente
influência da arquitetura moura na península ibérica.
A descrição mais usual de
muxarabiê corresponde a uma espécie de balcão mourisco, protegido por treliças
em toda a altura da janela, o que o torna indevassável. Além do muxarabiê, também
se fez uso das rótulas, esquadrias construídas em peças de madeira sobrepostas
diagonalmente, de modo a formar desenhos variados, com a finalidade de
resguardar a intimidade da família. A tradução literal de muxarabiê é: “De onde
se vê sem ser visto”.
![]() |
Belíssima arquitetura mourisca ainda existente em Portugal. |
Na Região Nordeste o uso da urupema ainda é notado.
Urupema é um vocábulo de origem tupy-guarany, mas também usado no nheengatu
(fala bonita, correta), que designa uma esquadria feita de palha traçada de carnaúba,
buriti, urubá. Entretanto, o termo também denomina uma espécie de peneira feita
de fibras, usada para escorrer leite de coco, mandioca, bacaba e outros
produtos decorrentes da maceração de frutos ou raízes. Pode ainda identificar
um cesto esquinado, anguloso ou enquadrado utilizado como instrumento de pesca.
As
bonecas namoradeiras são esculturas agradáveis, muito bem confeccionadas. Podem
estar pintadas de preto, com olhos verdes, brincos, colares, pulseiras,
enfeites presos ao cabelo, lábios e unhas pintadas de vermelho. Elas não são
expostas em corpo inteiro, mas apenas a cabeça, busto, braços, ombros e mãos.
De um modo geral as bonecas aparecem com o braço direito apoiado no beiral da
janela ou no balcão que a bloqueia, com a cabeça inclinada e o queixo
repousando na palma da mão. Essas bonecas podem ser entendidas como um recurso
usado pelo dono da casa para mostra que em sua residência sempre tinha alguém
vigilante na janela.
Quando estive em São Luiz , capital do
Estado do Maranhão, no final do mês de novembro de 2012, freqüentei diversos
lugares onde as negrinhas namoradeiras estavam expostas. Num velho prédio que
teria servido como prisão, encontrei o busto de uma delas sobre o balcão de uma
lanchonete. Outra boneca eu vi na sala de refeições da casa de meu sobrinho
David Martins Nunes Júnior e sua esposa Lana. Ao trafegar pela Travessa
Portugal, no centro histórico da capital gonçalvina, deparei com outras duas negrinhas
expostas na janela de um restaurante. Pedi autorização ao proprietário do
estabelecimento e, postado entre as duas bonecas, solicitei que a Lana batesse
uma fotografia. Gostei tanto das negrinhas que acabei ganhando uma de presente.
