segunda-feira, 20 de maio de 2013

A MORTE DO ESCOTEIRO PADRE




                          A MORTE DO ESCOTEIRO “PADRE”

                          Nilson Montoril
 
Cachoeira do Paredão, no Rio Araguari,com um desnível de 9 metros e um potencial hidráulico de 180.000 HP.
                        Em julho de 1957, integrantes do Grupo de Escoteiros Católicos São Jorge realizaram um passeio à área onde estava situada a cachoeira Paredão, cujo potencial hídrico já havia sido previamente estudado e deveria favorecer a construção de uma hidrelétrica. Essa pretensão do Território Federal do Amapá possuir uma hidrelétrica fora evidenciada quando, em 1945, o governo federal iniciou uma série de debates com a Hana Corporation, empresa norte-americana interessada na exploração do ferro do Rio Vila Nova. O ferro extraído não seria mandado para fora do Amapá e uma siderúrgica o beneficiaria. Em 2 de março de 1956, foi publicada a Lei nº 2.740, decorrente de um projeto de lei que o Deputado Federal pelo Amapá, Coaracy Monteiro Nunes tinha apresentado na Câmara Federal autorizando a criação da Companhia de Eletricidade do Amapá. Á época do passeio dos escoteiros os trabalhos preliminares para a realização da grande obra já estavam em andamento, mas tudo ainda era inóspito. Na organização do “acampamento” estavam os chefes escoteiros Expedito Cunha Ferro, o popular “91”, Humberto Álvaro Dias Santos e o Padre Ângelo Biragui, então orientador espiritual dos jovens escoteiros e vigário da Paróquia São José. 
Patrulha Tucunaré: Os três primeiros moleques que vemos na fotografia, junto a uma pedra, são os escoteiros José Marques Picanço (curupira), José Ribamar Carvalho (Baé) e Nilson Montoril de Araújo (changai). Entre o Ribamar e o Nilson  aparece o Dinaldo e um pouco mais atrás o Mamede(cabeça no saco). Encoberto pelo Nilson há um garoto que não consegui identificar.No outro plano, quase de costa, escorado numa pedra, identifiquei o Edson Piloto(cabeça chata).Depois vemos o Ranulfo, Reginaldo Café (salazar), Beiço de Burro, Nonato, Pedroca e o chefe Expedito Cunha Ferro(91).Por trás do Zé Marques só aparecem as pernas um garoto.Um outro escoteiro é visto ao lado do Dinaldo.Há 15 pessoas nesta fotografia.

A região cortada pelo Rio Araguary era muito aprazível e praticamente intocada. Caça havia em abundância e podia ser vista no meio da estrada de chão que ligava Macapá ao canteiro de obras pro edificação da usina. Presidia a Companhia de Eletricidade do Amapá o senhor Tupy Correa Porto e o Diretor Gerente era o odontólogo Amiraldo Elleres Nune, primo do governador Janary Gentil Nunes, que também era entusiasta pelo escotismo. Nossa viagem até o Paredão ocorreu em um caminhão cedido pela CEA e nos deixou relativamente apreensivos devido ao traçado bastante irregular da estrada, onde prontificavam subidas e descidas abruptas. Partimos antes do alvorecer e todo mundo ia acomodado debaixo do encerado locomotiva do caminhão e bem abrigados do frio. 

Patrulha Aruanã: José de Souza Penafort (macaco), Olivar Pereira Bezerra (português), Padre Ângelo Biragui, José Raimundo Tavares (Bilipão), Antônio Pereira (padre,marcado com uma cruz), Estanislau de Araújo Coutinho (Estandico ou acari bodó,com casquete na cabeça), Zildekias Alves de Araújo, Ernesto Dias Neto (filé) e Jefferson Luiz Santana (Iso).

No canteiro de obras ocupamos uma casa que servia de escola, mas que se encontrava vazia em virtude das férias escolares. No primeiro dia do acampamento procedemos a hasteamento da bandeira nacional, tomamos café com pão torrado, leite, queijo e manteiga que eram mandados para o Brasil, pelos Estados Unidos da América, através da “Campanha Eliança Para o Progresso”. O contingente era formado por pioneiros, escoteiros e lobinhos e não excedia a 30 indivíduos. Após o café o chefe Humberto Dias dividiu o grupo em duas patrulhas: Tucunaré e Aruanã. A patrulha Tucunaré, da qual eu fazia parte teve o privilégio de ser a primeira a chegar bem perto da cachoeira Paredão e fez isso com redobrados cuidados sob as orientações do chefe 91. Para evitar que algum moleque afoito tentasse nadar no remanso formado pelas águas que desciam da queda d’água, o chefe 91 escolheu um local por onde descia um pequeno volume de água, formando um córrego estreito e raso. Os pioneiros e escoteiros mais velhos se instalaram a cerca de 2 metros da foz desse córrego e barravam qualquer tentativa de aventura dos mais afoitos. Passamos a manhã tomando banho e percorrendo locais com águas represadas em busca de peixes para o jantar. Na manhã do segundo dia foi a vez da “Patrulha Aruanã” conhecer o local que tinha sido batizado de “Recanto Encantado”.

Em novembro de 1960, já se encontravam em Macapá os primeiros técnicos da Techint, empresa ítalo-brasileira, para a instalação do Canteiro de Obras e inicio da construção da Usina Pilôto da hidrelétrica Coaracy Nunes.  A contar de 1962,  foi preparado o "Parque Recreio", um lugar tranquilo para as reuniões de congraçamento e recreação do pessoal envolvido no execução dos trabalhos da usina.

 A “Patrulha Tucunaré” recebeu o encargo de preparar o almoço, carregar água, coletar lenha e limpar a área do acampamento e a escola. As mesmas atividades que a “Patrulha Aruanã” tinha realizado no dia anterior. Por volta das 10h30min horas, do alto da colina onde estava edificada a escola, observamos que os componentes da Patrulha Aruanã estava voltando ao acampamento e muitos choravam copiosamente. Indagamos o que havia acontecido e recebemos como resposta a notícia de que o "Padre havia morrido afogado", mas seu corpo estava desaparecido. De imediato pensamos que o afogado fosse o Padre Ângelo Biragui. Entre os que tinham permanecido no acampamento encontrava-se o José Pereira, jovem muito prestativo, que derrepente parou de brincar e ficou olhado para os escoteiros retirantes, certamente procurando localizar seu irmão Antônio Pereira, exatamente o menino que tinha morrido. Sem vê-lo, José deduziu que a vitima fatal era o Antônio, cujo apelido no Oratório São Luiz era padre. Chorando muito se retirou para o local onde estava atada sua rede e ali permaneceu sem procurar saber detalhes do acontecido. Antônio Padre era muito irrequieto e excelente jogador de petecas. Disputar uma partida com ele era certeza de que ficaria de mãos vazia.
 
Casas da vila residencial construída na área da cachoeira do Paredão. Posteriormente este panorama mudou bastante.
                        Enquanto trabalhadores do canteiro de obras tentavam localizar o corpo do Antônio, os escoteiros se mantinham em silêncio e acomodados. O Antônio não sabia nadar,mas simulava fazê-lo usando as mãos que tocavam no fundo do córrego para impulsionar seu corpo. Fez isso inúmeras vezes até descuidar-se e passar do marco fincado na areia visualizando o ponto que não deveria ser ultrapassado por ninguém. Escoteiros experientes, acostumados a nadar no canal de Santana se atiraram atrás do Antônio,mas a força d'água era descomunal. Uma coisa intrigante aconteceu no afogamento do "Antônio Padre": ele sentou de uma só vez, certamente puxado para o fundo do rio pelo redemoinho que existia no local. As buscas foram feitas até as 18 horas e suspensas para reiniciar no dia seguinte. Por volta das 19 horas, com todo o material de acampamento e nossos objetos pessoais arrumados, embarcamos no caminhão e rumamos para Macapá. Perto das 22 horas o caminhão adentrou no quintal da Prelazia de Macapá e nos recebemos ordens para nos alojarmos no Salão Paroquial Pio XII, um barracão onde eram realizadas atividades religiosas, projeção de filmes e encenações de peças teatrais. 

Todos deveriam permanecer em silêncio e só deixar o barracão depois que o chefe Humberto Santos fosse à casa do senhor Raimundo Pereira cientificá-lo sobre a morte do filho. Entretanto, alguns meninos não obedeceram à ordem recebida, abandonaram o barracão e foram espalhando a macabra noticia a seus vizinhos, entre eles o seu Raimundo. O corpo do Antônio Pereira só foi encontrado uma semana após o sinistro. Mergulhadores o localizaram preso a uma pedra no fundo do rio Araguary, ali mantido pela força descomunal da água que descia da cachoeira. Em adiantado estado de decomposição e bastante danificado pelos peixes e pelo atrito contra as pedras submersas, o que restou foi sepultado no cemitério da vila de Ferreira Gomes. Em 1960, seus despojos foram trazidos para o cemitério Nossa Senhora da Conceição e enterrado ao lado dos seis escoteiros que morreram afogados no Rio Amapari, em Serra do Navio, quando uma ponte pênsil da ICOMI desabou.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

PROGRAMA BOM DIA AMAPÁ





                                               PROGRAMA BOM DIA AMAPÁ

                                                                              Nilson Montoril

Em 25 de julho de 1987,tive a grata surpresa de encontrar em Mazagão Velho o Embaixador do Marrocos no Brasil, Mohammed Nabir Messarri que me concedeu uma entrevista  e gravou um depoimento para um vídeo da Cavalhada de São Tiago que fiz para a Secretaria de Educação e Cultura usando equipamentos da TV Amapá .Falando  português razoavelmente e acompanhando as encenações dos cavalarianos, o embaixador achou tudo muito interessante,mas relativamente fantasioso em relação aos embates travados entre cristãos e mouros. Essa imagem que ilustra o artigo eu captei da tela de uma televisão, haja vista que a gravação foi feita em fita de vídeo e ainda  precisa ser transferida para um CD. O embaixador do Marrocos tinha vindo ao Amapá atendendo convite do governador Jorge Nova da Costa.
                        Em 1986, quando o Luiz Melo exercia o cargo de Diretor da TV Amapá, a Rede Amazônica de Televisão decidiu incluir na programação local da emissora o programa “Bom Dia Amapá”. Em meados de outubro, numa deferência especial do Melo fui convidado para apresentá-lo. Ele solicitou que eu escolhesse uma importante data histórica para o lançamento do programa e eu indiquei o dia 1º de dezembro, quando decorreriam 86 anos do Laudo Arbitral de Berna que reconheceu os direitos do Brasil sobre as terras compreendidas entras a margem esquerda do Rio Araguary e a margem direita do Rio Oiapoque, região que os franceses cobiçavam e diziam lhes pertencer. Aos sábados, quando reuníamos na casa do Luiz Melo, volta e meia trocavamos idéias quanto à estrutura e condução do programa. Ficou decidido que o repórter seria o Evandro Luiz que havia encerrado no Rio de Janeiro o curso de Comunicação Social. No dia 1º de dezembro, uma 2ª feira, estando em vigor o horário de verão, um clima de muita expectativa dominava o prédio da TV Amapá, já edificado à Av. Diógenes Silva, mas o Luiz Melo sabia que eu não iria decepcioná-lo. No velho estúdio da TV Amapá, sob o foco de uma câmera muito simples, operada pelo Júlio Duarte, com supervisão do Damião Jucá, havia uma mesa bem arrumada, destacando-se sobre ela um telefone vermelho, um vaso de flores e uma agenda. Na época não havia o teleponto que tanto facilita a atuação dos atuais apresentadores de programas jornalísticos. Muito tranqüilo fiz valer a minha experiência de 24 anos de rádio. O tempo do programa ficou assim distribuído: 40 segundos para informações gerais; 30 seg. para discorrer sobre o Laudo Suíço; 20 seg. para comentários sobre a imigração no Brasil; 15 seg. para outros fatos históricos; 50 seg. para as notícias mais importantes; 8 minutos para a 1ª entrevista; 7’ para a segunda e 5’ para a entrevista sobre o Laudo Suíço. Nas informações gerais falei a respeito do tempo, aeroporto, maré, balsas, registros policiais, fase da lua, bombeiros, santos do dia e pronto socorro. Ao falar sobre a migração me reportei aos portugueses, açorianos, italianos, alemães e japoneses.
Nessa fotografia onde aparecem Luiz Melo, João Silva e Nilson Montoril foi tirada no quintal da residência do Luiz Melo, em outubro de 1986. Na época, costumávamos reunir para trocar idéias e saborear alguns petiscos. Nessa ocasião já tratávamos do lançamento do programa Bom Dia Amapá.

Esses últimos aqui chegaram em 1953 e 1954, e muitos dos seus descendentes ainda vivem em Macapá e na antiga Colônia Agrícola do Matapi. Os açorianos iniciaram a colonização de Macapá a partir de novembro de 1751. Recordei duas datas relativas à 1º de dezembro: a inauguração da Escola Industrial de Macapá (1949) e o falcimento da Profª Deusolina Sales Farias (1973). Entre as noticias destaquei a falta de carne, aves, macaxeira, cará, batata doce e farinha, esclarecendo que a ausência de assistência aos agricultores estava prejudicando a vinda deles á capital para venderem seus produtos. As duas entrevistas foram gravadas. A primeira contou com a participação do Governador Jorge Nova da Costa e foi conduzida pelo jornalista Antônio Correa Neto. A segunda, realizada pelo Jota Ney, teve o Prefeito Raimundo Azevedo Costa como entrevistado. Antes de ouvir o Prof. Dagoberto Damasceno Costa, que falaria a respeito da decisão arbitral da Confederação Helvética fiz o seguinte comentário: “E a cidade está ficando cada vez mais sujeita a falta d’água.Formalmente não conhecemos qualquer projeto da CAESA que possa resolver o problema.A estação de captação e tratamento construída e inaugurada no governo do general Ivanhoé Gonçalves Martins, conta com cerca de 16 anos de funcionamento e não passou por nenhuma ampliação de vulto. Técnicos que entendem do assunto afirmam que a saída mais racional seria a construção de uma nova adutora e de elevatórios em áreas da cidade onde a tendência de crescimento populacional é patente. A redação do Bom Dia Amapá tentou trazer ao programa o presidente ou o diretor técnico da companhia,mas ambos estão fora do Território.O assunto fica agendado para ser abordado em outra ocasião”. A entrevista que fiz com o Prof. De História Dagoberto Damasceno, então chefe da Seção do Patrimônio e Arquivo Histórico do Amapá não excedeu a 5 minutos.

terça-feira, 7 de maio de 2013

DISPENSÁRIO DOS TUBERCULOSOS





                           DISPENSÁRIO DOS TUBERCULOSOS

                                                                     Nilson Montoril

Nessa fotografia vemos o Hospital Geral de Macapá, ainda com dois pavimentos, a Maternidade e,ao fundo, o Dispensário dos Tuberculosos. Na frente do HGM havia uma simples pracinha e arborização feita com jambeiros. Na área em primeiro plano, que atualmente abriga a direção da Secretaria de Saúde só prevalecia um gramado.Note que o Dispensário dos Tuberculosos era isolado.Também restrito aos doentes e profissionais da saúde. Nos dias de visita, as crianças não tinham contato pessoal com os doentes. Os pais só viam seus filhos de longe.Atualmente o prédio ainda existe.
                        A tuberculose pulmonar, infecção causada por um microorganismo chamado Mycobaterium tuberculosis ou bacilo de Koch ocorre em todo o mundo, sendo mais comum nos países pobres, promíscuos, desnutridos, má condição de higiene e saúde pública deficiente. As maiores incidências são registradas na Índia, China, Indonésia, Bangladesh, Nigéria, Paquistão, Filipinas, Congo, Rússia e Brasil. A Organização Mundial da Saúde calcula a existência de oito milhões de novos casos. Antigamente a tuberculose era chamada peste cinzenta, tísica pulmonar ou doença do peito. Também foi denominada de peste branca devido à palidez da pele contratando com a cor rósea dos pômulos durante o acesso febril. A tuberculose aparece entre os dez maiores problemas de saúde pública em relação à morbidade tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento. No tocante à mortalidade, a tuberculose fica entre a 1ª e a 3ª causa entre as doenças transmissíveis nos países desenvolvidos. Estima-se que ela exista há mais de 50 mil anos. No século V antes de Cristo, Hipócrates se referiu à tuberculose afirmando no livro Epidemias I, em detalhes: “Não conheço um só caso que tivesse de permanecer no leito e que sobrevivesse por algum tempo”. Areteu, que viveu em Roma de 81 a 138 depois de Cristo, também descreveu a doença, deixando evidente que ela era freqüente no Império Romano. A primeira descrição do termo tuberculose ou parênquima pulmonar se deve a Francisco La Boe em 1679. A doença só começou a declinar depois que Villemin constatou sua contagiosidade em 1868, de Thomaz Koch ter identificado o Mycobacterium tuberculosis em 1882 e Waksman haver descoberto o antibiótico com ação sobre o bacilo, a estreptomicina em 1944. O tratamento inicial da tuberculose pulmonar chama-se RHZ com rifampicana(R), isoniazida(H) e pirazinamida(Z), dura seis meses e pode alcançar até 100% de cura. O diagnóstico é feito a partir da abreugrafia, baciloscopia do escarro e PPD.

O cartaz acima ilustra como o doente de tuberculose expele o bacilo de Koch após uma crise de tosse. O risco de contaminação de uma pessoa sadia é muito grande se ela estiver perto do tisico. O contágio ocorre quando uma pessoa aspira o bacilo que se propaga pelo art opu quando goticulas o atingem.

 O primeiro forte sinal de que alguém pode estar contaminado é uma tosse forte e impertinente que causa muito sofrimento ao doente e transtornos aos que se encontram a seu lado. A tísica, portanto, se deve a uma ulceração do pulmão e costuma apresentar-se depois de uma tosse prolongada ou hemoptise, febre continua, principalmente à noite. Também se fez uso do termo consunção como identificatório da doença. Graças ao biólogo frances Albert Calmette, que viveu entre 1863 a 1933, o tratamento da tuberculose passou a contar com a eficiente vacina BCG. Foi iniciativa sua a fundação do primeiro dispensário antituberculose na França. O dispensário corresponde a um estabelecimento de beneficência destinado ao tratamento gratuito de enfermos pobres e serve para dar-lhes a assistência devida. O paciente era apartado da família porque se acreditava que a simples convivência de uma pessoa sadia com um tísico a levaria a contrair o mal. Isso não deixa de ser verdade, desde que a pessoa sã não tome os devidos cuidados e faça regularmente exames clínicos. Atualmente sabe-se que a tuberculose não se contrai pelo sexo ou pelo sangue contaminado. Por isso, já não é tão necessário separar copo, prato, talheres ou outros utensílios de uso comum no seio de uma família. A tuberculose atinge os pulmões, as meninges, ossos, rins, coração e outros órgãos. Só a tuberculose pulmonar é transmitida de uma pessoa que tenha o bacilo de Koch a outra. Isso ocorre quando o doente tosse e espirra eliminando o bacilo e através do ar ele é aspirado por quem não possui o mal.
A mensagem contida no cartaz diz: "Tosse há mais de 2 semanas pode ser tuberculose. Faça o exame de escarro." Aliás, não apenas o individua acometido de tosse braba deve realizar o exame. Seus familiares também precisam ter precaução.

 A palavra tísica usada antes da prevalência do termo tuberculose é uma das mais antigas da medicina. Provem do grego phthsis e deriva do verbo phthiso, com o sentido de decair, consumir, definhar. A doença é milenar ou mesmo da pré-história, tendo sido identificada em múmias egípcias datadas de mais de 3.000 anos. Múmias da dinastia de Ramsés, no Egito, apresentam tuberculose óssea, notadamente na coluna vertebral. O médico grego Cláudio Galeno, na Itália, dizia que a doença era incurável e aconselhava isolar os enfermos. Recomendava repouso, ar puro e boa alimentação. No Brasil, os dispensários tornaram-se bastante comuns entre as capitais do Brasil a partir do inicio do século XIX. Entretanto, o combate à tuberculose foi iniciado no país pela Liga Brasileira Contra a Tuberculose, fundada no Rio de Janeiro no dia 4 de agosto de 1900. Era uma instituição filantrópica destinada a prestar assistência médico-social aos doentes de tuberculose e disseminar informações sobre a doença.

Doentes iguais ao paciente que aparece nessa fotografia eu vi bastante na Macapá das décadas de 1950 e 1960. Alguns precisavam trabalhar para promover o sustento da familia e por isso evitavam se submeter a exames médicos. Quando eles eram fustigados pela intensa tosse, própria dos tisicos, tinha-se a impressão de que, a qualquer momento, poderiam morrer ou ter um ataque de hemoptise. Se o cabeça de casal fosse internado, o governo territorial prestava ajuda à sua família. Diversos tisicos não perdiam o pernicioso hábito de fumar e beber, o que complicava ainda mais seu drama.
 No dia 26 de janeiro de 1902, essa instituição criou seu primeiro dispensário, cuja inauguração aconteceu em 1907. Depois dela, outras Ligas Contra a Tuberculose surgiram e foram muito importantes, notadamente a partir de 1927, ano em que foi instituída no Brasil a vacinação BCG. Outros órgãos como a Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose (1920), Serviço Nacional de Tuberculose (1940) e Campanha Nacional Contra a Tuberculose (1946) também atuaram para erradicar a doença. Quando o governo do Território Federal do Amapá pleiteou recursos federais para construir o Hospital Geral de Macapá, fez incluir no projeto uma maternidade, uma unidade de atendimento materno infantil e um dispensário dos tuberculosos. Tratava-se na verdade de um complexo hospitalar que ainda hoje serve de base para as ações de saúde pública desenvolvidas na capital do Estado do Amapá. O prédio destinado ao Dispensário dos Tuberculosos tinha a frente para a Rua Jovino Albuquerque Dinoá e fundo para a área interna do HGM. Na época de sua inauguração não havia tráfego de veículos além da atual Avenida Duque de Caxias, então um singular caminho. Os doentes eram internados por seis meses e submetidos a rigoroso tratamento. Os tuberculosos cujo estágio da doença merecia tratamento mais especializado eram mandados para o Hospital dos Servidores Públicos na cidade do Rio de Janeiro, então capital da República dos Estados Unidos do Brasil.

 Antes da inauguração do Hospital Geral de Macapá, as ações de saúde pública do governo territorial eram realizadas pela Unidade Mista de Saúde instalada em um velho casarão erguido onde hoje está o prédio da Biblioteca Elcy Rodrigues Lacerda. Lembro de várias pessoas que tinham tuberculose e passaram por tratamento em Macapá e no Rio de Janeiro. A maioria era bem carente, corpo franzino, tosse perturbadora e cansaço intenso. Vários doentes vieram da região da Ilhas do Pará, onde viviam sem qualquer assistência médica e entregues à própria sorte. Tísicos de Macapá residiam em casas humildes, desprovidas do conforto e higiene mínima necessária. As habitações eram quase todas de taipa, geminadas, cobertas de palha de ubuçu, sem janelas laterais e piso de terra batida. Raros eram os citadinos que usavam tamancos, alpercatas ou chinelos de borracha. Eu e meus amigos de infância convivíamos com os filhos dos doentes e eramos orientados a não ficar perto do tísico quando ele estivesse tossindo ou espirando. Também não deveríamos tomar água no único copo ou caneco que a família usava e ficava sempre perto do pote ou da bilha. Em várias casas os utensílios comum para beber água eram latas vazias de leite moça. Diziam os mais velhos que a contaminação ocorreria pelo uso comum de colheres, copos e pratos que também eram utilizados pelo doente. Outro cuidado redobrado era não pisar no cuspe ou escarro de um tísico. Por incrível que pareça, muitos tísicos não acreditavam na medicina para curar seus males.Mantinham o condenavel vicio de fumar e consumir cachaça. Alimentavam-se precariamente, razão pela qual acabaram morrendo praticamente sem assistência médica.
O famoso compositor Noel Rosa desponta como uma das celebridades brasileiras que foram atingidas pela tuberculose. Boêmio e fumante , o "Doutor do Samba"vivia com o cigarro na boca e acabou morreu ainda novo.