quinta-feira, 21 de junho de 2012




    FÚLVIO GIULIANO, UM ALPINO DEVOTADO À ARTE SACRA

                           Por Nilson Montoril

                        Em junho de 1962, com 23 anos de idade, desembarcava no porto de Santana, o mestre bacharel construtor, Fúlvio Giuliano, para atuar como missionário leigo e mestre de obras  na então Prelazia de Macapá. Sua vinda se deveu a um convite formulado por Don Aristides Piróvano, que então exercia o cargo de bispo Prelado de Macapá e coordenava a equipe de sacerdotes do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras-PIME, na capital do Território Federal do Amapá. O convite tinha o seguinte teor: “Caro Fúlvio, já o consideramos membro do pequeno exército dos missionários de Macapá. Venha logo! Fúlvio respondeu que aceitava o convite e realizou a travessia do Oceano Atlântico a bordo de um navio cargueiro italiano que veio embarcar minério de manganês, no píer da Indústria e Comércio de Minérios S.A – ICOMI. Aproveitou os 16 dias em que permaneceu a bordo para pintar diversas telas. 

A transfiguração de Jesus Cristo.

Fúlvio Giuliano devotou-se à catequese, fazendo valer seu dote artístico. O próprio artista plástico assim detalhou esta experiência: “Todo sábado, ao meio dia, eu reunia em grande galpão, cerca de 200 jovens. Utilizava uma enorme lousa e gizes coloridos para lhes contar a história da salvação, o amor de Jesus, sua vida e seus milagres. Lentamente, desenhos super-coloridos e algumas frases do evangelho cobriam a lousa.Os jovens, muitos sentados em longo banco de madeira, com pedaço de compensado sobre os joelhos, transformavam-se em pequenos artistas e, ao mesmo tempo, aprendiam a amar Jesus e a Igreja, e tratar-se como irmãos”. O galpão em questão era o Salão Paroquial Pio XII, edificado na área posterior aos dois prédios da Prelazia de Macapá, à época conhecida como quintal dos padres.O imóvel correspondia a um barracão coberto de palha, com dezenas de bancos distribuídos no amplo salão, dotado de palco e cabine para projeção cinematográfica.

O ícone que vemos acima  recebeu o titulo de "Natividade de Jesus Cristo" e foi elaborado com redobrado carinho por Fúlvio Giuliano.

Entre os anos de 1962 a 1968, Fúlvio Giuliano desenvolveu diversas atividades, inclusive as relacionadas com sua profissão de arquiteto, auxiliando o Dr. Marcelo Cândia na edificação do Hospital São Camilo e São Luiz. Ele também concebeu os projetos arquitetônicos das igrejas de São Benedito(pedra fundamental em 24/6/1963 e inauguração no Natal de 1964), Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro(inaugurada dia 12/4/1981). Pintou expressivos afrescos em diversas igrejas de Macapá e participou de muitos salões de arte, com destaque para o I Salão de Artes do Colégio Amapaense, organizado pelo Professor Antônio Munhoz Lopez, onde o ilustre arquiteto mostrou 14 quadros da Via Sacra e I Salão de Artes Plásticas da Universidade Federal do Pará, com menção honrosa pela tela “Arraial de São José em Macapá”. No III Salão de Artes de Macapá, realizado no dia 13 de setembro de 1967, Fúlvio Giuliano participou expondo as telas “Escada de Jacó”, “Lava Pés” e “Passagem do Mar Vermelho”. A tela “Escada de Jacó” pertencia ao Dr. Marcelo Cândia, mas hoje integra o acervo do Professor Munhoz. 

Neste ícone, Padre Fúlvio Giuliano retratou famosos líderes religiosos e pessoas que se devotaram ás causas humanitárias. Entre estas criaturas abençoadas por Deus, vislumbramos o Dr. Marcelo Cândia, com o qual o então arquiteto e irmão leigo, Fúlvio, trabalhou na edificação do Hospital São Camilo e São Luiz, em Macapá.


Tive a grata oportunidade de ver o então irmão leigo Fúlvio Giuliano pintando um afresco na sala que servia de sede à Federação Infanto-Juvenil Oratoriana, FIJO, no térreo do primeiro prédio da Prelazia de Macapá. As imagens eram desproporcionais e foram feitas com lápis cera. Representavam a criação do universo. Da enorme mão direita do Criador saiam feixes luminosos de luz. Na sala em referência, funciona atualmente, a loja das edições paulinas. O afresco não foi preservado. Também fui aluno de desenho do ainda jovem Fúlvio Giuliano, na 4ª Série B do Colégio Amapaense, em 1964. Seus alunos achavam divertido ele denominar os instrumentos de desenho com nomes italianos, como a régua, que ele chamava de ripa.
Padre Fúlvio e dois discipulos na Escola  Iconográfica SCS São Francisco Xavier-PIME, em Gênova, fazendo a Oração do Iconoco.

                        Fúlvio Giuliano costumava dizer: “Pertenço a uma família de pintores. Meu avô, um farmacêutico de Palermo, tinha uma grande sensibilidade artística. Ele era um músico e pintor, e enviou-me para meu irmão gêmeo e esta sensibilidade”.“O encontro decisivo de Fúlvio Giuliano com a arte sacra aconteceu na ermida de San Salvatore grama, quando ele tinha 15 anos e ficou impressionado com o afresco medieval na capela do eremitério. O afresco apresentava Cristo crucificado num céu escuro, mas o corpo não estava morto e sim, muito vivo ligeiramente curvado, preservando sua majestade”. Em 1968, Fúlvio Giuliano mudou-se para Belo Horizonte para estudar teologia e receber o Sacramento da Ordem. Aproveitava as horas de folga para pregar os evangelhos nas favelas que existiam perto do seminário. Concluído o curso retornou a Macapá, onde, no dia 3 de janeiro de 1971, foi ordenado sacerdote. Entrou no Instituto da promessa a 13 de março de 1980. Permaneceu em Macapá até 1985, ocasião em que retornou à Itália, sua terra natal, para tratar dos rins, haja vista que o péssimo funcionamento dos mesmos tornou precário seu estado de saúde. Inicialmente ficou em Monza como pai espiritual e chefe da igreja pública. Depois, residiu em Gênova-Nervi, submetendo-se a freqüentes seções de diálise. 
Ícone Jesus Cristo no Horto das Oliveiras,correspondente à primeira estação da Via Sacra que Fúlvio Giuliano pintou para várias igrejas da Itália e do exterior


Na Itália, entre 1986 e 2004, Fúlvio Giuliano pintou dezenas de ícones em igrejas: 6 em Terni; 21 em Milão; 18 estações da Via Sacra na capela Seminário Teológico, um ícone da Santíssima Trindade, um de Cristo em Glória,em Monza; 18 estações da Via Sacra em Bucarasco; 2 na igreja de São João; 14 estações da Via Sacra em Genoa, um afresco em Valtellina. “Em 50 anos, padre Fúlvio pintou mais de mil ícones. Muitos são encontrados em sua pátria, o Brasil, onde viveu 23 anos. Os outros estão espalhados por todo o mundo, da Guiné Bissau para a China, nas igrejas das florestas e nas catedrais das grandes cidades”. Seu último trabalho foi a composição de 13 painéis com a figura de Cristo, Maria Santíssima e os apóstolos pata a obsede da Catedral de São José, em Macapá, encomendada pelo Bispo Diocesano Don Pedro José Conti. Sentindo que a vida se esvaia, Fúlvio solicitou ao irmão Franco Giuliano que completasse a obra, o que foi feito com muito esmero. Nasceu em Milão, a 6 de março de 1939, no bairro popular de Giovanni Belline e faleceu em Gênova, dia 5 de junho de 2007, as 10h30, com 68 anos. O Padre Luciano Lazerri assim se reportou à morte de Fúlvio Giuliano: “Fúlvio morreu esta manhã em uma cama de hospital, após mais outro hospital, para seus muitos males. Durante a última hora tem visto perto de seu irmão Franco e seus irmãos da casa do PIME em Nervi. Ele nos deixou calmamente, levado para o céu pelos anjos, os anjos maravilhosos que pintaram os ícones agora difundidos em muitas partes da terra”.

O Professor Antônio Munhoz Lopez possue em seu acervo 3 importantes quadros que foram mostrados em exposição recente organizada pelo SESC-Araxá. Fúlvio Giuliano pintou o quadro da esquerda e do centro, intitulados " Santo  Antônio Doutor da Igreja" e "São Bento". O quadro da direita retrata Santa Escolástica e foi produzido por Franco Giuliano, irmão do Padre Fúlvio.

 A cerimônia fúnebre aconteceu na capela de São Erasmo, em Nervi, numa 5ª feira, dia 7 de julho, as 11h45. O corpo do Padre Fúlvio Giuliano foi sepultado no cemitério de Grugana, após breve parada no Seminário de Monza. Este artigo foi composto graças às informações que obtive junto a várias fontes italianas, mormente postadas por Emanuela Cittério, Padre Luciano Lazerri e pelo PIME.
                                                    
Capa do livro "A Beleza Salvará o Mundo", elaborado por Fúlvio Giuliano.


 Foi durante umas férias,em 1980,passadas na Itália, que Fúlvio Giuliano frequentou um curso de iconografia, na escola "Russia Cristiana" e decidiu que, daquele momento em diante, se dedicaria à arte icônica. Em 2004, recordando a esta decisão, assim falou: "O ícone é um mistério,permite representar a imagem profunda e eterna de Cristo na sua humanidade e divindade". Entre seus ícones enviados para o exterior, existe um com semblante chines e inscrição em mandarim, doado a uma comunidade cristã da área de Cantão.Ele produziu telas para as igrejas onde atua o PIME.





segunda-feira, 18 de junho de 2012




   O PORCO-CARNEIRO DE MACAPÁ

                         Por Nilson Montoril

Foto de um porco da raça Mangalitza Gilt, resultante do cruzamento de animais das raças Lincolnsshire Curly Coat (britânica) e Mangalitz (austríaca e húngara). A raça Mangalitz Gilt está em extinção porque os fazendeiros não querem criá-la, alegando que o bicho tem pouca carne. O porco-carneiro do João Barca era igual ao que vemos na fotografia que ilustra este artigo.

                        O cidadão João Barca de Araújo Coutinho, membro de uma família tradicional de Macapá, exercia a profissão de marceneiro quando ocorreu a criação do Território Federal do Amapá, a 13/9/1943. A exemplo de seus conterrâneos gostou da novidade, mas ficou meio escabreado com as noticias de que tudo mudaria na cidade onde residia. Na época, Macapá era uma pequena e carente cidade do Estado do Pará, onde o tempo passava de modo pachorrento. Muitos moradores possuíam “roçados” nas áreas periféricas da cidade e criavam seus animais soltos pelas ruas, passagens e largos. João Barca possuía um belo boi-cavalo, que em outras regiões do Brasil é denominado boi-de-montaria Era, então, figura de destaque do Marabaixo, tendo composto vários “ladrões” de sucesso. Também é de sua autoria uma canção dolente denominada “A Morte do Pedreira”. O Pedreira foi um cavalo que pertenceu a Jeribá Álvares da Costa, criador de gado nos campos que margeiam o rio Macacoary e morreu  de inanição devido ao descuido do vaqueiro encarregado de sua alimentação e segurança. O falecimento do Pedreiro ocorreu no local onde está erguido o Teatro das Bacabeiras. Após a instalação do governo territorial, a 25/1/1944, os hábitos dos moradores foram mudando gradativamente. O boi-cavalo do João Barca deixou de pastar livremente no centro de Macapá. Capim para alimentá-lo não faltava, razão pela qual o animal era mantido no cercado da residência de seu proprietário, situada à Rua General Gurjão, entre as Ruas São José e Coronel José Serafim Gomes Coelho, a atual Tiradentes. João Barca era vizinho de meu pai, Francisco Torquato de Araújo e seu compadre de “águas bentas”. No dia da festa de São José, seu João Barca preparava o boi-cavalo com muito capricho, colocava uma bela sela em seu dorso e o levava para o largo da Matriz. Quem quisesse dar uma voltinha ou apenas tirar fotografia montado no boi-cavalo, pagaria Cr$ 1,00 (um cruzeiro). Habilíssimo com suas ferramentas de marceneiro, seu João Barca fabricava móveis, esquadrias, utensílios domésticos e brinquedos. Na oficina dele havia uma serra igualzinha a que aparece na pintura feita pelo Padre Lino Simonelli, ao lado esquerdo do altar mor da igreja de São José, retratando o padroeiro de Macapá em sua oficina de carpinteiro, tendo a companhia da esposa Maria e do filho putativo Jesus. Em 1953, por ocasião da realização da 6ª Feira de Animais e Produtos Econômicos, levada a efeito na Fazendinha, a Divisão de Pesquisa e Produção apresentou como novidade uma raça de porco totalmente desconhecida na região e pouco difundida no Brasil, a chamada porco-ovelha. A raça é originária da Áustria e da Hungria e o animal tem pelos densos e cacheados, parecendo lã. Provém do cruzamento da raça britânica Lincolnshire Curly Coat com a raça Mangalitza, na Áustria. Em 1900, os porcos da Inglaterra foram vendidos para a Áustria e Hungria, países onde surgiu a raça Mangalitza Gilt. Em 2007, os ingleses decidiram reintroduzir o porco-ovelha na Grã-Bretanha, extinta na comunidade desde 1972. O animal comprado por João Barca era um macho, ainda pequeno e tinha poucos pelos brancos. A proporção em ele que foi crescendo, os pelos cacheados foram aparecendo. A novidade foi considerada uma aberração da natureza, decorrente do cruzamento de um porco com uma ovelha, coisa impossível de acontecer, porque são animais de espécies diferentes. A curiosidade humana transformou o porco-carneiro numa celebridade. Gente à beça aparecia na casa do João Barca querendo ver a extraordinária criatura. O assédio só diminui quando o dono do porco pintou uma tabuleta, pendurando-a na cerca de sua casa contendo o seguinte anúncio: “Porco-carneiro, entrada Cr$ 1,00”. Parece reduzido o valor cobrado, mas um cruzeiro naquela época dava pra comprar dois picolés.Além do salário de servidor público lotado na Garagem Territorial, João Barca contava com os ganhos advindos do boi-cavalo, do porco-carneiro e de seus biscates como marceneiro.  A existência do porco rendeu ao Batista, filho do João Barca, a alcunha de porco-carneiro, haja vista que lhe cabia receber os curiosos, cobrar a taxa de visita e cuidar do animal. Porém, com o passar do tempo, o apelido foi esquecido e o Batista apenas ri quando essa história é lembrada.

Os porcos da raça Mangalitz Gilt podem ter pelos brancos, ruivos, pretos e cinzentos.Estes dois individuos que vemos na fotografia contida no Blog da Ciência e Tecnolia,da Inglaterra, apresentam tonalidade diferente. Um é cinzento e o outro é preto. Eles descendem dos porcos que fazendeiros ingleses foram buscar na Áustria e na Hungria, em 2007.
O porco-ovelha que vemos acima é o Buddy, que vive no Zoológico Tropical de Wings, em Essex, na Inglaterra. É um macho que convive com as fêmeas Margot, de pelo ruivo, e Porche, que tem o pelo preto e está grávida. Os três animais são mantidos em exposição e encantam as crianças e os adultos.
Está porquinha branca é a Elizabeth, que foi arrematada em um leilão na Inglaterra por Tim Fitton por £250(duzentos e cinquenta libras esterlinas), que a deu presente a uma de suas filhas. Elizabethe é dócil e vive sossegadamente recebendo os cuidados especiais de sua dona.
                      

sexta-feira, 8 de junho de 2012

EXPEDIÇÕES CIENTÍFICAS ALEMÃS NA AMAZÔNIA




          EXPEDIÇÕES CIENTÍFICAS ALEMÃS NA AMAZÔNIA

 Por Nilson Montoril

                   MISSÃO ARTÍSTICA AUSTRO-ALEMÃ- 1819/1820
                                                                          
Carl Friedrich Philipp Von Martius
                        A arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina Francisca Fernanda de Habsburgo-Lorena, filha de Francisco I, ex-imperador da Alemanha e então Imperador da Áustria, que contraiu núpcias com Pedro de Alcântara, em 1817, tinha grande interesse pela botânica. Isto ficou evidente quando ela veio para o Rio de Janeiro a fim de unir-se ao príncipe Pedro de Alcântara, com o qual havia contraído núpcias. Á época, a Corte português encontrava-se no Rio de Janeiro e D.João, genitor de D. Pedro, exercia a regência devido à demência da rainha Maria I, sua mãe. Integrando a comitiva da arquiduquesa Leopoldina vieram vários naturalistas, com destaque para o médico, botânico e antropólogo Carl Friedrich Philipp Von Martius e o zoólogo Johann Baptiste Von Spix, integrantes da chamada “Missão Artística Austro-Alemâ”. Eles tinham sido convidados para uma expedição ao Brasil, com o propósito de descrever a fauna e a flora do país. Ambos estavam credenciados pela Academia de Ciências da Baviera. Carl e Spix iniciaram suas pesquisas em 1818, passando por São Paulo, Minas Gerais (Ouro Preto e Diamantina), Bahia, Pernambuco, Piauí e Maranhão e Pará. O percurso foi feito a pé, com uso de animais resistentes ao transporte de carga. De Belém, já em 1819, a expedição subiu o rio Amazonas até atingir o rio Solimões, onde a expedição foi desmembrada. Carl Martius enveredou pelo rio Japurá até alcançar a fronteira com a Colômbia. Johann Spix  seguiu sozinho o curso do Solimões, de Tefé a Tabatinga e do rio Negro, de Manaus a Barcelos, estendendo a viagem até o Peru. No retorno, os dois cientistas se encontraram no rio Negro e subiram o rio Madeira. Carl Martius teria permanecido apenas 10 meses na Amazônia. Ao retornar a Alemanha, levou entre objetos de sua pesquisa as 470 plantas medicinais que relacionou junto aos indígenas. Johann Spix demorou mais tempo, cerca  de 3 anos, passando por agruras diversas.Percorreu cerca de 10 mil km e só retornou a Alemanha em 1820, conduzindo um apreciável acervo: 6.500 variedades da flora, 85 espécies de mamíferos, 350 aves, 130 anfíbios, 146 peles e 2.700 insetos. O conjunto do material adquirido se constitui na base da coleção do Museu de História Natural de Munique. Sua extraordinária aventura foi registrada no Livro “Reise In Brasilien” cujo titulo em português é “Viagem pelo Brasil -1817 a 1820”. Carl Von Martius também publicou um livro, denominado “Flora Brasilienses”.  

Johann Baptiste Von Spix


        A EXPEDIÇÃO CIENTÍFICA ALEMÃ - 1935/1937

Expedição alemã singrando as águas do Rio Jari, no trecho navegável antes da cachoeira  Santo Antônio. Na popa da embarcação pode ser vista uma bandeira com a cruz suástica, simbolo do nazismo.

                        Heinrich Himmler, chefe do Departamento Central de Segurança do III Reich, subordinado a SS, acreditava que era possível encontrar na Amazônia, descendentes da Atlântida, de raça pura e vestígios genéticos da “raça ariana”. Ele já havia organizado e enviado expedições cientificas a várias regiões da terra com este propósito. Em 1934, chegou a relacionar entre os enviados ao Tibet, o pesquisador Otto Schulz, filiado ao partido nazista NSDAP, mas este não topou a empreitada. Entretanto, aceitou compor uma expedição formada com apoio de Herman Goring, cujo destino era o vale do rio Jarí, na região norte do Brasil. Otto Schulz-Kampfhenkel era de família rica, formado em geografia e ciências naturais. Tinha paixão pela aviação e integrou a missão cientifica como piloto de hidroavião “Seekadett”, apelidado “Águia Marinha”. Apenas quatro alemães faziam parte da expedição que chegou a Belém no inicio de 1935. O chefe era Gerd Kahh. Joseph Greiner cuidaria da segurança do grupo e guarda do material vindo da Alemanha.
Hidroavião "Seekadett", apelidado "Águia Marinha", estacionado na rampa destinada a aviões anfibios, na atual área ocupada pela Aeronáutica, em Belém. Os 3 alemães que chegaram à capital do Pará, em 1935, são vistos entre militares brasileiros.

Otto Schulz pilotaria o hidroavião, cuja manutenção ficou a cargo do mecânico Gerhard Krause, também técnico de som que operaria os gravadores e as filmadoras. Os quatro alemães eram oficiais do exército nazista de Hitler, e deveriam proceder ao levantamento topográfico da bacia do ri Jarí até suas cachoeiras, com interesse cientifico de pesquisar a fauna e a flora da região e de outra ordem. Schulz-Kampfhenkel e seus companheiros passaram 2 meses, em Belém, requerendo autorização para subir o rio Jarí. Para provar que o objetivo da expedição era eminentemente cientifico, mostrou às autoridades brasileiras as cartas de credenciamento expedidas por institutos de pesquisa e museus de história natural da Alemanha. Foi bastante convincente nas suas explicações, tanto que, conseguiu a adesão do Instituto Emilio Goeldi, de Belém e do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Porem, embora o Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, Getúlio Dorneles Vargas fosse simpático ao nazismo, o aval das Forças Armadas custou a sair. 

Os alemães contrataram 30 caboclos da região do Jari para auxiliá-los nos trabalhos da expedição. Nesta fotografia, aparecem 16 homesns engajados  na empreitada, acostumados a enfrentar as corredeiras e as cachoeiras do Rio Jari.

Na oportunidade, o governador do Estado do Pará era José Carneiro da Gama Malcher, que tomara posse a 4/5/1934 e nele permaneceu até 25/1/1943. O general baiano Manuel Cerqueira Daltro Filho, que comandava a 8ª Região Militar desde o mês de maio de 1935, exigiu dos alemães o máximo de respeito à soberania nacional e os prestigiou até julho de 1937, ocasião em que foi transferido para o Rio Grande do Sul. Outro importante apoio os alemães receberam do coronel José Júlio de Andrade, afinal de contas, as terras que eles iriam percorrer lhes pertenciam. Indagados sobre tanto interesse pela região do rio Jarí, os membros da expedição afirmavam: “Aqui é oferecido um espaço suficiente para imigração e o estabelecimento dos povos nórdicos. Para a mais avançada raça, oferece infinitas possibilidades de exploração”. Comentava-se, entretanto, que a expedição tinha a missão de explorar a região fronteiriça do Brasil com a Guiana Francesa e colonizá-la para o “Terceiro Reick”.

O experiente indio Winnetou foi contratado para servir de guia da expedição. Na proa de  sua canoa havia dos poleiros improvisados onde viajavam sossegadamente duas araras e três papagaios.Uma rústica esteira de arumã protege a carga

                        Os exploradores trouxeram da Alemanha 11 toneladas de suprimentos e munições para 5 mil tiros. Este material foi transportado para a vila Santo Antônio, próximo à cachoeira que ostenta este nome, no navio “José Júlio”, gentilmente cedido pelo coronel e ali ficou estocado. O acampamento foi montado acima do curso médio do rio Jarí, junto à cachoeira Macaquara, em área onde havia uma aldeia dos índios Aparai.  Sempre que se fazia necessário, Joseph Greiner, com uso de um pequeno barco de madeira, ia à vila de Santo Antônio para buscar viveres e outros produtos. Apenas ele fazia este trabalho, contando com a ajuda de alguns caboclos engajados na expedição.

Dois membros da expedição, provavelmente o piloto Schulz e o mecânico Gerhard, remam sentados nos flutuadores do hidroavião.Os alemães pretendiam subir o Rio Jari na aeronave, desistindo de fazê-lo depois que conheceram melhor o trecho que precisariam transpor.

 O hidroavião “Águia Marinha”, que tanto encantou a população de Belém e causaria tanta perplexidade no vale do Jarí, estava dotado de flutuadores revestidos com compensado e equipado com instrumentos de navegação. Nos vôos para registro fotogramétrico, o mecânico, que também era técnico de som, Gerhard Krause, fazia as filmagens. Com alguma freqüência o avião fazia vôos para Belém, levando parte do material coletado nas pesquisas. Consta que o acervo ficava sob a guarda do Instituto Emilio Goeldi. 

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Uma das corredeiras do Rio Jari sendo transposta com muita dificuldade


                        A expedição sempre contou com a especial atenção do coronel José Júlio de Andrade, dos caboclos da região e dos índios Aparai. Além dos Aparai, moravam na área entre o rio Jarí e o rio Parú, os Uruguianos, de pele morena e estatura mediana. Estabelecidos em ponto mais distante do local ocupado pelos Aparai, não participaram da expedição. As duas tribos eram materialmente assistidas pelo coronel José Júlio para não cometerem desatinos. No primeiro contato com os Aparai, os alemães disseram que eram filhos do “Pai Grande da Ciência”. Freqüentavam assiduamente a aldeia Aparai e chegaram a morar um ano às entre os índios. O geólogo Otto Schulz, por ser piloto, era visto com soberba admiração e acabou se amasiando com a índia Macarrani, tendo com ela teve uma filha chamada Ceçé. Consta que, a criança tinha a pele clara e os olhos incrivelmente azuis. Aliás, os Aparai não eram tão morenos como habitualmente são os gentios brasileiros.

Gerhard Krause mostra a uma velha india como funciona um gravador.

 Além de ser o capataz da expedição e cuidar da segurança de seus patrícios, Joseph Greiner era uma espécie de porta-voz do grupo alemão. Ele era o único que não veio com a expedição, pois migrou para o Brasil com 15 anos de idade. Em 1935, morava em São Paulo quando tomou conhecimento da presença da expedição em Belém. Ofereceu seus préstimos aos conterrâneos e foi contratado como mestre bagageiro, capataz e encarregado das provisões Falava fluentemente o português e teve participação importante nas relações que a expedição manteve com o governo brasileiro. Era Greiner quem indicava o local mais adequado para o pouso do hidroavião, mudando-o de acordo com o estágio em que se encontrava a maré. Quando o piloto Otto Schulz retornava de suas atividades diárias ao anoitecer, Greiner acendia uma fogueira para orientá-lo.
A bela e exótica india Okoi, da etnia Aparai, fotografada pelos alemães.

Otto Schulz era um bom piloto, mas as vezes abusava da sorte e da paciência dos patrícios. Certa vez tentou subir o rio Jarí com o avião deslizando em seus flutuadores, deixando de fazê-lo ao ver que a empreitada era impossível de ser realizada. Certa vez, realizando vôo para levantamento topográfico, o hidroavião perdeu altura e espatifou-se sobre toras de madeira que flutuavam sobre as águas do rio Amazonas, entre Gurupá e Arumanduba. O piloto Otto Schulz e o mecânico Gerhard sobreviveram e passaram horas agarrados a um dos flutuadores do avião. Foram resgatados por caboclos da região que os encontraram bastante exaustos. Em outra ocasião, sob forte chuva, Oto Schulz subia o rio Jarí, tendo a bordo de uma canoa câmara fotográfica, filmadora, bússola, armas, munições, material cartográfico, comida e roupas, quando foi surpreendido por um repiquete de inicio do inverno. Só não perdeu a vida, mas ficou vagando perdido pela floresta. Os índios o encontraram completamente desnorteado.

A velha india usa um fone de ouvido e ouve as vozes gravadas por Geharad
     

                        Atuando em uma região hostil, os alemães enfrentaram sérios problemas de saúde. Malária, repetidos acidentes, diarréia e apendicite os atacaram. Valiam-se dos remédios trazidos da Alemanha e do conhecimento que os índios tinham das ervas medicinais. No dia 1º de janeiro de 1936, dia da confraternização universal ou ano novo, Joseph Greiner deixou o acampamento da cachoeira Macaquara com destino a vila Santo Antônio, onde pernoitou. Ao amanhecer do dia 2 de janeiro, ele e seus auxiliares iniciaram o transporte de mercadoria para o lombo dos burros que o coronel José Júlio lhes havia emprestado. Os animais levariam a carga até o local onde o barco que utilizavam na viagem tinha ficado atracado. Ao chegar ao atracadouro do barco, bem acima de corredeiras e queda d’água, Greiner ardia em febre e passava mal. Foi levado de volta para a filial de Santo Antônio da Cachoeira onde seu quadro de saúde se agravou.

Indios Aparai junto a cruz de acapu feita em Belém e fixada no local onde morreu o alemão Joseph Greiner.

 Sentindo que fatalmente não resistiria à malária, Greiner pediu que sua mercadoria fosse guardada e entregue a seus patrícios, que estavam ausentes. Entrou em coma e faleceu às 20 horas do mesmo dia, aos 30 anos de idade.  Na manhã do dia 3 de janeiro, enquanto um mensageiro foi avisar os demais membros da expedição, o pessoal da filial de Santo Antônio realizou o sepultamento de Joseph Greiner no pequeno cemitério local. Na Vila de Santo Antônio, os alemães conheceram os detalhes da morte de Greiner e imediatamente seguiram para Belém, em uma embarcação cedida pelo coronel José Júlio de Andrade. Otto Schulz, Gerd Kahh e Gerhard Krause agiram com prudência, porque também já haviam contraído malária e outras doenças. Permaneceram dois meses em Belém, em busca de cuidados médicos. Ao retornarem ao Jarí, levaram uma cruz gamada de origem indo-tibetana, popularizada pelo nazismo, confeccionada em acapú. A haste vertical mede 3 metros de altura e o patíbulo ou braço, tem 2 metros. Ela se destaca de modo imponente entre as demais cruzes do cemitério da antiga Vila da Cachoeira, demarcando o local onde Joseph Greiner foi sepultado.

Estágio atual do local onde Joseph Greiver foi sepultado


Na parte superior da haste, está a suástica, símbolo do nazismo. No batibulo, consta o nome do morto: JOSEPH GREINER. No restante da haste, abaixo do patíbulo, lê-se: “Joseph Greiner. Starb Hier. Am 2-1-36. Den Fiebertod In Dienste. Deustscher Furschungs. Arbeit Deustsche. Amazonas. Jary Expedition 1935-37”. A tradução literal para a língua portuguesa quer dizer: “Joseph Greiner Faleceu Aqui Em 2-1-36 De Morte de Febre Em Serviço de Exploração Para Alemanha. Expedição Alemanha. Amazonas. Jary 1935-37”. Durante muito tempo a cruz ficou exposta às intempéries. Recentemente um rústico telhado de fibra-cimento a protege da chuva. Há 76 anos a cruz permanece erguida na sepultura de Greiner.
Gerhard Krauser, mecânico de avião e técnico de som, mostra a alguns indios, as gravações que realizou contendo suas vozes. Os indios Aparai eram bem amistosos, fato que favoreceu a rápida ambientação dos alemães.

                        A expedição levou para a Alemanha um apreciável acervo: peles de 500 mamíferos diferentes, centenas de répteis e anfíbios e 1500 peças arqueológicas. Produziu 2.500 fotografias e 2.700 metros de filmes de 35 mm focando índios, caboclos, animais, peles, cobras, etc. Detalhes marcantes da expedição estão contidos em um livro editado em 1939, em Berlim, pela editora Deutscher Verlag, com o nome de “Rätsel der Urwaldholle”, significando em português “Mistérios do Inferno na Mata Virgem”, que corresponde ao diário do geólogo e piloto Otto Schulz-Kampfhrnkel. Na edição de 1938, há 60 fotografias. Algumas delas que mostram a cruz suástica e a bandeira nazista. Na reedição de 1953, as fotos foram banidas. As fotografias mostradas neste artigo estão contidas no livro acima identificado.