sexta-feira, 28 de outubro de 2011

DOENÇAS DE MAU CARÁTER


                                                                                          Por Nilson Montoril


Esta foto da cidade de Macapá foi tirada em 1978, ano em que foi feito o aterro das áreas alagadiças cortadas pelo Igarapé do Igapó à esquerda da Fortaleza de São José. O núcleo populacional do povoado foi assentado, em 1751, no espaço onde, entre 1764 e 1782, os portugueses ergueram a bela fortificação. No citado local residiram os primeiros casais de açorianos mandados para a antiga Província dos Tucujus. Cerca de 80 povoadores morreram em decorrência das febres de mau caráter
                   Os colonizadores portugueses rotulavam como doenças de mau caráter a malária, o sarampo, a varíola e as febres motivadoras de diarréias sanguinolentas. A malária manifestou-se desde o inicio da colonização do Brasil. Já em 1549, o Padre Manuel da Nóbrega se referia à malária como terçã (ou febre terçã, que se repetia a cada três dias) quartã, sezão, maleita, paludismo e carneirada. O primeiro surto de varíola ocorreu no período de 1561 a 1565, irrompendo principalmente na Bahia, se alastrando por São Paulo de Piratininga. O Padre Leonardo do Vale, que exercia suas atividades sacerdotais na Bahia, registrou que a varíola matava tanta gente que não havia quem se dispusesse a cavar covas fundas com medo de ser contaminado pela terrível doença. Alguns corpos eram enterrados sob monturos e ao redor das casas. Tão mal enterrados que os porcos os descobriam e comiam. Os indivíduos que os sepultavam eram contaminados e morriam a mingua No decênio de 1580, conforme registrou Gabriel Soares de Souza a malária marcou sua presença entre os indígenas. Desprovidos de recursos médicos utilizados pelos portugueses, os índios buscavam a cura alimentando-se de mingau de farinha de carimã e untando-se com água de jenipapo. Acredita-se que a malária chegou ao Brasil trazida pelos navios que transportavam escravos. Julgavam que sim porque Angola estava sujeita às mesmas carneiradas, com que morrem muita gente.

Mulher com o rosto coberto por pequenas bexigas cheias de pus. Antes das pustulas aparecerem a pessoa atingida pela varíola tem febre altissima e o virus fica incubado de 7 a 17 dias. No período agudo da doença as bexigas despontam o paciente tem febre baixa. A variola é uma das enfermidades mais devastadoras da história da humanidade(Foto do Portal Passeiweb-Sala de Aula)

                   Em 1662, uma epidemia de varíola teve inicio no Maranhão e se espalhou pelo litoral brasileiro até São Paulo. Só no porto de Santos ela vitimou um terço da população. Na Bahia, entre os anos 1680 e 1684, o surto de varíola foi considerado castigo do céu. A doença atingiu em cheio principalmente as famílias numerosas, com até 50 pessoas, que viviam em casas pequenas e dormiam amontoadas. Também pereceram escravos e agregados. No Pará, a varíola surgiu de maneira fulminante nos anos de 1720, 1724, 1740, 1743 a 1749. Foi tão agressiva que ceifou a vida de 40 mil pessoas. Conhecida como a peste das “bexigas”, a varíola marcou sua passagem pelo Maranhão, em 1724,, 1730, 1785-1787 e 1799. Em Pernambuco em 1705 a 1715 e 1793. Na Bahia em 1732 a 1733. Em São Paulo em 1723 a 1730, 1741 a 1744, 1761 e 1798. Em Goiás em 1771.
As crianças são as maiores vítimas da variola. Antes do aparecimento das pústulas a pessoa atingida pela variola tem febre alta e inflamação na garganta e fossas nazais. O risco da inflamação atingir a vista é consideravel, por isso as pústulas não devem ser rompidas com os dedos, haja vista que a criança pode esfregar os olhos em seguida.(Foto do Portal São Francisco)
                   A sujeira era um terrível hábito dos moradores das vilas e cidades. Toda a imundície gerada nas casas era direcionada para as ruas, travessas e vielas. Até 1617, as ruas das cidades não eram calçadas e a água da chuva arrastava para o leito das vias públicas detritos diversos e dejetos humanos ladeira à baixo. Imagine que uma importante ladeira de Salvador era rotulada como “Ladeira da Preguiça”, visto que o transeunte cauteloso tinha que andar muito devagar para vencê-la, notadamente subindo-a. Em 1817, no Rio de Janeiro, a pavimentação das ruas era ruim e a iluminação fraca. Animais e escravos viviam vagando pelas ruas e nelas faziam as suas necessidades fisiológicas. Em 1768, o marques do Lavradio, governador e capitão-general da Bahia, em carta direcionada ao rei de Portugal, afirmou o adiantamento do Brasil ocorria muito devagar. Em 1798, Luis dos Santos Vilhena, professor de grego em Salvador, disse que o Brasil “era a morada da pobreza, o berço da preguiça e o teatro dos vícios”. Indagava em seguida: “Por que um país tão fecundo das produções da natureza, tão rico em essências, tão vasto em extensão, há de ser habitado por um tão diminuto número de colonos, a maior parte pobre, muitos deles esfaimados”.
Cemitério ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Minas Gerais.

A resposta pode estar no fato de as elites portuguesas, formada pelos intelectuais, ficarem tomadas de verdadeiro pavor quando se falava em mudar a situação do Brasil colônia. Isto porque a mudança poderia tirar o povo desvalido da dominação dos poderosos. O Estado português via o Brasil como uma fonte perene de renda. O povo que o habitava ficava a mercê do sentimento do rei. Todos dependiam da sua bondade. No Estado do Grão Pará, por volta de 1752, o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado rogava ao Marques de Pombal, seu irmão e primeiro ministro do rei, que o tirasse do Brasil assim que completasse três anos de gestão. Mendonça Furtado dizia que se achava cercado de “miseráveis ignorantes”. Ele permaneceu como governador do Pará até 1759, deixando o cargo para ser o titular dos Negócios Ultramarinos de Portugal. Enfrentou muitos problemas,mas soube lidar com os mais incisivos.
Cemitério construido ao lado da Igreja de São João, na cidade de Nuremberg. As pessoas nele sepultadas certamente pertenciam a alguma confraria religiosa e integravam famílias com boas posses. Observa-se que tudo é bem urbanizado.

                  O citado governador chegou a Belém em setembro de 1751 e encontrou a população enfrentando uma epidemia de varíola, cujo inicio se deu em 1750, e continuou implacável até 1758. Em março de 1752, ao visitar o povoado de Macapá, que mandara instalar em novembro de 1751, Mendonça Furtado soube que oitenta moradores tinham morrido vitimados por febres e diarréia sanguinolenta. Os açorianos eram maioria entre os mortos. Índios e negros cativos também pereceram. À época, só os mortos ilustres eram enterrados nas igrejas, deixando o interior dos templos dominado pela podridão dos cadáveres.




sábado, 8 de outubro de 2011

O PRIMEIRO CIRIO DE NAZARÉ EM MACAPÁ

           

        Por Nilson Montoril
Imagem de Nossa Senhora de Nazaré existente na Basílica que o povo do Pará ergueu no lugar da primitica ermida, em Belém. É cópia fiel da imagem encontrada pelo caboclo Plácido José de Souza no igarapé Murutucu, trecho da Estrada do Maranhão.  

                        Os católicos de Macapá e Mazagão tradicionalmente iam passar o círio de Nossa Senhora de Nazaré em Belém. Como a maioria dos devotos era constituída de pessoas carentes de recursos financeiros, os proprietários de embarcações que não perdiam a grande festa transportavam os que lhe eram mais próximos. Isto acontecia desde o ano de 1793, quando o governador do Pará, Francisco de Souza Coutinho realizou o primeiro círio. Os preparativos começaram a partir do dia 14 de setembro de 1790, depois que o Papa Pio VI concedeu a autorização requerida pelo gestor paraense. Sua Santidade fez a exigência de que a festa deveria ser realizada de acordo com a tradição portuguesa. A comissão constituída para organizar a festa foi orientada a incluir na programação uma feira geral onde os produtores do interior exporiam deus produtos no largo da ermida de Nossa Senhora de Nazaré. O primeiro Círio de Belém aconteceu no dia 8 de setembro de 1793, à tarde, seguindo o roteiro que ainda hoje é respeitado. Anualmente, os produtores de Macapá e Mazagão iam a Belém levando grandes balaios de castanha, cacau e frutas diversas. Os gestores municipais eram obrigados a promover a ida destes agricultores, mas acabavam arcando com as despesas da viagem dos que se viam motivados pela fé. 
Pintura que retrata o exato momento em que Dom Fuás Roupinho, irmão natural do Rei de Portugal, Dom Afonso Henrique viu seu cavalo estancar sobre as patas trazeiras depois que ele clamou por Nossa Senhora de Nazaré. Dom Fuás Roupinho perseguia um veado e, fatalmente, sem a ajuda divina, cairia no precipício que estava a sua frente.


Com a queda do preço da borracha, na primeira década de 1900, os Intendentes Municipais sentiram a pressão do povo católico que exigia deles o fornecimento de passagens fluviais. No inicio do ano de 1934, cansado de ser pressionado para mandar devotos a Belém, o Intendente de Macapá, major Eliezer Levy, que era membro da comunidade judaica do Pará, prepôs ao Padre Phelipe Blanck, vigário da Paróquia de São José, a realização do Círio de Nossa Senhora de Nazaré em nossa cidade. Sua proposta foi discutida pelas associações religiosas então existentes e aprovada. As providências iniciais começaram a ser tomadas em seguidas reuniões realizadas na sala de audiência da Intendência Municipal, redundando na eleição da diretoria da festa que ficou assim constituída: Juizes de Honra – Interventor Federal no Pará, Joaquim de Magalhães Cardoso Barata; Deputados Abel Chermont, Clementino de Almeida Lisboa e Acylino de Leão Rodrigues; Intendente Municipal de Macapá, Eliezer Moisés Levy. O Dr. Acylino, natural de Macapá, era médico, literato, professor e político. Fizeram parte da Diretoria: Phelipe Blanck (vigário de Macapá), Dr. João Gualberto Alves de Campos (Juiz de Direito da Comarca de Macapá), Tenente-Coronel Jovino Albuquerque Dinoá (coletor federal e fundador do jornal Correio de Macapá), Clodóvio Gomes Coelho (comerciante e político), José Maria de Sant’Ana ( segundo faroleiro de Macapá), Vicente Ventura (comerciante) e Secundino Braga Campos( comerciante, pecuarista e político). A única imagem de Nossa Senhora de Nazaré existente em Macapá pertencia à família Serra e Silva que a cedeu à Paróquia de São José. A berlinda foi montada sobre um velho automóvel, devidamente adaptado para os fins religiosos. A programação fixou os dias 3 e 4 de novembro de 1934, para a transladação e o círio respectivamente. Às 20h30, de 3 de novembro, um sábado, os fieis se concentraram em frente a casa  da família Serra e Silva, situada à Travessa Coronel José Serafim Gomes Coelho(resta apenas o trecho conhecido como Passagem Barão do Rio Branco), no Largo dos Inocentes, área atrás da Igreja de São José, de onde saiu a trasladação. O povo, conduzindo archotes e círios, seguiu pela Passagem Espírito Santo (entre a igreja e a Farmácia, hoje Biblioteca Pública), Avenida Siqueira Campos (Mário Cruz), dobrou à direita na Rua Visconde de Souza Franco (Rua Amazonas), virando à esquerda para alcançar a Rua 24 de Outubro (chamada pelo povo de Rua da Praia) até a casa do Oficial do Registro Civil Cesário dos Reis Cavalcante onde a imagem pernoitou.
Trecho da Travessa  Siqueira Campos, atual Avenida Mário Cruz, por onde passou a primeira romaria do cirio realizado em Macapá em 1934.

                        No domingo, dia 4 de novembro, o foguetório iniciado às 6 horas saldava o novo dia e convocava os devotos para a grande festa. Ás 8 h, teve inicio a romaria. Á frente do cortejo ia um piquete formado por 60 cavaleiros armados de lanças que, com clarins e fanfarras anunciavam ao povo a passagem da procissão. A seguir, vinha o anjo Custódio, imagem colocada sobre o dorso de um boi manso chamado Beleza, seguido de uma corte de anjinhos ricamente trajados. Depois, o carro dos milagres, onde se via uma reprodução da imagem da Virgem de Nazaré que salvou a vida de Dom Fuás Roupinho. Marujos carregavam barquinhas votivas, em ondas e maresias, dando um cunho pitoresco à procissão. Por fim, a Berlinda puxada à corda por devotos, acompanhada por autoridades e do povo até alcançar a Igreja de São José.
Igreja de São José reformada em 1949, pelos padres italianos. A Passagem do Espirito Santo é a que se situava ao lado direito do tempo, sendo mais larga doque a Passagem de Santo Antônio, à esquerda.

Durante o transcurso da romaria uma banda de música tocava hinos em louvor a Nossa Senhora. No fim do cortejo houve missa e depois o leilão dos doados à Mãe de Jesus, repetido na segunda-feira, dia 5 de novembro, pela manhã. A festa durou apenas oito dias, com reza diária do terço, ladainha e cânticos. No arraial havia brincadeiras diversas, venda de produtos da região e de comidas típicas. Na época Macapá não possuía luz elétrica e os candeeiros, lampiões, archotes e velas foram usados para clarear o Largo da Matriz. Ainda no dia 5 teve inicio a festa de São José, que deixou de acontecer em março devida as fortes chuvas. No domingo, 11 de novembro, o Padre Phelipe Blanck celebrou a Santa Missa e um Te Deum. À tarde, houve uma procissão feita em redor da Praça Capitão Augusto Assis de Vasconcelos (Veiga Cabral). Na segunda-feira, dia 12, deu-se o recirio em um curto percurso entre a Igreja de São José e a casa da família Serra e Silva dona da imagem da santa. Nos anos de 1935 e 1636, a imagem de Nossa Senhora ainda pertencia a particulares. Apenas em 1937, a comunidade católica de Macapá doou uma imagem à Paróquia de São José.